quinta-feira, 30 de abril de 2020

Sergio Alves - EntreVistas



Conheci  Sergio Alves , lá pelos idos dos anos 80 no Rio de Janeiro, tempos de poesia urbana, poesia de rua, com Samaral, Douglas Carrara, Edu Planchês, Lucio Celso Pinheiro, Iverson Carneiro, Flávio Nascimento, Zé Cordeiro, Moacy Cirne, Brasil Barreto, Paco Cac  e Marko Andrade. Para encontrá-lo bastava ir ao  Passa na Praça Que A Poesia Te Abraça. Varal de Poesia Ao Sabor do Vento. Feira de Poesia Na Cinelândia. Voltei a encontrá-lo pessoalmente na edição do POLEM comandado por Marcelo Mourão, na Taberna de Laura em Copabana,  outubro de 2019, edição em homenagem a poesia urbana carioca dos anos 80.  

SERGIO ALVES - Escritor, jornalista, animador cultural, ator, diretor de teatro, compositor. É autor de 6 livros de poesia. Militante do movimento cultural e do movimento negro há mais de 40 anos. Com 15 anos ingressou no grêmio estudantil, atuando como diretor cultural. Participou da histórica Feira da Poesia da Cinelândia, no começo dos anos 80. 

Em 1984 foi um dos fundadores do grupo Poça D’Água e do projeto “Passa na Praça que a Poesia te abraça”. Em 1990, participou da fundação do MACACO – Movimento de Arte e Cultura Alternativa, Comunitária e Organizada. Em 1991, teve seu poema “Cidade Dormitório”, usado como tema de prova do vestibular da Cesgranrio.  Em 1992, conquistou o 2º lugar, com o Poema “Mente Sã”, no Prêmio Internacional Cataratas, da prefeitura de Foz de Iguaçu.

Em teatro, Em 2004, dirigiu as peças “A Conta e o Tempo” de Regina Pierini e “Espíritos, Amor de Outras Vidas” de Vagner Castellanos. Em 2014, participou da criação , junto com a Banda DSD, o projeto “O Poeta e o Cantador”. Em 2015, participou da fundação do Coletivo Cultural “Rio da Prata”. Em 26 de junho de 2018, recebeu o Diploma Heloneida Studart, da Comissão de Cultura da ALERJ. É membro da diretoria do CEDICUN – centro de Estudos e Divulgação das Culturas Negras.

Artur Gomes- Como se processa o seu estado de poesia?

Sergio Alves - Depende muito do momento. Surge a ideia, corro e anoto. Depois vou trabalhando essa ideia, trabalhando as palavras, buscando a poesia.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Sergio Alves - São muitos. Alguns fazem parte do meu repertório, sempre declamo ou trabalho com meus alunos, como por exemplo “Versos Íntimos”, de Augusto dos Anjos, que foi o primeiro poema que ouvi alguém declamar, um professor de literatura que o declamou em sala de aula quando eu tinha 15 anos. Outro que adoro é “O Analfabeto Político” de Berthold Brecht ou “A Flauta Vértebra” de Maiakoviski. Dos brasileiros, adoro “O Operário em Construção”, do Vinícius de Moraes, “Os Estatutos do Homem”, do Thiago de Mello, dentre muitos outros.
Dos meus, gosto muito do “Poema Fúnebre”, tem também “Mente Sã”, “Soweto, Salvador , Rio” que são os mais conhecidos, além do “Cidade Dormitório”, que foi matéria de Vestibular, em 94.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Sergio Alves - São muitos. Não tenho como especificar nenhum. Leio vários ao mesmo tempo. Com essa pandemia então, estou um verdadeiro leitor maluco, lendo desde Gregório de Mattos, Castro Alves, Lorca e Cervantes até os contemporâneos. Estou revisitando os companheiros poetas atuais do movimento marginal e alternativo, como o Flávio Nascimento, Cairo Trindade, Iverson Carneiro, Marcelo Mourão, Zé Cordeiro, João Batista Alves, Douglas Carrara... Muita gente. Estou um verdadeiro rato da minha própria biblioteca.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Sergio Alves - Sim. A temática social. A luta de classes me fascina. A luta do homem por liberdade, contra a opressão me impulsiona. A luta contra a escravidão, em todos os tempos, são meus temas prediletos.

Artur Gomes- Livro que considera definitivo em sua obra?

Sergio Alves - Já publiquei seis livros. Participei de muitas antologias. Mas acho que nenhum é definitivo. Porque sempre estamos aprendendo, trocando com outros artistas.
Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Sergio Alves - Escrevo desde os 12 anos, mas comecei minha atuação cultural aos 15 anos, em 1975, quando ingressei no grêmio estudantil. Depois ingressei num grupo de teatro da escola e nunca mais parei. Era ditadura militar e os grêmios eram proibidos. A militância era feita na clandestinidade. Havia vários cineclubes atuando e apresentávamos vários esquetes e pequenas peças. Portanto, costumo dizer que o teatro popular entrou antes da poesia em minha vida.

Comecei mesmo a levar a poesia a sério em 1984, quando conheci o João Batista, o Zé Cordeiro, o Douglas, o Misael, a Rosinha na Feira da Poesia da Cinelândia e fundamos o “Passa na Praça que a Poesia te Abraça”.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Sergio Alves - Como eu disse, são quase 40 anos de atividades culturais. Como negro, morador da Zona Oeste, educador, de família pobre, sempre tive pedras no meio do caminho. Cada poema que escrevo é uma forma de enfrentar e denunciar essas pedras.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Sergio Alves - Tenho certeza que o fascismo, implantado recentemente em nosso país, passará, como passou o nazismo, como passaram os tiranos que a história nos mostra. Mas para que essa tirania desapareça de vez em nosso país, é preciso muito investimento em educação e em cultura. Só assim o povo consegue identificar e não votar nos lobos disfarçados em pele de cordeiro e seus lacaios, que são cordeiros querendo vestir a pele de lobo. Esses são os piores.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Sergio Alves - Minha tribo vem da África. Meus ancestrais, minhas referências vem desde o primeiro negão que fugiu pro quilombo. Com esse pensamento,  continuo por aqui, fundando quilombos por onde passo. Nunca sozinho, sempre de mãos dadas com companheiros, fortalecendo coletivos. Aqui na Zona Oeste, fundamos o MACACO e o Coletivo Cultural Rio da Prata, ingressei no CEDICUM – Centro de Estudos e Divulgação das Culturas Negras, que é uma das maiores referências do movimento negro da região e está completando 32 anos.

Outra tribo que adoro são os jovens, com quem trabalho diariamente como animador cultural e educador social. Adoro experimentar novas linguagens e com esse espírito criei, junto com o pessoal da Banda DSD o projeto “O Poeta e o Cantador”, um encontro com a vanguarda jovem da região. Essa é a minha tribo.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Sergio Alves - Sou um cidadão de esquerda, filiado ao Partido dos Trabalhadores desde 1990. Mas procuro não partidarizar a minha poesia, a minha arte. Me defino mais como militante do movimento social, do movimento cultural, do movimento negro. Acho que muitos grandes escritores conseguiram esse feito, como Jorge Amado, Graciliano Ramos, entre outros. Só não acredito na chamada “arte pela arte”, essa, na minha opinião, não conscientiza, não desperta ninguém.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Sergio Alves - Sobre a obrigação do poder público de fomentar a cultura.

Respondo que deveria ser prioridade. Como educador e animador cultural, trabalhei em muitos projetos nas comunidades e em escolas. Posso afirmar que esses projetos salvam vidas, retiram jovens dos braços do crime; já aconteceu com alunos meus.  Acho que cada escola deveria ter um escritor de plantão, violões e berimbaus à disposição. Só acredito no governante que ao invés de fazer gestos com armas nas campanhas, jogue capoeira e dance um jongo com os meninos nas comunidades.

A poesia agradece.

FulinaímaMultiProjetos
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3 comentários:

  1. Sérgio, meu querido irmãozinho e amigo do peito, li sua entrevista, achei maravilhosa, com ótimas respostas. Para meu orgulho e alegria, eu já conhecia bem a fundo sua história, mas ainda consegui aprender um pouquinho mais. Muito agradecido por me citar como um de seus poetas contemporâneos preferidos. Eu fiquei muito feliz. Obrigado sempre! Uma abração carinhoso!

    Marcelo Mourão

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  2. Ótima, entrevista. Conheci e relembrei um pouco da sua história de luta. Parabéns!!

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  3. Grande Sergio Alves! Um batalhador, desde sempre, pela poesia e pela igualdade social, nesse país tão maltratado. Entrevista forte, real, corajosa e poética. Parabéns, meu mano.

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