quinta-feira, 30 de abril de 2020

Daniel Perroni Ratto - EntreVistas


Nosso contato no face surgiu depois que o conheci ao vivo no Gente de Palavra Paulistano, na Patuscada, comandado por outros dois grande amigos e grandes poetas, Cesar Augusto de Carvalho e Rubens Jardim, fevereiro de 2019, em homenagem a outra grande amiga e também grande poeta Dalila Teles Veras.

Juro, que quando vi o Daniel, pensei estar novamente diante de Paulo Brusky, poeta e amigo que vi pela última vez em 1987 na cidade de Batatais-SP. A noite foi um vendaval poético, 29 poetas fazendo leituras da poesia de Dalila, numa sinfonia de vozes  emocionadas com a grandeza do que estava sendo dito.

Daquela  noite em diante, Daniel Perroni Ratto faz parte do meu roll de amigos de face, que com sua brava poesia enriquece ainda mais essa nossa  Balbúrdia Poética.

Daniel Perroni Ratto -  Vencedor do Prêmio Guarulhos de Literatura 2019, na categoria, Escritor do Ano, com o livro, Alucinação (Algaroba, 2018), Daniel Perroni Ratto é poeta, jornalista, músico e editor, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela ECA/USP. É autor dos livros, Urbanas Poesias (Ed. Fiúza, 2000), Marte mora em São Paulo (A Girafa, 2012), Marmotas, amores e dois drinks flamejantes (Ed. Patuá, 2014) e VoZmecê (Ed. Patuá, 2016).

Foi cronista do UOL Música, editoria de música do portal Culture-se e do jornal Diário do Nordeste. Faz parcerias de composição com artistas da cena musical brasileira como: Tatá Aeroplano, Douglas Mam, Bleck a Bamba, Daniel Medina, Juli Manzi, etc.

Artur Gomes -  Como se processa o seu  estado de poesia?

Daniel Perroni - Boa noite, Artur. Agradeço o convite para participar desse espaço bem bacana da literatura brasileira contemporânea.

Para mim, o “estado de poesia” é uma ligação com o etéreo, das coisas universais e intangíveis ao mesmo tempo em que está intimamente ligado ao mundano, aos fatos cotidianos da urbanidade ou da natureza, do mundo tangível ao nosso redor. A chave, talvez, seja uma sensibilidade para captar a energia que a matéria emana e das luzes imateriais que viajam através das dimensões.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Daniel Perroni - Não tenho um poema próprio preferido. Claro, tenho poemas que gosto menos, todavia, não tenho um de que goste mais. Vou pensar aqui. Bom, tenho um carinho pelo poema “Marte mora em São Paulo”, por ter sido um momento de ruptura, de uma nova práxis que se apresentava na minha vida, naquele momento. Escrevi de uma tacada só, daquele jeito que Blake diz que tem que ser, logo após minha primeira caminhada pela Avenida Paulista, pleno meio-dia. Sempre vivi na praia, Fortaleza ou São Vicente. Só conheci a famosa selva de pedra, de fato, jovem adulto, em 1998, aos 22 anos, quando escrevi o poema.

Marte mora em São Paulo

Tudo o que pude fazer para você
deu no que deu
Comi o papel para o quê?
Tudo que ganhou foi meu.

Radioatividade de pessoas
Cantam na Paulista com Augusta
Ruas glamourosas e coroas
na vida ganha da grana sua.

Aliens atropelam corações
que tentam ser São no salmo
Homens caçam perdões
Marte mora em São Paulo.

Violência sensorial extrapola
Guerra Mundial Nuclear
Meu tesão controla
Brindes nas Ondas… No Mar.

No Mar Edificado das capitais
Perdido no concreto armado
Enjaulado como animais
Em São Paulo Campo minado.

Planos confabulados
por metro quadrado
Alienígenas de várias
galáxias na Avenida Paulista

Métrica totalmente aleatória Desagrado
Raios inversos na térmica da Atmosfera.

Amanhece com o frio usando no edredom
Meio-dia de mangas curtas e suor escorre
Balas psicodélicas perseguem o Poseidon

Sujeito seguido
dentro do software
corre ou morre

A mulher fatal estende a mão para o alto
Lá de cima o homem olha os terráqueos
Quadro enfocado dos sacos esfaqueados

Só eu sei que Marte Mora em São Paulo
Comunicação telepática além dos óculos
Escuros espaços nas calçadas do Universo
ali do lado perto das famosas esposas do
povo

O gigolô fuma um cigarro
e puxa a camisa de Vênus

Carros correm nas avenidas
com a pressa do tempo
Aviões monitorados nos
micros trazem pessoas

Helicópteros transportam
executivos e canais de TV
Motos desafiam a gravidade
e levam a Morte na garupa

Ninguém se entende
nesse caos proposital
minhas rimas seguem
qualquer padrão

E fica assim então como
divergência intelectual
das diversas formas de vida
que vivem no hospedeiro
corpo humano veículo ineficaz
de supremacia
A praga já se disseminou
e contagiou as mentes
os mendigos vivem
nas ruas sem dentes
e não tem como
resolver a problemática
sem vacina
Marte Mora em São Paulo.

Marcianos exploram
o governo Mundial
a disputa fica quente

Manipulação das
criaturas noturnas
Saturno vive em São Paulo

Saturnianos enfrentam
Marcianos pela posse
guerra sanguinolenta
entre espécies

Manipulação das criaturas
subterrâneas
Andrômeda assalta São Paulo

Andromedanos
disputam com
Plutanianos
o direito de roubar
energia dos nordestinos
que vieram de Mercúrio
onde o vermelho não possibilitava
temperaturas satisfatórias

Os povos da
Constelação de Órion
encontraram moradia
na zona Leste
Os Orionmanos
se organizam nos guetos
armamento pesado
pra combater
os alienígenas de Júpiter
guerreiros gigantes
que se infiltraram
em todos os lugares do mundo
globalizando informações
para poderem dominar

Ali e Acolá
no meio das ruas
a guerra está aberta
O Ser Humano
já não é o ser
Liberdade de ir
e não voltar
ou de ficar
e não deixar
prospera nas leis
estabelecidas pelos Marcianos

Vou ficando como um louco
que não reconhece
as digitais da sua companheira
um fato pode ser esclarecido
o planeta Marte mora em São Paulo.

Tem esse texto visceral de Torquato Neto que levo sempre comigo:

“Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada no bolso e nas mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilho. Poetar é simples, como dois e dois são quatro, sei que a vida vale a pena etc. Difícil é não correr com os versos debaixo do braço. Difícil é não cortar o cabelo quando a barra pesa. Difícil, para quem não é poeta, é não trair a sua poesia, que, pensando bem, não é nada, se você está sempre pronto a temer tudo; menos o ridículo de declamar versinhos sorridentes. E sair por aí, ainda por cima sorridente mestre de cerimônias, “herdeiro” da poesia dos que levaram a coisa até o fim e continuam levando, graças a Deus. E Fique sabendo: quem não arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi. Adeusão.”

 Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Daniel Perroni - Tenho lido muitos poetas contemporâneos, mas de cabeceira posso dizer: Blake, Rimbaud, Burroughs, Piva, João Cabral, Manoel de Barros, Waly e Torquato.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Daniel Perroni - Pode ser qualquer coisa que me desperte algum tipo de sentimento, de emoção. Boa ou má. Não tenho nenhum tipo de ritual a me prender.

 Artur Gomes -  Livro que considera definitivo em sua obra?

Daniel Perroni - Todos são definitivos, penso. Marcam as fases, as transições de vida. Por óbvio, talvez o primeiro, Urbanas Poesias, lançado no ano 2000. Justamente por quebrar aquela barreira de lançar ou não. De mostrar para as pessoas ou não. De dar a cara para bater, de entender que ninguém é unanimidade e de lidar com a possível rejeição, por certa parte dos leitores, com tranquilidade.

Artur Gomes - Além da poesia em verso  já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Daniel Perroni - A poesia está no mundo e a arte é seu veículo na transmissão. De minha parte, além da poesia “de livro”, faço declamações, leituras, poesia audiovisual e parcerias musicais.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Daniel Perroni - Vários, bicho. Até um “Poema Comunista” com a forma, métrica e rima do “Poema da Necessidade”, de Drummond, quando eu tinha uns 16 anos. Esse último livro, Alucinação (Algaroba, 2018), é, basicamente, sobre a pedra fascista que está no caminho do Brasil, chamada Bolsonaro.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Daniel Perroni - É um mundo novo, para além de Huxley, nada admirável. Já vivemos nessas distopias que líamos em 1984 e Fahrenheit 451, por exemplo. Não é possível termos esse governo simultaneamente ao coronavírus. É preciso extirpar o protozoário que ocupa o Palácio da Alvorada. Acredito que ele e seus filhos, os Irmãos Metralha, passarão. Os poetas, passarinho.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Daniel Perroni - Sim, a tribo no sentido de serem suas experiências, influências, que podem ser uma fusão da passagem por diversas tribos ao longo da vida. Pelo menos, penso assim. Não me atenho a regras, formas, ritos. Nesse caminho, sou anarquista. Venho do Ceará, com uma infância rica em artes, música e poesia. Venho de São Vicente, com uma adolescência rica em esportes, contato com a natureza, o mar, principalmente. Venho de São Paulo, das urbanidades do ser cosmopolita. Venho de outras dimensões, das camadas mais finas, das membranas intergalácticas da Teoria das Cordas. Venho do sertão, do cangaço, da flor do mandacaru. Venho da vontade de existir contida no Big Ben.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Daniel Perroni - Poeta sempre foi, é, e será um revolucionário. Um provocador do status quo. Um poema de Patativa do Assaré, das agruras da seca é revolucionário. Onde canta o sabiá é subversivo. O ato de fazer lembrar que  somos, que existimos, e, que, ao nosso redor está o que é, o que existe para além do ego, do superego.
A poesia é a alma do mundo e o poeta a transporta até as palavras.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Daniel Perroni -  Estou bem satisfeito com a entrevista e feliz por tê-la respondido! Obrigado mais uma vez, pelo espaço! Um grande abraço, Artur!

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