terça-feira, 21 de abril de 2020

Cesar Augusto de Carvalho - EntreVistas


Quando começamos a trocar correspondência, lá pelos idos de 1983, em tempos de Mostra Visual de Poesia Brasileira, tínhamos entre amigos comuns, Uilcon Pereira, Ricardo Pereira Lima e Gabriel de La Puente, três  vulcões indomáveis que me impulsionaram a soltar larvas poéticas por muitos cantos desse país afora.
  
Ao vivo fomos nos conhecer em 1987 em Batatais no seminário: Brasil: Uma Cultura em Questão,  que devido a multidão de poetas e ativistas cultural presentes, se transformou no  nosso Woodstok Tupiniquim.
 Anos e anos se passaram e mas as cartas foram sempre me colocando a par da suas atividades literárias e travessuras no com a produção cultural.

Em 2017 voltamos a nos encontrar em São Paulo, quando me convidou para uma das edições dos Artefatos Poéticos, produzido por ele no 38  Social Clube do querido e saudoso Sinerval. E em 2019 nos encontramos mais uma vez em Sampa, numa da edições do Gente de Palavra em homenagem a querida Dalila Teles Veras e no Sarau da Paulista.

Cesar Augusto de Carvalho - Sociólogo e historiador por formação acadêmica, escritor e poeta por teimosia.
São três os livros de poemas: Proesia (Edição independente, 2013); Lavras ao Vento, , (Benfazeja, 2017) e Curto-circuito, (Patuá,2018).

Só esperando a pandemia passar para publicar Raul e Eu, a história de um sósia do cantor Raul Seixas atormentado pela dúvida sobre a morte da namorada: sonho ou realidade?
E, se der tudo certo, antes da pandemia terminar, lançar pela Amazon, a edição digital de Histórias de Quem, contos vindos lá dos arredores de Assombradado, sob suspeita de serem plágios de Virgulino, o herói textual do sertão.

Desde 2016 faz a curadoria do evento poético, Sarau da Paulista, que reúne poetas paulistanos na principal avenida de São Paulo, a Avenida Paulista, e, desde 2017, junto com Rubens Jardim, o sarau Gente de Palavra que homenageia, mensalmente, um poeta brasileiro vivo.

De 2010 a 2014 escreveu contos e crônicas para o programa Estação Raul, veiculado pela rádio UEL FM 107,9 de Londrina, PR, dedicado à vida e obra do cantor Raul Seixas. Estes textos deram origem ao livro Toca Raul e ao CD Conversas na Estação, novela ficcional, cuja história de amor é permeada pela temática do cantor.

Em 2008 publicou Viagem ao Mundo Alternativo: a Contracultura nos Anos 80 (Unesp), um relato de viagem ao mundo das comunidades alternativas

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Cesar Augusto - Não existe um processo no meu estado de poesia. Quando fico neste estado é que a poesia estala.

Artur Gomes - Seu poema preferido?

Cesar Augusto - Tenho poemas preferidos, das mais variadas fontes e gêneros. Sou uma puta da literatura.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Cesar August - Bashô. Não abro mão.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Cesar Augusto - Pedras são muitas. Nem todas se permitem poetizar. Limito-me às possíveis. Pode ser um gesto, uma palavra, qualquer coisa que me toque fundo, e que possa poetizar.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Cesar Augusto - Minha obra, que espero viva em constante estado de ebulição, é um amálgama mais de autores que de livros. As obras de Manoel de Barros, dos irmãos Campos, de Bashô, Fernando Pessoa constituem o amálgama de minha produção literária. Em poesia e prosa. Proesia.

Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Cesar Augusto - Para mim a poesia sem o verso vira prosa poética. Duas coisas diferentes. Mas isso só tem importância para os autores e acadêmicos, não para o leitor.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Cesar Augusto - Todas as mulheres do mundo, publicado em Lavras ao vento, pá (Benfazeja, 2018), aliás um dos poucos poemas longos que escrevi quando a pedra no caminho foi uma lembrança dolorosa.
todas as mulheres do mundo
com as mulheres do mundo,
que pensava em amar,
me descobri vazio,
um madeireiro a procurar
no bosque imenso e profundo
árvores que cortava sem vacilar.
advertiu-me um velho sábio:
o bosque há de acabar!
sem dar bola a tal conselho
continuei o machado a afiar.
dos golpes começaram a brotar
rebentos fortes, sadios.
eu, espantado, a especular:
o que neles era contido
que não saberia explicar?
de novo o velho sábio
veio comigo a conversar:
dos rebentos produzidos
há sua alma a clamar
perdão pelos golpes dados.
de volta ao bosque fui buscar
as árvores que tinha golpeado.
perdão queria implorar.
na primeira me vi avô,
na segunda, um filho a chorar
na terceira, um pai perdido
e na quarta, uma mãe a lamentar.
depois do bosque percorrido,
o crepúsculo a se aproximar,
nas mulheres que tinha amado
percebi que o presente a ganhar
era o que elas tinham gerado.
antes da noite terminar
veio o velho acompanhado
das orixás a me mostrar
que dos golpes que havia dado
só uma pessoa poderia magoar,
uma pessoa que era resultado
das mulheres que desejava amar,
todas contidas em mim mesmo
na figura de pai a buscar
a mãe que nunca teria sido.
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Cesar Augusto - Passará aquele que não ficou em casa e não se protegeu, todos os demais, passarinhos.
Em termos de literatura, poetas e escritores continuarão na mesma. Uns passarão, outros passarinho. Como sempre. O tempo o dirá.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Cesar Augusto - Aqui preciso fazer uma ressalva. Nem sempre a tribo com a qual a gente convive significa ser a tribo que me influencia. Esta última é simbólica, faz parte do universo literário que li e absorvi; a primeira é real, gente que vira amigo(a), mas não chega a me influenciar.

Aliás, hoje está cada vez mais difícil encontrar esta tribo de influenciadores. Não conversamos muito sobre nossa produção. Nos encontros literários, declamamos, representamos e nos fazemos ouvir poeticamente, mas não conversamos sobre o ato de produzir. Sinto falta disso. 

Quando leio sobre os encontros dos grandes escritores, poetas, artistas em décadas anteriores, uns influenciando outros, me dá uma certa tristeza. Gostaria que, além dos saraus, verdadeiros shows, também conversássemos mais sobre nossa produção. Nossas técnicas, ou ausência delas, nossas formas de ler o mundo literária e poeticamente. Ah, como isso faz falta.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Cesar Augusto - Iguais aos dias de ontem. O poeta militante escreve, busca seus leitores, escreve, escreve, escreve. Serviu para alguma coisa o que escreveu? Não importa, continua escrevendo. Por mais que a gente queira, a poesia é fim em si. Não tem começo nem fim.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Cesar Augusto - O que pretendo ao escrever?
Chegar ao silêncio e transformá-lo em poesia.

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