Quando começamos a trocar
correspondência, lá pelos idos de 1983, em tempos de Mostra Visual de Poesia
Brasileira, tínhamos entre amigos comuns, Uilcon Pereira, Ricardo Pereira Lima
e Gabriel de La Puente, três vulcões
indomáveis que me impulsionaram a soltar larvas poéticas por muitos cantos
desse país afora.
Ao vivo
fomos nos conhecer em 1987 em Batatais no seminário: Brasil: Uma Cultura em Questão,
que devido a multidão de poetas e ativistas cultural presentes, se transformou
no nosso Woodstok Tupiniquim.
Anos e anos se passaram e mas as cartas foram
sempre me colocando a par da suas atividades literárias e travessuras no com a
produção cultural.
Em 2017 voltamos a nos
encontrar em São Paulo, quando me convidou para uma das edições dos Artefatos Poéticos, produzido por ele no
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Social Clube do querido e
saudoso Sinerval. E em 2019 nos
encontramos mais uma vez em Sampa, numa da edições do Gente de Palavra em
homenagem a querida Dalila Teles Veras
e no Sarau da Paulista.
Cesar
Augusto de Carvalho - Sociólogo e historiador por formação
acadêmica, escritor e poeta por teimosia.
São três os livros de poemas: Proesia (Edição independente, 2013); Lavras ao Vento, pá, (Benfazeja, 2017)
e Curto-circuito, (Patuá,2018).
Só esperando a pandemia passar
para publicar Raul e Eu, a história
de um sósia do cantor Raul Seixas atormentado pela dúvida sobre a morte da
namorada: sonho ou realidade?
E, se der tudo certo, antes da
pandemia terminar, lançar pela Amazon, a edição digital de Histórias de Quem,
contos vindos lá dos arredores de Assombradado, sob suspeita de serem plágios
de Virgulino, o herói textual do sertão.
Desde 2016 faz a curadoria do
evento poético, Sarau da Paulista,
que reúne poetas paulistanos na principal avenida de São Paulo, a Avenida
Paulista, e, desde 2017, junto com Rubens Jardim, o sarau Gente de Palavra que homenageia, mensalmente, um poeta
brasileiro vivo.
De 2010 a 2014 escreveu contos
e crônicas para o programa Estação Raul, veiculado pela rádio UEL FM 107,9 de Londrina, PR, dedicado à
vida e obra do cantor Raul Seixas. Estes textos deram origem ao livro Toca
Raul e ao CD Conversas na Estação, novela
ficcional, cuja história de amor é permeada pela temática do cantor.
Em 2008 publicou Viagem
ao Mundo Alternativo: a Contracultura nos Anos 80 (Unesp),
um relato de viagem ao mundo das comunidades alternativas
Artur
Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Cesar
Augusto - Não existe um processo no meu estado de poesia. Quando
fico neste estado é que a poesia estala.
Artur
Gomes - Seu poema preferido?
Cesar
Augusto - Tenho poemas preferidos, das mais variadas fontes e gêneros.
Sou uma puta da literatura.
Artur
Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Cesar
August - Bashô. Não abro mão.
Artur
Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque,
algo que o impulsione para escrever?
Cesar
Augusto - Pedras são muitas. Nem todas se permitem poetizar.
Limito-me às possíveis. Pode ser um gesto, uma palavra, qualquer coisa que me
toque fundo, e que possa poetizar.
Artur
Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Cesar
Augusto - Minha obra, que espero viva em constante estado de
ebulição, é um amálgama mais de autores que de livros. As obras de Manoel de
Barros, dos irmãos Campos, de Bashô, Fernando Pessoa constituem o amálgama de
minha produção literária. Em poesia e prosa. Proesia.
Artur
Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra
forma de linguagem com poesia?
Cesar
Augusto - Para mim a poesia sem o verso vira prosa poética. Duas
coisas diferentes. Mas isso só tem importância para os autores e acadêmicos,
não para o leitor.
Artur
Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do
caminho?
Cesar Augusto - Todas as mulheres do
mundo, publicado em Lavras
ao vento, pá (Benfazeja, 2018), aliás um dos poucos poemas longos que
escrevi quando a pedra no caminho foi uma lembrança dolorosa.
todas
as mulheres do mundo
com as mulheres do mundo,
que pensava em amar,
me descobri vazio,
um madeireiro a procurar
no bosque imenso e profundo
árvores que cortava sem vacilar.
advertiu-me um velho sábio:
o bosque há de acabar!
sem dar bola a tal conselho
continuei o machado a afiar.
dos golpes começaram a brotar
rebentos fortes, sadios.
eu, espantado, a especular:
o que neles era contido
que não saberia explicar?
de novo o velho sábio
veio comigo a conversar:
dos rebentos produzidos
há sua alma a clamar
perdão pelos golpes dados.
de volta ao bosque fui buscar
as árvores que tinha golpeado.
perdão queria implorar.
na primeira me vi avô,
na segunda, um filho a chorar
na terceira, um pai perdido
e na quarta, uma mãe a lamentar.
depois do bosque percorrido,
o crepúsculo a se aproximar,
nas mulheres que tinha amado
percebi que o presente a ganhar
era o que elas tinham gerado.
antes da noite terminar
veio o velho acompanhado
das orixás a me mostrar
que dos golpes que havia dado
só uma pessoa poderia magoar,
uma pessoa que era resultado
das mulheres que desejava amar,
todas contidas em mim mesmo
na figura de pai a buscar
a mãe que nunca teria sido.
Artur
Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise
virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Cesar
Augusto - Passará aquele que não ficou em casa e não se protegeu,
todos os demais, passarinhos.
Em termos de literatura, poetas
e escritores continuarão na mesma. Uns passarão, outros passarinho. Como
sempre. O tempo o dirá.
Artur
Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e
jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele
traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Cesar
Augusto - Aqui preciso fazer uma ressalva. Nem sempre a tribo com a
qual a gente convive significa ser a tribo que me influencia. Esta última é
simbólica, faz parte do universo literário que li e absorvi; a primeira é real,
gente que vira amigo(a), mas não chega a me influenciar.
Aliás, hoje está cada vez mais
difícil encontrar esta tribo de influenciadores. Não conversamos muito sobre
nossa produção. Nos encontros literários, declamamos, representamos e nos
fazemos ouvir poeticamente, mas não conversamos sobre o ato de produzir. Sinto
falta disso.
Quando leio sobre os encontros dos grandes escritores, poetas,
artistas em décadas anteriores, uns influenciando outros, me dá uma certa
tristeza. Gostaria que, além dos saraus, verdadeiros shows, também
conversássemos mais sobre nossa produção. Nossas técnicas, ou ausência delas,
nossas formas de ler o mundo literária e poeticamente. Ah, como isso faz falta.
Artur
Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de
poesia?
Cesar
Augusto - Iguais aos dias de ontem. O poeta militante escreve,
busca seus leitores, escreve, escreve, escreve. Serviu para alguma coisa o que
escreveu? Não importa, continua escrevendo. Por mais que a gente queira, a
poesia é fim em si. Não tem começo nem fim.
Artur
Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Cesar
Augusto - O que pretendo ao escrever?
Chegar ao silêncio e
transformá-lo em poesia.
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