quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Salgado Maranhão - EntreVistas



O meu primeiro contato com a poesia de Salgado Maranhão, se deu ainda nos anos de 1970, ouvindo Zizi Possi cantando Caminhos do Sol, parceria dele com Herman Torres. Daí em contato com Moacyr Felix, no início dos anos de 1980 comecei a conhecer a sua vasta produção poética. Salgado Maranhão é um dos membros da minha tribo de poetas, muitos de seus poemas me tocam, me inspiram, me transbordam. Sentença por exemplo é um poema que gostaria de ter escrito, e quando o digo, falo como se fosse meu. Não me canso de ouvir o CD Amorágio, editado pelo selo SESC-Rio e produzido por Sérgio Natureza. No no meu curta A Passageira da Poltrona Ao Lado, utilizo em sua trilha sonora a canção Trem da Consciência parceria do Salgado Maranhão com Vital Lima gravada por Zeca Baleiro, que é uma das faixas do CD Amorágio. 

No livro O Poeta Enquanto Coisa  dedico-lhe a Poética 25

 

a cor da tua pele me conforta

porta que se abre pra beleza absoluta

a vida que tivemos na matéria bruta

a sorte de nascer dentro do norte

na felina selvageria da pantera

 o sal que temperou as nossas eras

 na pele do tempero ruptura em cada corte

e ao mesmo tempo é voz que predestina

que o poeta não vai morrer antes da morte


A Cor Da Palavra
 - Antologia da obra do poeta Salgado Maranhão, publicada em co-edição com a Fundação Biblioteca Nacional, e ganhador do prêmio de melhor livro de poesia de 2011 da Academia Brasileira de Letras.


Salgado Maranhão - é um poeta e compositor brasileiro, nascido José Salgado Santos em Caxias, Maranhão, em 1953. Estudou Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde vive desde 1973. Compositor-letrista, tem músicas gravadas por vários artistas como Amelinha, Elba Ramalho, Ney Matogrosso, Paulinho da Viola, Rosa Marya Colin, Elba Ramalho, Zeca Baleiro, Vital Farias e Zizi Possi. A partir de 1976 colaborou em várias publicações com artigos e poemas, como a revista "Música do Planeta Terra", a convite de Júlio Barroso, então editor da revista, na qual também colaboravam Sergio Natureza, Caetano Veloso, Ronaldo Bastos, Jorge Mautner e Jorge Salomão, entre outros. 

Em 1978 foi um dos organizadores, com Sergio Natureza,  
Antônio Carlos Miguel, do  livro "Ebulição da escrivatura -Treze poetas impossíveis" (Ed. Civilização Brasileira, 1978, RJ), 
com prefácio dele  e orelhas de Moacyr Felix. Coletânea que reuniu diversos poetas, como Sergio Natureza (assinando Sérgio Varela), Antônio Carlos Miguel (sob o pseudônimo de Antônio Caos), Éle Semog, Mário Atayde, Tetê Catalão, entre outros. 

Publicou poemas e artigos na revista "Encontro com a Civilização Brasileira" (1978). Nos anos seguintes, publicou "Aboio" (cordel/ Ed. Corisco -Teresina - 1984), "Punhos da serpente" (poesia/ Ed. Achiamé, RJ, 1989), "Palávora" (poesia - Ed. Sette Letras, RJ, 1995), "O beijo da fera" (poesia - Ed. Sette Letras, RJ, 1996) e "Mural de ventos" (poesia - Ed. José Olympio, RJ, 1998). 

Em 1998, ganhou o prêmio "Ribeiro Couto", da União Brasileira dos Escritores (UBE), com o livro "O beijo da fera". No ano seguinte, com o livro "Mural de ventos", foi o vencedor do "Prêmio Jabuti", da Câmara Brasileira do Livro, dividido com Haroldo de Campos e Geraldo Mello Mourão. Em 2007 sua poesia foi estudada na Universidade de Brown, em Providence, Rhode Island, nos Estados Unidos. Tem poemas traduzidos para o inglês, holandês, francês, alemão e espanhol. Em 2011 recebeu o prêmio "Machado de Assis de Poesia", da Academia Brasileira de Letras

 Clic no link abaixo parar conhecer mais da vasta e profunda obra poética de Salgado Maranhão

http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/416-salgado-maranhao

 Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

 Salgado Maranhão - Normalmente, estou sempre em estado de poesia. O que não quer dizer que esteja o tempo todo com a caneta não mão. Estou, como dizia o Quintana, falando sozinho, ruminando versos.. Há situações em que eu tenho um poema inteiro de memória sem ter posto um único verso no papel. Comecei minha vida  literária pela cultura popular da minha terra,  o Maranhão. Os cantadores repentistas foram minha primeira influência. Quando o livro chegou à  minha vida, eu já estava contaminado pela música das palavras.

 Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Salgado Maranhão - Entre os poetas brasileiros, o poema que mais me impactou no começo de minha vivência com a poesia do livro, foi "I Juca Pirama", de Gonçalves Dias. É talvez o nosso mais importante poema, pelo sentido nativista fundante na música verbal, emprestada à dança e ao drama na vida de relações  indígenas. É um assombro o talento e a lucidez do poeta maranhense, na construção de uma trama que plasmasse além dos valores do povo originário, resgatasse seu ethos através do ritmo. Um épico de grande relevância na construção de uma voz essencialmente nossa.

 Clic no link e lei o poema na íntegra

http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/jucapirama.pdf

Dele, ele não citou, mas eu destaco esse atualíssimo Índio Velho

 

Índio Velho


já nos tiraram o couro

e o sangue:

já nos rifaram a terra

e seus nomes santos

(deixando-na rente ao osso.)

Insaciáveis, agora, trocam-nos

pelos bois.

Não, à seiva do agrobusiness!

Não, à sorte da agromorte!

Não, ao tablet sem a Taba!

Geme a flora,

geme a fauna,

geme o rio de mercúrio.

Do fogo não brotam flores.

Deixem o que ainda nos resta!

O que veste o índio é a floresta.

 Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira? 

 Salgado Maranhão - São vários os meus poetas de cabeceiras, cada hora eu trago mais um. Meu quarto de dormir termina virando  extensão de minha biblioteca, porque gosto de acordar já lendo, buscado motivações para um novo poema. Para mim, este tipo de vida é o melhor dos mundos. Posso citar alguns sabendo que não são os únicos: Sophia de Mello Breyner Andersen, Borges, Hilda Hilst,  João Cabral de Melo Neto, Manoel Bandeira Drummond, Mário Faustino, Sousandrade, Homero (estou relendo Odisseia na tradução de Odorico Mendes). São os do momento. Mas, minha fome de poesia tem a largueza do vento, quer sempre mais horizontes.

 Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

 Salgado Maranhão - Não, sou um aleatório disciplinado, uma antena sempre aberta à epifania e, quando ela chega, eu trabalho duro feito  ourives limando a pedra bruta. Sempre estou buscando a palavra que me agrade. Não a exata, mas, a palavra resvalante, que agregue significantes vários. Escrevo na borda do sistema linguístico: um passo para trás, cairia do lugar comum; um passo para frente, cairia no ininteligível.

 Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?


Salgado Maranhão
 - Semelhante aos filhos, todos os meus livros são igualmente amados. Alguns tiveram boas repercussões, como o Mural de Ventos e o Ópera de Nãos, que ganharam o Prêmio Jabuti. Porém, o Sol Sanguíneo e O Mapa da Tribo, entram mais diretamente na minha história de vida. De modo que, estes são livros com os quais me identificam. O Sol Sanguíneo já ficou dois anos no vestibular estadual do Piauí. Maior presente para um poeta, cuja grande aspiração é habitar o coração do leitor.

 “Numa dicção arraigadamente pessoal, Salgado Maranhão, em Sol Sangüíneo, atinge o (até agora) ponto máximo de sua obra, num conjunto coeso de poemas, em que a inteligência especulativa e a celebração da corporalidade do mundo se expressam com grande rigor metafórico”. ANTONIO CARLOS SECCHIN


DO ARBÍTRIO


Das estrias que a mão

esculpe

só o que brilha

sobrevive.


Nômade a manhã

despe o sol

à flor

da carne,

múltipla,

à vertigem da linguagem.


Não há comportas

nem caminhos

não há saaras

nem vienas

em tudo há rinhas

e arestas

de flores

e esquifes.


Em tudo entalha-se

ao revés

coisas que se mostram

e não se dão,

que só no verso vêem-se,

no peeling pelo avesso.


(Delitos que em seu exílio

transbordam de rubro

a lira

resenham através do júbilo,

rasuram através da ira.)


Sopra revanche de ritmos

no íntimo viés do não dito,

sopra o arbítrio dos dias.

Artur Gomes - Além da poesia em verso  já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

 Salgado Maranhão - Sim, além do poema em versos (livre e medido) também o pratico em prosa. E, por vezes, faço ensaios e contos. Mas, o prazer de versejar, capitaneado pelas infinitas possibilidades do ritmo, é viciante. Nenhum outro formato de uso da língua nos leva tão longe. Justamente, pela sua liberdade de ação, pelo seu descompromisso com qualquer tipo de obediência programática.

 Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

 Salgado Maranhão - Muitos dos meus poemas foram impulsionados por algum tipo de obstáculo. Costumo dizer que a poesia gosta de confrontos reais. Assim, a própria vida do poeta costuma ser um intenso corpo a corpo com a palavra e com a existência na sua exterioridade máxima. Não que ele viva diretamente todas as circunstâncias que canta,  porém, ele acolhe-as através da sensibilidade diferenciada, já que é o porta voz da experiência humana.

 

Sentença

 

faz muito tempo que eu venho

nos currais deste comício,

dando mingau de farinha

pra mesma dor que me alinha

ao lamaçal do hospício.

e quem me cansa as canelas

é que me rouba a cadeira,

eu sou quem pula a traseira

e ainda paga a passagem,

eu sou um número ímpar

só pra sobrar na contagem.


por outro lado, em meu corpo,

há uma parte que insiste,

feito um caju que apodrece

mas a castanha resiste,

eu tenho os olhos na espreita

e os bolsos cheios de pedras,

eu sou quem não se conforma

com a sentença ou desfeita,

eu sou quem bagunça a norma,

eu sou quem morre e não deita.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

 Salgado Maranhão - O poeta é um ente semelhante a um dromedário, sobrevive muito mais do que lhe negam, a vida e a natureza, do que lhe doam. Devido à sua extraordinária capacidade de transformar o nada em nado. Seu mapa existencial são os caminhos adversos ao lugar comum. Vive sempre a renegar o óbvio e a ver o que não lhe mostram. Não há caminhos difíceis para quem mora no penhasco. A crise do momento não altera a produção do poeta que já se impõe o rigor e o compromisso que a poesia sempre exige. Cecília na sua grandeza estelar já nos disse: "Não sou alegre nem sou triste/sou poeta".

 Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

 Salgado Maranhão - O poeta Admir Assunção está certo, pertencemos sempre a um grupo com os quais nos identificamos, que eu costumo chamar de família poética. É a partir daí que nos projetamos para as demais famílias com as quais não nos parecemos mas que nos enriquecem. Admiro tantos poetas que em nada se parecem comigo. A floresta tem uma infinidade de pássaros cada qual com seu canto e sua plumagem. E disso é sua beleza e seu encanto.

 Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

 Salgado Maranhão - O poeta é sempre um inveterado militante. Mas, não com a virulência da militância político partidária, circunstancial, que é puro fogo de labareda, posto que é estomacal e interesseira. A militância do poeta é brasa viva e permanente. Simplesmente porque sua causa é o desapego e o bem comum universal, manifestos através da estética . A palavra do poeta genuíno deve ser o arremate final de qualquer fala. A síntese do entendimento maior. Por isso, ele jamais vulgariza sua expressão.  Quem imagina Drummond ou João Cabral, por exemplo, sendo cambonos de políticos  (quase sempre) com interesses inconfessáveis? O poeta verdadeiro é um legítimo desobediente, só obedece à ética da poesia,  que se expressa pelo grau mais alto e irreverente que a língua é capaz de alcançar.  E, por isso mesmo, igual ao sol, que atravessa o tempo e as circunstâncias sem perder o brilho.

 Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?


Salgado Maranhão
 - Acho que já é bastante o que foi dito. Obrigadão, meu poeta, pelas instigantes perguntas.  Super abraço com este Amorágio II

Amorágio II

Fogo que desata os novelos da vontade. Ignora

o bem, desdenha da verdade. Ponte aérea do

                                                                             (Éden

à insanidade. Dança para um circo de anjos

embriagados onde, leão, é também o domador.

                                                                           (entrega

a própria pele ao caçador. 



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EntreVistas

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2 comentários:

  1. Que prazer aprender sempre com esse mágico poeta e amigo, Salgado Maranhão. Pura lucidez estética e humana. Bravo!

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  2. Salgado na dose precisa: tempero bom de poeta. Saboreei este estado sem fronteiras. Poesia ao ponto!
    Grata aos artistas em cada ponta desta entrevista.

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