Passados 15 anos dos lançamentos póstumos de Me roubaram uns dias contados, O Esquizoide, Carbono Pautado e da publicação no exterior de Todos os cachorros são azuis, editado em Londres (tradução de Stefan Tobler e Zoë Perry) e no México (2013, com tradução de Juan Pablo Villalobos), o Selo Demônio Negro relança a obra completa de Rodrigo de Souza Leão, iniciando com esta edição especial de Todos os Cachorros São Azuis, um livro sobre um homem que tem alucinações, acredita piamente nelas e as transforma em narrativas.
O autor narra o princípio de seus surtos psicóticos. Segundo ele, quando adolescente engoliu um grilo, que se tornou um chip em seu cérebro, um chip que ao mesmo tempo registra e difunde seus pensamentos. O narrador é um espião de si mesmo, sempre cometendo o crime de transparecer aquilo que lhe é mais íntimo; neste processo, os pais, os parentes e os médicos, ao tentar lhe administrar remédios, se tornam monstros, que querem arrancar do protagonista suas confissões mais escondidas.
Apaixonado pela poesia de Rimbaud, Rodrigo de Souza Leão viveu o sofrimento de lidar com sua esquizofrenia, o que o levou à morte precoce (morreu no Rio de Janeiro, em 02 de julho de 2009, com apenas 44 anos). Sobre o horror ao tratamento concedido aos loucos em hospício, disse numa entrevista:
“São lugares tão bonitos que lembram
cemitérios.”
“Tomara que exista eternidade. Nos meus livros. Na
minha música. Nas minhas telas. Tomara que exista outra vida. Esta foi pequena
pra mim”, escreveu Rodrigo em sua carta de despedida.
“Achei um livro brutal, e, apesar de contar uma experiência tão
dura com a loucura, a estadia em um hospital psiquiátrico, é cheio de humor”,
disse Barrientos.
Então, fui atrás do livro e do escritor, desconhecidos para mim. O
livro não é exatamente fácil de achar, mas algumas livrarias devem ter
esquecido o título em seus estoques. Basta bater um pouco de perna e você
encontra um exemplar novo.
Rodrigo de Souza
Leão morreu em 2009, pouco depois de lançar o livro. Era
jornalista e fundou a revista eletrônica “Zunái”. Publicou vários livros de
poesia, a maioria na plataforma digital. Pela Record, saíram os livros “Me
Roubaram uns Dias Contados”, “O Esquizoide” e “Carbono Pautado”. Em seu site,
estão publicados suas poesias e contos.
Nascido em 1965, escreveu para jornais, foi músico e artista
plástico. Foi diagnosticado com esquizofrenia paronoide, agravada por transtorno
obsessivo-compulsivo. Levou parte de sua experiência para sua obra,
principalmente para este “Todos os Cachorros São Azuis”. Ele morreu numa
clínica psiquiátrica, em circunstâncias que nunca foram esclarecidas.
Pode-se dizer que o livro de Rodrigo tem certo parentesco com “O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam” (Record), de
Evandro Affonso Ferreira. Tratam ambos da loucura, mas o livro de Rodrigo
escapa da sofisticação narrativa para explorar sua condição, em confronto com a
ficção.
O resultado é arrebatador. Começa com o personagem dizendo que
engoliu um chip, que está sendo vigiado – mais à frente, ele irá contar que
engoliu um gafanhoto, como aconteceu na realidade com o autor.
Recheado de citações, com trocadilhos bem humorados, o livro em
muitas partes parece uma coleção de aforismos. Esse ritmo ágil simula o
narrador esquizofrênico e seus amigos Rimbaud e Baudelaire, espécie de
entidades que o acompanham como seres imagéticos.
Trancado anos num hospício, quando sai, cria uma comunidade, a
Todog, com língua própria, como a nadsat de “Laranja Mecânica” (Anthony
Burgess, Aleph). O final choca pela criatividade e sua força narrativa.
Raro encontro do bom humor com
erudição e prosa fluente, este “Todos os Cachorros São Azuis” apenas provoca
lamento pelo talento interrompido. Uma vida que ele mesmo lamentava estar
perdida, não só a profissional, mas também a social e afetiva.
Sem restrições, Rodrigo expõe seu interior como uma confissão, por
certa dolorosa.
*****
“Aquele dia eu chorei por estar sozinho. Chorei por não ter um
emprego. Chorei por não ter uma mulher. Chorei por não ter filhos. Chorei por
não ter uma família. Chorei por ter 37 anos de idade e viver ainda como um
adolescente”.
“Um grito lancinante vindo do
âmago de um dos internos. Por que não internam as mulheres junto com os homens?
Será que ia virar uma confusão sexual geral? Acho que louco não tem tempo de
pensar em sexo. Alguns são vistos parados e se bolinando. Mas isso ocorre mais
nas ruas. Estou sem o meu cachorro azul aqui, estou despido do que sou. Na
prática não sou ninguém. Não adianta eu gritar socorro. Aqui todos estão sendo
levados a algum lugar pior. E o inferno não é o pior dos lugares.”
“Deus não: deuses.
Tenho rituais. Acendo um
cigarro atrás do outro e deixo que se fumem. Deixo que os deuses fumem cada um
o seu cigarro. Às vezes acendo todos ao mesmo tempo.
Meus deuses fumam comigo. Fica
uma bagunça, orgia de fumaça. E Rimbaud dança. Baudelaire foge. Sorrio.
Imagina se fossem baseados? Os deuses
todos doidões iriam sair feito capetas para a vida. Entrariam deuses e sairiam
demônios.”
Ricardo Ballarine
em capítulo dois
https://capitulodois.com/2015/01/26/a-confissao-dolorosa-de-rodrigo-de-souza-leao/
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