terça-feira, 28 de julho de 2020

Leonardo Almeida Filho - EntreVistas

Encontrei Leonardo Almeida Filho, aqui mesmo, no face no face book, entre tantos outros poetas amigos. Primeiro, alguns títulos de seus livros começaram a  chamar minha atenção, como, Babelical e  Tutano, por exemplo, lançados pela Patuá em 2018 e  2020, respectivamente.  Fui lá no site da Editora conferir e me encantei, e agora estamos aqui nesse bate papo que segue, nesse espaço  EntreVistas.

Leonardo Almeida Filho (Campina Grande, 1960), professor universitário, escritor, ensaísta, reside em Brasília desde 1962. Mestre em literatura brasileira pela Universidade de Brasília (2002), publicou, em 2008, Graciliano Ramos e o mundo interior: o desvão imenso do espírito (EdUnB), O livro de Loraine (romance, 1998), logomaquia: um manefasto (híbrido, 2008); Nebulosa fauna & outras histórias perversas (e-galaxia, contos), Babelical (poemas, Editora Patuá, 2018), Nessa boca que te beija (romance, Editora Patuá, 2019) e Grande Mar Oceano (romance, Editora Gato Bravo/Portugal, 2019).

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Leonardo Almeida Filho - Eu não saberia dizer o que é um “estado de poesia”, mas entendo o que a expressão propõe. Digo isso por que eu acredito que a poesia é muito mais fruto de trabalho árduo (a ourivesaria bilacqueana), de reflexão, de apuro, de técnica também, do que propriamente de um estado misterioso epifânico poético (ou seja lá o que isso signifique). Comigo as coisas funcionam de maneira até trivial. Tenho uma ideia, surge um tema, ouço um assunto qualquer na rua, no jornal, e aquilo move meu interesse. Consigo visualizar poesia naquele tema, ideia, conversa. Sobre esse big bang construo meu cosmo inteiro. Também não vou ser cabotino ao desprezar a inspiração, que, como as bruxas, há. Eu tento sempre enxergar as coisas de uma maneira que possa soar poeticamente.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Leonardo Almeida Filho - Difícil escolher um poema favorito. Tenho vários, de  vários estilos e escolas literárias, mas para responder fielmente a sua pergunta, me vou com o maravilhoso “Poema em linha reta”, do Alvaro (Fernando Pessoa) de Campos. Sublime, arrebatador, contundente.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira? 

Leonardo Almeida Filho  - Com a idade, a gente vai mudando os poetas na cabeceira. Na adolescência, Manuel Bandeira era minha companhia inseparável. Ao lado dele, Maiacovski me seguia por todos os lados. Depois vieram, Drummond e Mario, os Andrades que eu admiro demais e o jovem Leminski. Sou apaixonado pela poesia Beat e Allen Ginsberg foi meu confidente por anos e anos. Mais recentemente, Manoel de Barros e João Cabral. O mais constante em minha cabeceira foi o mineiro Carlos Drummond de Andrade. Quando eu crescer, quero ser igual a ele.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Leonardo Almeida Filho - Como disse anteriormente, acredito que a poesia surge do trabalho e, no meu caso, ele é diário. Me comprometo a produzir diariamente. Claro que muita coisa (talvez a grande maioria das coisas) que eu escrevo, que produzo (música, pintura), não é lá de grande valia, mas sempre aproveito um naco dessa predisposição criativa. A pedra de toque para a escrita, no meu caso, é a decisão, a vontade, a necessidade de escrever.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Leonardo Almeida Filho  - Não tenho essa pretensão. Toda obra de artista vivo é sempre inacabada. Tenho, é claro, a consciência de que o último poema, canção, quadro, é sempre o melhor de minha lavra, mas mesmo aí escorrego na avaliação, pois me lembro de coisas que fiz há muitos anos e que me são muito caras. Meu último livro, “Tutano” (Editora Patuá, 2020), reúne os meus melhores últimos poemas (como na música dos Titãs, a melhor banda da última semana). Gosto muito do resultado, gosto um pouco mais do que dos poemas do “Babelical”, mas deixo essa avaliação para o leitor de poesia, esse bicho raro, em extinção.

Artur Gomes - Além da poesia em verso  já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Leonardo Almeida Filho  - Quando jovem, empolgado com a poesia concreta, me atrevi a escrever no campo estético da verbi-voco-visualidade, como os Campos e Pignatari propagavam, mas logo percebi que não tinha o talento para esse jogo da linguagem inter-semiótica. Soava falso, absolutamente bobo, aliás, como muita poesia concreta que leio por aí. Escrevi prosa poética, gênero que muito me agrada. Gosto desse hibridismo. Tento fazer um pouco de poesia plástica, quando utilizo a palavra numa aquarela, mas não consideraria seriamente esse meu trabalho, coisa que um Almandrade e Wlademir Dias Pino fazem magistralmente.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Leonardo Almeida Filho - Todo poema é uma tentativa vã de eliminar a pedra no meio do caminho. Sendo bem chão, quase rasteiro, encasquetei de escrever uma Sextina. Durante muito tempo esta foi uma pedra enorme no meu caminho, verdadeiro pedregulho. Gosto muito de formas fixas na poesia (sim, sou uma anacronia de calças) e sempre que posso exercito trabalhá-las. Acho que é uma forma de treino para qualquer poeta, malhação para o cérebro.

A sextina é uma forma antiga da tradição poética, uma verdadeira camisa de força em termos de forma. Sua rigidez em métrica, rima, estrutura, é tal que o próprio Camões escreveu apenas meia dúzia delas. Não vou aqui explicar o que é uma Sextina, mas adianto que passei muito tempo tentando escrever uma delas, coisa que fiz e publiquei no meu “Babelical”. Um alívio quando a dei por terminada.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Leonardo Almeida Filho  - Como Augusto dos Anjos e Graciliano Ramos, eu sou um pessimista inveterado. Acredito que todos passaremos. O mundo, como conhecemos, não será mais o mesmo, mas a estrutura cruel que o mantém, essa, permanecerá. Os ricos, cada vez mais ricos, os pobres...

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Leonardo Almeida Filho - Minha tribo é a poesia contemporânea brasileira. Sou filho da geração mimeógrafo. Copiava meus poemas em máquinas Xerox e os vendia nos festivais de música pela cidade. Atualmente, não tenho tribo alguma. Sou livre para escrever sonetos, se me der na telha, e poemas livres que quebrem os telhados. Não me enquadro, ou não me vejo enquadrado, em qualquer tribo poética, mas tenho grande admiração por alguns poetas contemporâneos. Sua poesia me inspira e me desafia a escrever mais e melhor.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Leonardo Almeida Filho  - É ter a consciência de seu papel de resistência, de vanguarda no enfrentamento do processo de emburrecimento empreendido pela elite que usurpou o poder nesse país. Se a poesia é coisa de uma confraria, mais do que nunca é preciso que os confrades não abandonem a luta, pois sem poesia nos tornaremos todos um bando de zumbis sobre a terra.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Leonardo Almeida Filho - De onde vem a minha poesia: vem da realidade, das coisas concretas, da mancha do real no brim (como diz Bandeira), da vida presente (como quer Drummond), é daí que vem meus poemas. É a partir então das coisas que me cercam que posso pensar em voar fora da asa (como prega Manoel de Barros).


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EntreVistas

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Meera Mennegon - EntreVistas


Conheci Meera Mennegon aqui mesmo no face faz pouco tempo. Já trocamos algumas ideias sobre a sua produção de vídeos no projeto Entrelinhas. Recentemente vi um vídeo com uma interpretação bem bacana do Igor Calazans, falando a poesia Cubo de Gelo, de autoria dela.

Meera Mennegon 31 anos Atriz -  Nascimento 01.10.1988 -  Natural de Botucatu. Atuou no  Longa: 30 anos Blues  e em Teatro: Aurora da Minha Vida (Naum Alves de Souza), Velório à Brasileira (Aziz Bajur) e Estado de Sítio (Albert Camus)

Atualmente no projeto Entrelinhas- vídeos para internet - Cada vez com uma história

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Meera Mennegon - Com a sensação.
Muito do que escrevo é no primeiro momento, a observação de algo cotidiano. É um casal que passeia na rua, por exemplo. Dentro da minha cabeça vou criando uma pequena história de acordo com os seus gestos mais triviais. Como eles se olham? Os dois caminham lado a lado, ou um está a um passo a frente? Pequenos detalhes para mim são reveladores... mas é claro que são versões, ou impressões, de fatos que não tenho conhecimento profundo e, por isso, não são determinantes. São apenas possíveis realidades.

Se fosse resumir o caminho seria: observação, sensação e o registro dessa combinação.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Meera Mennegon - Poderia falar Fernando Pessoa ou Clarice Lispector, que também gosto muito, mas então me lembrei de uma banda que me encanta muito porque, mistura teatro, circo, poesia e dança. O vocalista é o Fernando Anitelli, que compõe as letras.
Acho bem oportuno destacar um trecho da música

PENA:

“O poeta pena quando cai o pano
E o pano cai
Acordes em oferta, cordel em promoção
A Prosa presa em papel de bala
Música rara em liquidação”

Fernando Anitelli

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Meera Mennegon - Gosto bastante de Fernando Pessoa.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Meera Mennegon - Como uma típica libriana (para quem acredita nisso), injustiça é algo que me deixa inquieta. Escrevo muito sobre histórias que me sensibilizam, e boa parte delas, em algum momento, vão de encontro a esse tipo de adversidade. Um exemplo é a atriz Maria Schneider que sofreu uma violência cruel, em seu primeiro trabalho no filme, O Último Tango.

Quando soube o que o ator Marlon Brando e o diretor Bernardo Bertolucci fizeram com a então menina de 19 anos, naquele set cheio de gente em que ninguém a ajudou, quando essa atriz gritou por socorro, me deixa extremamente horrorizada. Eu chorei por imaginar a solidão dessa menina totalmente desassistida e desacreditada. E tudo isso em nome da arte? Desde quando barbaridade justifica qualquer coisa?

Isso me inspira a escrever especialmente no caso dela que me deu vontade de oferecer o meu colo e dizer, “vai ficar tudo bem”, mesmo que seja em forma de arte e, mesmo que isso nunca chegasse a ela, mas acredito nessa voz da empatia.

Se alguém o fizesse, talvez essa história não terminasse como terminou...

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

 Meera Mennegon  - Um tremendo desafio escolher uma coisa só em meio a tanta coisa linda. Mas posso citar, Alma Imoral do rabino Nilton Bonder, Claraboia de José Saramago e Pintassilgo de Donna Tartt.

Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Meera Mennegon  - Tenho adaptado algumas coisas que escrevo para a linguagem do vídeo. É algo mais pessoal, uma conversa mais íntima com o outro. Eu chamo essa interação de Entrelinhas. São diálogos em que posso falar de algo, em que o protagonista é aquele que estiver assistindo - porque são eles que vão dar a forma de algo abstrato.

Sobre as minhas outras versões com as palavras, já escrevi uma peça, uma série, e estou com três ideias de longa metragem que ainda vou começar a escrever.

Claro que tudo isso de forma bem despretensiosa. Sou apenas alguém que escreve, mas não me considero escritora.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Meera Mennegon -   "Quando Tudo Passar" é um poema que escrevi para me dar força em um momento bem conflitante.

Acredito no poder da mente. Ela é capaz de te levar para um poço do qual se não sair a tempo pode ficar fundo demais, e só conseguir sair com ajuda de terceiros. Sou de família indiana e há uma premissa que temos a centelha divina dentro de nós e que ela precisa ser alimentada e cuidada para ser constantemente expandida.

Frases bem trabalhadas podem se revelar em forma de oração, mantra, diálogo interno ou até mesmo contemplação. Gosto dessa palavra: contemplação porque nos traz para o agora. A presença no presente é algo tão importante, não é mesmo?

“Vigia”, não é assim que dizem?


Poema, "Quando Tudo Passar" na íntegra:

Quando tudo passar
Quando as nuvens escuras no céu se formarem,
Perceberás que um sonho duro se findou

Quando tudo passar
Quando teus olhos brilharem novamente,
Verás que o pesadelo terminou

Quando tudo passar
Quando vires belezas nas campinas,
Quando as nuvens do céu te anunciarem,
Um novo dia repleto de esplendor,
Verás que Deus é bom, é todo amor

Então serei feliz por te ver tão feliz
E serei grato, bem grato ao meu destino,
Por ter-me concedido
A ventura de te ver assim

Sei que a alegria virá
Sei também, que um sentido darás a tua vida
Por ser forte, tão bela e tão sublime

Por favor, eu suplico
Tenha um pouquinho mais de calma
Só um pouquinho mais

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Meera Mennegon  - Todos aqueles com a capacidade de se reinventar, que estão dispostos a se abrir para o novo, expandir a consciência e olhar para dentro de si para assim enxergar onde há luz, porque sempre há. São pessoas no processo de “passarinho” e, passarinhos, se usarem a sua sabedoria, serão capazes de enfrentar gaviões.

“Passarão” aqueles que ainda não se conectaram. Está tudo dentro da gente, insights, ideias e intuições... mas, acredito que é uma questão de tempo para essa transição para o “passarinho”.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Meera Mennegon  - Eu não me considero poetisa ou poeta. Estudei teatro, tenho o drt que é esse registro profissional do ator.

A escrita é algo que faz tão parte de mim porque vej0 o poder nessa forma de expressão, que exerço desde criança. É um processo intuitivo, quase que um copilado dessas sensações observadas, de dentro pra fora (quando é comigo) e de fora para dentro (quando é do outro).

Se isso é poesia, eu não sei. O que eu sei é que tudo passa por mim e de forma intensa.

O meu amigo e poeta (de verdade), Igor Calazans, do qual você já entrevistou, diz que quando lê coisas minhas, se lembra da Sylvia Plath, aquela poeta que só ganhou o prêmio Pulitzer, sabe? Então, eu já não acho.

Mas concordo quando ele diz que há muita simbologia nas minhas linhas.

Escrevi uma vez da minha relação com o cigarro que me escravizou por 17 anos. E foi então que uma amiga minha disse ter se reconhecido ali. No caso dela, infelizmente, sofreu durante anos com a violência doméstica. Gosto da ideia de gerar identificação, independentemente da inspiração.


Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Meera Mennegon  - Qualquer pessoa que se mostre, especialmente se você for diferente, já é uma militância.

Somos constantemente condicionados pela mídia. Felizmente, acho que a democratização da informação, têm expandido um pouco os nossos horizontes.

Qualquer coisa que você assuma, como suas formas, cabelo, textura - se ela for fora do padrão pré estabelecido e, mesmo assim, você se apropriar de uma beleza própria, seja ela física ou intelectual, considero um ato de bravura-.

Percebo que estamos caminhand0 para esse lugar em que o diferente pode ser uma opção ao invés de retaliação.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Meera Mennegon - Não me ocorreu nenhuma pergunta para complementar a entrevista. Acho que você, Artur, soube explorar muito bem vários assuntos. Posso,  no momento,  expressar  o meu muito obrigada por essa nossa interação e por esse voto de confiança.
Namastê

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sábado, 25 de julho de 2020

Luh Oliveira - EntreVistas



Conheci Luh Oliveira em Bento Gonçalves-RS, cidade na serra gaúcha que de 1996 a 2016 sediou o Congresso Brasileiro de Poesia, evento cultural criado pelo poeta, jornalista e produtor cultura Ademir Antonio Bacca, que teve suas primeiras edições realizadas na cidade de Nova Prata-RS, entre1990 a 1992.  Luh por ser da terra do cacau,  nos levava sempre de brinde deliciosas Balas de Cacau, o que nos deixava de água na boca, desta a semana que antecedia a realização do evento.

Aproveito mais uma vez para lamentar a falta de sensibilidade da gestão municipal de Bento Gonçalves, que a partir de 2017 deixou de investir os recursos necessários para a realização do Congresso Brasileiro de Poesia, cuja importância para a cidade e principalmente para os Estudantes de todos os níveis era inegável, pois o forte da programação, era exatamente a Poesia Na Escola, onde todos os poetas, passavam pelas Escolas falando e conversando sobre poesia, com estudantes de todas as faixas etárias e níveis educacionais.

Luh Oliveira é baiana, mãe, poeta, professora de Língua Portuguesa, Mestra em Letras. Ocupa a cadeira de número 03 da Academia de Letras de Ilhéus. Sempre gostou de escrever versos para crianças, mas só em 2016 foi lançado seu primeiro livro infantil Poemas Embolados (Ed. Scortecci). Desde então tem trabalhado bastante nessa arte. Em 2017 lançou O sumiço da Terra, em 2018 foi a vez de Pedrinho Surfista e de Sorriso de Arrasar , em 2019 lançou Brincando com poesia). Também publicou três livros de poesia para adultos: Versos enluharados (2012), Iluhsão (2015) e Luhminosidades (2018), além de ter participação em diversas coletâneas no Brasil e em Portugal. Conheça mais o trabalho da autora nas redes sociais. @luhpoesia



 Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Luh Oliveira - O estado de poesia é permanente, mesmo que não se transforme em poema. Acredito que o poeta não consegue enxergar o mundo sem a ótica da poesia. O poeta é aquele que vê um pouco mais talvez.

Em relação ao fazer poético, não tenho um processo único. Geralmente parte de leituras e observações. Uma notícia, uma música, uma imagem. Gosto muito de ler destacando trechos que me chamam a atenção, tais trechos geralmente são uma metáfora. Muitas vezes um poema nasce dessas metáforas.
Eu leio muitos livros sobre poesia. Um deles, que é meu xodó é O arco e a lira, de Octavio Paz. Ele fala de poesia da maneira mais ampla que já vi. Vou mostrar um trecho da minha dissertação de mestrado no qual eu o cito.
 “A experiência poética não é outra coisa senão revelação da condição humana, isto é, do permanente transcender-se” (PAZ, 2012, p. 197). Ou seja, ler poesia é ler a si próprio, é conhecer-se pois “poesia leva o homem para fora de si e, simultaneamente, o faz regressar ao seu original: volta-o para si. O homem é a sua imagem: ele mesmo e aquele outro[...] A poesia é entrar no ser” (PAZ, 2012, p. 119).”

Artur Gomes  - Seu poema preferido?

Luh Oliveira - São muitos. Mas há aqueles que mexem comigo sempre que os leio. Amar, de Florbela Espanca, é um deles.  Tabacaria, de Fernando Pessoa, também.
Há um poema que eu amava quando era criança, lá pelos seis anos de idade. Lembro até da página do livro didático e da ilustração. Sei de cor até hoje. Não sabia quem era o autor, pesquisei na internet para saber. Segue:

Passarinho, passarinho
que vives no meu pomar,
vem amanhã bem cedinho,
vem amanhã me acordar!
Não te esqueças, passarinho,
de cantar com todo ardor,
pra despertar o amiguinho
que por ti tem muito amor.
Mas, escuta, passarinho,
se eu não quiser acordar,
bica, bica meu pezinho,
pra poder me levantar. (Oliveira Martins)

Artur Gomes  - Qual o seu poeta de cabeceira?

Luh Oliveira  - Fernando Pessoa
Florbela Espanca

Artur Gomes  - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Luh Oliveira - A leitura. Seja prosa ou poesia, sempre me inspiram a escrever.

Artur Gomes  - Livro que considera definitivo em sua obra?

Luh Oliveira  - Pedrinho Surfista. Foi o terceiro livro infantil que escrevi. Todos os livros infantis que publiquei já possuíam textos há muito tempo, foram poemas que escrevi quando minhas filhas ainda eram pequeninas (hoje estão com 19 e 22 anos)e que se tornaram livros. O Pedrinho Surfista eu projetei. Queria um livro infantil escrito em versos que tivesse um personagem ilheense e que mostrasse um esporte voltado para a natureza. Assim nasceu Pedrinho... Depois desse livro eu acredito que cresci mais enquanto escritora. Desde lá só penso em escrever para crianças. Já estou escrevendo para adolescentes também, mais um desafio que propus a mim.

Artur Gomes  - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia¿
Luh Oliveira Sim, videopoesia. Inclusive a videopoesia faz parte de um projeto que desenvolvo todo ano com meus alunos. Até na minha dissertação de mestrado havia videopoesia. Poesia está em tudo que faço.

Artur Gomes  - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Luh Oliveira - Muitos poemas foram escritos com uma pedra no caminho, com uma pedra na garganta... Vou deixar aqui dois deles.

Dor

Dor que lateja
em lascas de sangue
jorrando da face
que o espelho reflete
Navalha afiada
transfigura o rosto
que não reconheço
Antigo álbum
de fotografias
detalhes que nunca
existiram
um sinal, uma ruga
um olhar
que já se foi
Preso no reflexo
côncavo e convexo
não sou eu
Mas a dor é minha...

Desesperança

Atravesso a madrugada
mergulhada em cicatrizes
marcas deixadas
em minha pele
rasgos ocultos
em minh’alma
Fito a sombra
que perambula
no piso frio
de um ser que morre
Flashes da memória
clareiam o breu da noite
trazem de volta
dores escondidas
Véu jogado aos ventos
vulcão de imagens
amargas sensações
Lágrimas revolvem
no âmago deste espectro
de vida
O sol custa a nascer
infinitamente noite
Ao redor tudo silencia
dentro de mim
grito escapado
A luz do dia
adentra pela janela
Talvez ainda haja
vida por trás da dor...

Artur Gomes  - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho¿

Luh Oliveira  - A arte sempre passarinho.

Artur Gomes  - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Luh Oliveira - Venho de leituras e curiosidades. Minha extrema timidez enquanto adolescente me levou a um livro de poesia que estava na estante da biblioteca da escola ao lado da mesa sobre a qual eu pesquisava algo na enciclopédia Barsa. O livro chamava-se Poesia enquanto é tempo. Não lembro quem era o autor ou autora. Aquele livro foi o convite à escrita. Eu tinha 13 anos. Adolescente introspectiva, tímida, mal falava em público, meu mundo era ler, ler e ler. Depois desse livro eu passei a escrever versos no meu diário. Sempre mantive o hábito de escrever diários: anotações, colagem de revistas, poemas diversos, etc. Mas nunca havia escrito eu mesma um verso. A partir de então meus versos passaram a ser literalmente diários.

Depois do livro achado na biblioteca, eu descobri a estante de livros de poesia. Os clássicos. Embora muitas vezes precisasse de dicionário para compreender, eu achava aquilo tudo fascinante. Até encontrar Florbela Espanca e me encontrar em seus versos. Depois vieram Fernando Pessoa, Paulo Leminski, Cecilia Meireles, Hilda Hilst, entre tantos.
Hoje busco ler os poetas atuais, os da minha cidade e região, do meu estado, do meu país. Principalmente as poetas mulheres, que ainda necessitam de espaço. Posso citar algumas escritoras que são fascinantes, prosa ou poesia: Maria Valeria Resende, Lia Sena, Rita Santana, Clarissa Macedo, Elisa Lucinda, Chris Hermann, Claudia Gonçalves, Valeria Tarelho, Andrea Mota, Marisa Vieira, Martha Galrão, Iolanda Costa,...

Artur Gomes  - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Luh Oliveira  - É estar engajado no mundo. Muitas vezes entende-se que poesia é puro lirismo, mas não só. Poesia é realidade nua e crua, é denúncia, é política, é economia, é meio ambiente, é desabafo, é grito, é luta.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Luh Oliveira  Como está o fazer poético em tempos de pandemia?

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Igor Calazans - EntreVistas


Conheci Igor Calazans  no face, onde temos uma infinidade de amigos comuns. Incrível como há tantos anos presente nas noites  carioca de poesia,  ainda não tivéssemos nos encontrado pessoalmente, uma prova que de que esse mundo é pequeno, e ao mesmo tempo vasto. No face estou sempre atento ao que ele publica. Dia desses vendo um vídeo com ele interpretando “Cubo de Gelo”,  poesia de Meera Mennegon, pensei: está na hora de entrevistá-lo. E aí segue o nosso bate papo.

Igor Calazans Abreu nasceu a 22 de abril de 1986, em Niterói, Rio de Janeiro. Jornalista, escritor e poeta, publicou até o momento três livros de poesia: “Devaneios: O Recanto do Poeta”, de 2015; “Palavras de Estimação”, de 2017, e, mais recentemente, “Como a Água que Bebo”, em 2019. Além disso, alguns de seus poemas estão destacados em importantes antologias nacionais e foram traduzidos em diversos idiomas. Ainda em 2020, algumas de suas obras passarão a ser estudadas em escolas públicas de Santa Catarina, através do projeto “Poesia na Escola”. Atualmente é Editor do site “RecantodoPoeta.com” e idealizador do movimento cultural “Vespeiro Poético”, no Rio de Janeiro.

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia? 

Igor Calazans - Assim como dizia João Cabral de Melo Neto, a produção de poesia precisa de duas premissas: memória e imaginação. É assim que também vejo. Dificilmente eu escrevo sobre a hora exata do acontecimento ou uma contemplação de momento. Eu gosto de maturar, alimentar, saborear e encontrar as melhores palavras, em um processo natural de silêncio e isolamento, muitas vezes iniciados em profundos solilóquios, antes mesmo da escrita.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Igor Calazans - Quando li “Desencanto”, de Manuel Bandeira, eu realmente encontrei a razão daquilo que escrevia. Quando ele diz no trecho final que “faz versos como quem morre”, eu ganhei muita coragem para publicar. Mas mencionar um só poema é injusto. Tem um do meu avô, Nemecio Calazans, chamado “O quadrado da Janela”, que é impactante. Por causa dele as minhas primeiras referências literárias foram parnasianas e simbolistas, como Olavo Bilac, Raul de Leoni, Cruz e Sousa, Gilka Machado... Ah, “Os Homens Ocos”, de T.S Eliot, também... É magnífico! São muitos e se apresentam das mais diversas maneiras e em diferentes momentos da vida. Em relação aos meus, eu considero dois emblemáticos: os poemas “Depois” e “Réplica das Reticências”, que estão no meu terceiro livro, “Como a Água que Bebo.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Igor Calazans  - Fernando Pessoa e Augusto dos Anjos são poetas que sempre estão do meu lado. Mas, atualmente, estou lendo Paul Éluard pelas madrugadas. 

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Igor Calazans - A palavra. Sempre a palavra. Tenho atração pelas palavras. Gosto de criar possibilidades para elas me encontrarem. Meus poemas quase sempre nascem por alguma palavra que fica martelando na minha cabeça.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Igor Calazans - O meu segundo livro, “Palavras de Estimação”, é uma obra que possui esse caráter. Até pela boa repercussão do meu livro de estreia, o “Devaneios: O Recanto do Poeta”, nessa obra eu senti que passei a ser visto realmente como um escritor de verdade, um poeta, e não mais um “aventureiro”.

Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia¿

Igor Calazans - Sim, principalmente nesse período de pandemia, eu tenho feito muitas experiências. Das interpretações e declamações em vídeos às formas de escrever. Tenho explorado as possibilidades da prosa e de contos menores. Para as redes sociais, por exemplo, também estou apresentando aforismos, reflexões e muitas brincadeiras com as palavras, usando-as em jogos de aliterações, imagens e frases soltas.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Igor Calazans - Recentemente eu tive um episódio chato e que não pude fazer muita coisa. Uma pessoa usou um trecho de um poema meu, publicado e registrado, e assinou como se fosse dele. Tentei explicar a situação e fui tratado com desdém e deboche. A minha maneira de vencer a ira foi escrever um poema. Escrevi “Poema de Posse”. Acho que servirá para tantos outros poetas que sofrem a mesma coisa.

“Poema de Posse” (Igor Calazans)
Então queres os meus versos?
Pois bem, eu lhe dou,
mas sob uma condição:
prometer levar sempre
contigo tudo aquilo que entrego
na mais ávida palavra que sinto
no momento da inspiração.
Sim, de tudo:
da minha alma aberta de medo
ao sangue pisado do tempo;
Dos prantos de secreta ebulição
à carne rompida de chagas;
do âmago da vil devoção,
às tristezas repletas de nada;
da melancolia eterna de ser
e a certeza da incompreensão,
às vísceras de tanto sofrer
as perdas de cada perdão.
Não esqueça também
das vezes que tentei me matar
e as tantas que achei que morreria;
Do prélio final da memória
às luzes de sombras esquecidas,
sorvida no corpo sem gosto
correndo nas veias dos outros
as seivas perdidas na vida.
E verás, como se assim pudesse,
a reação vingada por seus versos
pungindo no coração de alguém
que um dia, assim como fizestes,
dirá, com certo desdém,
que as suas palavras qualquer um escreveria.
Aí sim, só assim, quando levares de fato
tudo aquilo que tenho,
saberemos o peso dos rastros,
suando febril o veneno
na sua verdade de plástico.
Poderás bradar triunfante
o teu direito de posse
dizendo-se o “Poeta dos versos”
a um eco de aplausos tão fortes
que sentirás o prazer genial
de ter uma obra autoral
com seu nome por cima do meu.
(Mesmo que só você saiba
o quanto não sabe de nada
sobre cada palavra assinada
que nunca lhe pertenceu…)
Ah, Dono fiel dos meus versos,
Faça-me esse favor…
Deixe-me vazio e mais Leve.
Vai, Leve, Leve-me,
Tira-me desse jazigo
que carrego nos ombros da verve!

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Igor Calazans - Só a poesia mesmo nos permite acreditar que “eles” passarão. Digo sobre essa política nefasta, vil, desumana. Passarinhos serão aqueles que conseguirem confrontar esses “graúdos” e saírem mais fortes. Historicamente a poesia é uma ferramenta fundamental para isso e eu vejo com bons olhos essa inevitável aproximação da arte com as pessoas confinadas nesse período conturbado. Se a percepção de mundo, observada por uma sociedade mais coletiva e humana, não mudar agora, honestamente, não sei mais se mudará.  

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Igor Calazans - Eu sou nascido em Niterói, município do Rio de Janeiro. Foi com o meu avô Calazans, grande poeta e acadêmico, que comecei a absorver poesia na vida. Depois de seu falecimento, ainda na adolescência, passei a frequentar e propor encontros e atividades literárias. Mas, a minha primeira “tribo” realmente aconteceu no sarau literário “Corujão da Poesia”, do meu querido amigo João do Corujão. Ali fui muito bem acolhido e pude ver que tinha muita gente fazendo o que eu fazia. Foram nesses encontros que passei também a declamar, coisa que morria de vergonha.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Igor Calazans - É se posicionar. É ter coragem de publicar, de botar a cara à tapa e se dizer Poeta. É deixar as maiores vaidades de lado e ajudar, divulgar, publicar e incentivar outros escritores, sabendo que só o coletivo prevalece em movimentos. É se aproximar com a base e cobrar mais poesia dentro das escolas, como uma ferramenta educacional indiscutível. É promover encontros literários, atividades culturais e ações sociais, onde todas as tribos possam se reconhecer. É sair das “bolhas de conforto”, dos aplausos e elogios condicionados. Isso não nutre mais nada. Vejo que a poesia ainda não consegue alçar voos maiores no Brasil porque nós poetas nos contentamos com muito pouco. Nós mesmos não nos valorizados o suficiente. Os poetas precisam acreditar mais no poder transformador de suas criações para, quem sabe, um dia vivermos nossas vidas totalmente dedicadas à literatura.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Igor Calazans  - Meu querido, Poeta. Também como jornalista eu posso cravar que entrevista mais completa do que essa é muito difícil de acontecer! Gostaria muito de agradecer o espaço. Vejo os grandes poetas que você já entrevistou aqui e sinto-me honrado por fazer parte desse grupo. Os caminhos da poesia me apresentam pessoas incríveis e generosas. Você é um desses presentes. Obrigado!


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