Conheci Meera Mennegon aqui mesmo no face faz pouco tempo. Já trocamos algumas ideias sobre a sua produção de vídeos no projeto Entrelinhas. Recentemente vi um vídeo com uma interpretação bem bacana do Igor Calazans, falando a poesia Cubo de Gelo, de autoria dela.
Meera Mennegon 31 anos Atriz - Nascimento 01.10.1988 - Natural de Botucatu. Atuou no Longa: 30 anos Blues e em Teatro: Aurora da Minha Vida (Naum Alves de Souza), Velório à Brasileira (Aziz Bajur) e Estado de Sítio (Albert Camus)
Atualmente no projeto Entrelinhas- vídeos para internet - Cada vez com uma história
Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Meera Mennegon - Com a sensação.
Muito do que escrevo é no primeiro momento, a observação de algo cotidiano. É um casal que passeia na rua, por exemplo. Dentro da minha cabeça vou criando uma pequena história de acordo com os seus gestos mais triviais. Como eles se olham? Os dois caminham lado a lado, ou um está a um passo a frente? Pequenos detalhes para mim são reveladores... mas é claro que são versões, ou impressões, de fatos que não tenho conhecimento profundo e, por isso, não são determinantes. São apenas possíveis realidades.
Se fosse resumir o caminho seria: observação, sensação e o registro dessa combinação.
Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Meera Mennegon - Poderia falar Fernando Pessoa ou Clarice Lispector, que também gosto muito, mas então me lembrei de uma banda que me encanta muito porque, mistura teatro, circo, poesia e dança. O vocalista é o Fernando Anitelli, que compõe as letras.
Acho bem oportuno destacar um trecho da música
PENA:
“O poeta pena quando cai o pano
E o pano cai
Acordes em oferta, cordel em promoção
A Prosa presa em papel de bala
Música rara em liquidação”
Fernando Anitelli
Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Meera Mennegon - Gosto bastante de Fernando Pessoa.
Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Meera Mennegon - Como uma típica libriana (para quem acredita nisso), injustiça é algo que me deixa inquieta. Escrevo muito sobre histórias que me sensibilizam, e boa parte delas, em algum momento, vão de encontro a esse tipo de adversidade. Um exemplo é a atriz Maria Schneider que sofreu uma violência cruel, em seu primeiro trabalho no filme, O Último Tango.
Quando soube o que o ator Marlon Brando e o diretor Bernardo Bertolucci fizeram com a então menina de 19 anos, naquele set cheio de gente em que ninguém a ajudou, quando essa atriz gritou por socorro, me deixa extremamente horrorizada. Eu chorei por imaginar a solidão dessa menina totalmente desassistida e desacreditada. E tudo isso em nome da arte? Desde quando barbaridade justifica qualquer coisa?
Isso me inspira a escrever especialmente no caso dela que me deu vontade de oferecer o meu colo e dizer, “vai ficar tudo bem”, mesmo que seja em forma de arte e, mesmo que isso nunca chegasse a ela, mas acredito nessa voz da empatia.
Se alguém o fizesse, talvez essa história não terminasse como terminou...
Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Meera Mennegon - Um tremendo desafio escolher uma coisa só em meio a tanta coisa linda. Mas posso citar, Alma Imoral do rabino Nilton Bonder, Claraboia de José Saramago e Pintassilgo de Donna Tartt.
Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Meera Mennegon - Tenho adaptado algumas coisas que escrevo para a linguagem do vídeo. É algo mais pessoal, uma conversa mais íntima com o outro. Eu chamo essa interação de Entrelinhas. São diálogos em que posso falar de algo, em que o protagonista é aquele que estiver assistindo - porque são eles que vão dar a forma de algo abstrato.
Sobre as minhas outras versões com as palavras, já escrevi uma peça, uma série, e estou com três ideias de longa metragem que ainda vou começar a escrever.
Claro que tudo isso de forma bem despretensiosa. Sou apenas alguém que escreve, mas não me considero escritora.
Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?
Meera Mennegon - "Quando Tudo Passar" é um poema que escrevi para me dar força em um momento bem conflitante.
Acredito no poder da mente. Ela é capaz de te levar para um poço do qual se não sair a tempo pode ficar fundo demais, e só conseguir sair com ajuda de terceiros. Sou de família indiana e há uma premissa que temos a centelha divina dentro de nós e que ela precisa ser alimentada e cuidada para ser constantemente expandida.
Frases bem trabalhadas podem se revelar em forma de oração, mantra, diálogo interno ou até mesmo contemplação. Gosto dessa palavra: contemplação porque nos traz para o agora. A presença no presente é algo tão importante, não é mesmo?
“Vigia”, não é assim que dizem?
Poema, "Quando Tudo Passar" na íntegra:
Quando tudo passar
Quando as nuvens escuras no céu se formarem,
Perceberás que um sonho duro se findou
Quando tudo passar
Quando teus olhos brilharem novamente,
Verás que o pesadelo terminou
Quando tudo passar
Quando vires belezas nas campinas,
Quando as nuvens do céu te anunciarem,
Um novo dia repleto de esplendor,
Verás que Deus é bom, é todo amor
Então serei feliz por te ver tão feliz
E serei grato, bem grato ao meu destino,
Por ter-me concedido
A ventura de te ver assim
Sei que a alegria virá
Sei também, que um sentido darás a tua vida
Por ser forte, tão bela e tão sublime
Por favor, eu suplico
Tenha um pouquinho mais de calma
Só um pouquinho mais
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Meera Mennegon - Todos aqueles com a capacidade de se reinventar, que estão dispostos a se abrir para o novo, expandir a consciência e olhar para dentro de si para assim enxergar onde há luz, porque sempre há. São pessoas no processo de “passarinho” e, passarinhos, se usarem a sua sabedoria, serão capazes de enfrentar gaviões.
“Passarão” aqueles que ainda não se conectaram. Está tudo dentro da gente, insights, ideias e intuições... mas, acredito que é uma questão de tempo para essa transição para o “passarinho”.
Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Meera Mennegon - Eu não me considero poetisa ou poeta. Estudei teatro, tenho o drt que é esse registro profissional do ator.
A escrita é algo que faz tão parte de mim porque vej0 o poder nessa forma de expressão, que exerço desde criança. É um processo intuitivo, quase que um copilado dessas sensações observadas, de dentro pra fora (quando é comigo) e de fora para dentro (quando é do outro).
Se isso é poesia, eu não sei. O que eu sei é que tudo passa por mim e de forma intensa.
O meu amigo e poeta (de verdade), Igor Calazans, do qual você já entrevistou, diz que quando lê coisas minhas, se lembra da Sylvia Plath, aquela poeta que só ganhou o prêmio Pulitzer, sabe? Então, eu já não acho.
Mas concordo quando ele diz que há muita simbologia nas minhas linhas.
Escrevi uma vez da minha relação com o cigarro que me escravizou por 17 anos. E foi então que uma amiga minha disse ter se reconhecido ali. No caso dela, infelizmente, sofreu durante anos com a violência doméstica. Gosto da ideia de gerar identificação, independentemente da inspiração.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Meera Mennegon - Qualquer pessoa que se mostre, especialmente se você for diferente, já é uma militância.
Somos constantemente condicionados pela mídia. Felizmente, acho que a democratização da informação, têm expandido um pouco os nossos horizontes.
Qualquer coisa que você assuma, como suas formas, cabelo, textura - se ela for fora do padrão pré estabelecido e, mesmo assim, você se apropriar de uma beleza própria, seja ela física ou intelectual, considero um ato de bravura-.
Percebo que estamos caminhand0 para esse lugar em que o diferente pode ser uma opção ao invés de retaliação.
Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Meera Mennegon - Não me ocorreu nenhuma pergunta para complementar a entrevista. Acho que você, Artur, soube explorar muito bem vários assuntos. Posso, no momento, expressar o meu muito obrigada por essa nossa interação e por esse voto de confiança.
Namastê
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