domingo, 11 de outubro de 2020

Demetrios Galvão - EntreVistas

 


 Através de uma postagem do meu querido, poeta e amigo, Rubervam Du Nascimento, divulgando a publicação de seus poemas na Revista Acrobata, li pela primeira vez o nome Demetrios Galvão. Depois de navegar pela Acrobata e ler  a diversidade do universo poético artístico/cultural ali contido, não perdi tempo, adicionei o Demetrios no face. A partir de então começamos a dialogar e trocar ideias sobre o nossa produção poética e o nosso empenho pela difusão da poesia. Essa EntreVista a seguir é um fragmento em 3x4, da nossa comunhão diária, de como sentir pensar viver  escrever poesia.  

 A pergunta que não fiz e ale: - você conseguiria viver sem poesia?

 Eu não conseguiria.



Demetrios Galvão
, nasceu e vive na cidade de Teresina/PI. É poeta, professor e historiador. Autor dos livros de poemas Fractais Semióticos (2005), Insólito (2011), Bifurcações (2014), O Avesso da Lâmpada (2017), Reabitar (2019) e do objeto poético Capsular (2015).

 

Em 2005 lançou o CD de poemas Um Pandemônio Léxico no Arquipélago Parabólico. Participou do coletivo poético Academia Onírica e foi um dos editores do blog Poesia Tarja Preta (2010-2012) e da AO-Revista (2011-2012).

 

 Entre os anos de 2017 e 2018 editou o blog Janelas em Rotação (dentro do portal da Cidade Verde). Tem poemas publicados em diversas antologias e em revistas literárias. Atualmente é coeditor da revista Acrobata, em atividade desde 2013 - https://revistaacrobata.com.br/




Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

 Demetrios Galvão - É um estado latente, uma espécie de corrente energética que vibra/oscila constantemente, por períodos o fluxo é maior, em outros momentos vivo a calmaria de ideias. Mas basta um risco no céu, um assovio, um espinho no dedo para o desassossego poético começar. Houve um tempo que meus dispositivos criativos estavam associados à circulação na rua, ao caos urbano e aos exercícios de estranhamento. Mas, ainda antes da pandemia e do isolamento social, minha percepção já estava voltada para as coisas simples e calmas da vida, um mergulho introspectivo nos processos cotidianos e seus pequenos infinitos. Percebo que houve uma mudança na frequência dos sinais que passei a captar, meu último livro “Reabitar” é resultado disso. Mas, tenho um poema que responde bem sua pergunta:

 

                                                      caos calmo

 

além de memórias

o poeta coleciona sucatas e ruínas

para o trabalho nas madrugadas

 

o esforço manual e paciente de

descascar palavras

no precipício de criaturas cintilantes

 

lá onde os bichos são cegos

e a linguagem é um ruído

uma faísca no escuro das águas.


Artur Gomes - 
Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

 Demetrios Galvão - Eu tenho uma dificuldade enorme em de ter que escolher “um preferido”, meu ou de outra pessoa. Mas, vou apontar dois que acho fantásticos e que reverberam em meu corpo, desde o dia e que os li, são eles: o “Ulvo” do Allen Ginsberg e o longo poema “Altazor” do poeta surrealista chileno Vicente Huidobro. Esses poemas correm em meu corpo/mente como correntes elétricas, por vezes, fazem faíscas e desorganizam meus órgãos/ideais. Essa desorganização provoca gozo e um sentimento de estar-vivo que me acende.

 


Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira? 

 Demetrios Galvão - A minha cabeceira é uma encruzilhada, um ponto de curto-circuito, lugar de trânsito intenso, de gente viva e morta. Muitas línguas são faladas ao pé do ouvido e pego as frases pela metade, os sons chegam enviesados, retalhos de fotografias, fragmentos cinematográficos... “meu poeta” de cabeceira é um Frankenstein, um ser sem forma objetiva, uma entidade poética que agrega várias sensibilidades/estéticas.   

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

 Demetrios Galvão - Não tenho nada em específico, não sou “um poeta” que senta e diz “agora vou escrever um poema”... não me coloco nessa condição. Minha relação com a palavra/poesia é um relacionamento livre, nos encontramos quando estamos a fim. Às vezes fico dias namorando com algumas palavras até formular um desenho que me toca, depois vou juntando as coisas com muito carinho e as imagens/versos vão se revelando, sigo nesse namoro sem muita pressa, ruminando a engenharia do texto, até que tudo dá certo no final. Mas, gosto de escrever ouvindo música, depois que a casa dorme e posso ouvir os silêncios dos cômodos, ver seus detalhes imperceptíveis à luz do dia... esse é um estado de poesia que me ajuda a escrever.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

 Demetrios  Galvão - Pra ser sincero, não penso que tenho “uma obra”, há algum tempo estou empenhado em um percurso de vida-linguagem que aos poucos está ganhando um contorno que me agrada. Penso que a relação entre os livros publicados, a reverberação desses artefatos poéticos e a minha vida, tudo junto, está construindo um caminho aberto ao porvir, mas nada definido ou definitivo. Nesse momento estou curtindo o último livro, Reabitar (Moinhos, 2019), e vendo ele ganhando vida e desenvolvendo sua própria história. 

 Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

 Demetrios Galvão - Além das provocações que resultam em poemas e dos livros publicados, já fiz um CD de poesia experimental em 2005 intitulado de “um pandemônio léxico no arquipélago parabólico”. Foi uma parada ruidosa, estranha, uma tentativa de colocar a poesia em outro lugar. Na época eu queria fraturar esse elemento lírico da poesia. Além dessa experiência, também gosto bastante de organizar/participar de sarau e de falar poemas em público, embora não seja tão performático.

 Outra atividade que que me dá bastante prazer e tem me proporcionado grandes aprendizados, está relacionado ao trabalho com a revista Acrobata que edito, juntamente com o amigo Aristides Oliveira, desde 2013.  A revista que surgiu primeiramente na versão impressa e lançamos 9 edições, hoje estamos atuando no formato eletrônico, como publicações diárias. O exercício diário com a revista me faz experimentar a poesia em outras direções, principalmente na construção da teia humana e na propagação dos textos, fazendo-os chegar a um número imenso de leitores.

 Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Demetrios Galvão - No meu caso, eu troco a pedra pelo espinho e respondo com um poema:

 

volumes agudos # 2

 

trago

nas mãos

uma coleção

de acidentes

 

– o silêncio

aduba as formas –

 

brota

em mim

um novelo

de espinhos

 

– plantio

nem sempre

afável –

 

Como gosto de cactos, minha metáfora é o espinho. Muitas vezes, é nesse jogo espinhoso, doloroso que minha poesia se desenvolve. A linguagem é uma matéria que costuma cortar/perfurar e por isso, é preciso desenvolver uma habilidade para lidar com essa força. O trabalho com a poesia é também angustiante, tanto pelas situações que vivemos, como pela manipulação da linguagem. Como diria o poeta Paulo Machado "Fazer poesia é fácil / como amordaçar um lobo".

 Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

 Demetrios Galvão - Não sei quem ou o que passará, tenho muita desconfiança sobre uma série de coisas que estão batendo/chutando à nossa porta, passando em nossas telas ao toque dos dedos. As incertezas são monumentos estranhos ocupando os espaços da casa e da cidade.  Tento manter a mente saudável não perder a esperança e nisso, a poesia tem sido fundamental. Mas, sinceramente, espero que as pessoas de bom coração possam passarinhar, bem vivas e lindas, para fazer a diferença no mundo. No mais, tudo é especulação.

 Artur Gomes – Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

 Demetrios Galvão - Sou da comuna dos poetas que encaram o mundo com os olhos livres, que não separam vida e linguagem.  Minha formação vem da potência do rock, do surrealismo/beatnik e do anarquismo... aprendi que o barato das coisas se realiza no avesso do que está dado como normativo (careta/estático) e na parceria de bons amigos, não ando mau acompanhado. Sou de fato, um poeta que gosta do bando.

 Já participei de coletivo de poetas, já estive inserido em movimentos sociais, já cantei em uma banda de punk/hardcore, todas as minhas experiências foram de pensar o coletivo... sou um poeta que, definitivamente, não anda só.

 Artur Gomes – Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

 Demetrios Galvão - Enquanto vivermos em uma sociedade desigual, injusta, preconceituosa, conservadora, etc etc... “sempre serão tempos difíceis para os sonhadores”. A militância com a poesia é a coragem de seguir acreditando na “palavra mágica”, essa força vital que nos faz levantar a encarar o mundo com um olhar/atitude diferente, com esperança e indignação, com amor e angústia, prazer e revolta, vivendo todas as contradições do estar vivo e levando isso para o papel ou vocalizando, na forma de versos. O poeta de hoje luta tanto quanto o de ontem, o que me faz concluir que “ser poeta” é estar constantemente no fronte de alguma luta. Primeiramente, na defesa da própria poesia, da cultura, do fomento e acesso à leitura. O poeta está engajado nas questões do sensível e seus desdobramentos.

 No mais, o Brasil passa dos 150 mil mortos pela covid–19, o Pantanal e a Amazônia sofrem com queimadas criminosas e temos um despresidente fascista, desmontando o país. Essa é a realidade que nos assombra no agora, um cenário incômodo e que provoca muitos de nós a escrever, com diferentes abordagens poéticas sobre o que está acontecendo. Os poetas estão aí, para amplificar nos seus versos, as indignações dessa época. Não tenho dúvidas que teremos uma produção ampla e potente sobre a memória desse tempo.  E isso, ficará como registro, vestígio, arquivo, como algo que não será silenciado.

 Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

 Demetrios Galvão - Você conseguiria viver sem a poesia?

 

 Fulinaíma MultiProjetos

www.goytacity.blogspot.com

(22)99815-1268 – whatsapp

portalfulinaima@gmail.com

EntreVistas

www.arturgumes.blogspot.com


quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Rodrigo Souza Leão - Todos os Cachorros São Azuis

 



Todos os Cachorros São Azuis

Passados 15 anos dos lançamentos póstumos de Me roubaram uns dias contados, O Esquizoide, Carbono Pautado e da publicação no exterior de Todos os cachorros são azuis, editado em Londres (tradução de Stefan Tobler e Zoë Perry) e no México (2013, com tradução de Juan Pablo Villalobos), o Selo Demônio Negro relança a obra completa de Rodrigo de Souza Leão, iniciando com esta edição especial de Todos os Cachorros São Azuis, um livro sobre um homem que tem alucinações, acredita piamente nelas e as transforma em narrativas. 

O autor narra o princípio de seus surtos psicóticos. Segundo ele, quando adolescente engoliu um grilo, que se tornou um chip em seu cérebro, um chip que ao mesmo tempo registra e difunde seus pensamentos. O narrador é um espião de si mesmo, sempre cometendo o crime de transparecer aquilo que lhe é mais íntimo; neste processo, os pais, os parentes e os médicos, ao tentar lhe administrar remédios, se tornam monstros, que querem arrancar do protagonista suas confissões mais escondidas. 

Apaixonado pela poesia de Rimbaud, Rodrigo de Souza Leão viveu o sofrimento de lidar com sua esquizofrenia, o que o levou à morte precoce (morreu no Rio de Janeiro, em 02 de julho de 2009, com apenas 44 anos). Sobre o horror ao tratamento concedido aos loucos em hospício, disse numa entrevista:

“São lugares tão bonitos que lembram cemitérios.”

“Tomara que exista eternidade. Nos meus livros. Na minha música. Nas minhas telas. Tomara que exista outra vida. Esta foi pequena pra mim”, escreveu Rodrigo em sua carta de despedida.

 Na entrevista que fiz com o escritor boliviano Maximiliano Barrientos, para falar de seu belo “Hotéis” (Rocco), perguntei a ele sobre suas leituras de autores brasileiros. Na resposta, entre Bernardo Carvalho, Michel Laub e Hilda Hilst, ele citou com entusiasmo “Todo os Cachorros São Azuis” (7 Letras), de Rodrigo de Souza Leão.

“Achei um livro brutal, e, apesar de contar uma experiência tão dura com a loucura, a estadia em um hospital psiquiátrico, é cheio de humor”, disse Barrientos.

Então, fui atrás do livro e do escritor, desconhecidos para mim. O livro não é exatamente fácil de achar, mas algumas livrarias devem ter esquecido o título em seus estoques. Basta bater um pouco de perna e você encontra um exemplar novo.

Rodrigo de Souza Leão morreu em 2009, pouco depois de lançar o livro. Era jornalista e fundou a revista eletrônica “Zunái”. Publicou vários livros de poesia, a maioria na plataforma digital. Pela Record, saíram os livros “Me Roubaram uns Dias Contados”, “O Esquizoide” e “Carbono Pautado”. Em seu site, estão publicados suas poesias e contos. 

Nascido em 1965, escreveu para jornais, foi músico e artista plástico. Foi diagnosticado com esquizofrenia paronoide, agravada por transtorno obsessivo-compulsivo. Levou parte de sua experiência para sua obra, principalmente para este “Todos os Cachorros São Azuis”. Ele morreu numa clínica psiquiátrica, em circunstâncias que nunca foram esclarecidas.

Pode-se dizer que o livro de Rodrigo tem certo parentesco com “O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam” (Record), de Evandro Affonso Ferreira. Tratam ambos da loucura, mas o livro de Rodrigo escapa da sofisticação narrativa para explorar sua condição, em confronto com a ficção.

O resultado é arrebatador. Começa com o personagem dizendo que engoliu um chip, que está sendo vigiado – mais à frente, ele irá contar que engoliu um gafanhoto, como aconteceu na realidade com o autor.

Recheado de citações, com trocadilhos bem humorados, o livro em muitas partes parece uma coleção de aforismos. Esse ritmo ágil simula o narrador esquizofrênico e seus amigos Rimbaud e Baudelaire, espécie de entidades que o acompanham como seres imagéticos.

Trancado anos num hospício, quando sai, cria uma comunidade, a Todog, com língua própria, como a nadsat de “Laranja Mecânica” (Anthony Burgess, Aleph). O final choca pela criatividade e sua força narrativa.

Raro encontro do bom humor com erudição e prosa fluente, este “Todos os Cachorros São Azuis” apenas provoca lamento pelo talento interrompido. Uma vida que ele mesmo lamentava estar perdida, não só a profissional, mas também a social e afetiva.

Sem restrições, Rodrigo expõe seu interior como uma confissão, por certa dolorosa.

*****

“Aquele dia eu chorei por estar sozinho. Chorei por não ter um emprego. Chorei por não ter uma mulher. Chorei por não ter filhos. Chorei por não ter uma família. Chorei por ter 37 anos de idade e viver ainda como um adolescente”.

“Um grito lancinante vindo do âmago de um dos internos. Por que não internam as mulheres junto com os homens? Será que ia virar uma confusão sexual geral? Acho que louco não tem tempo de pensar em sexo. Alguns são vistos parados e se bolinando. Mas isso ocorre mais nas ruas. Estou sem o meu cachorro azul aqui, estou despido do que sou. Na prática não sou ninguém. Não adianta eu gritar socorro. Aqui todos estão sendo levados a algum lugar pior. E o inferno não é o pior dos lugares.”

“Deus não: deuses.

Tenho rituais. Acendo um cigarro atrás do outro e deixo que se fumem. Deixo que os deuses fumem cada um o seu cigarro. Às vezes acendo todos ao mesmo tempo.

Meus deuses fumam comigo. Fica uma bagunça, orgia de fumaça. E Rimbaud dança. Baudelaire foge. Sorrio.

Imagina se fossem baseados? Os deuses todos doidões iriam sair feito capetas para a vida. Entrariam deuses e sairiam demônios.”

 

 

Ricardo Ballarine

em capítulo dois

https://capitulodois.com/2015/01/26/a-confissao-dolorosa-de-rodrigo-de-souza-leao/

 

Fulinaíma MultiProjetos

portalfulinaima@gmail.com

(22)99815-1268 – whatsapp

www.goytacity.blogspot.com

EntreVistas

www.arturgumes.blogspot.com


Salgado Maranhão - EntreVistas



O meu primeiro contato com a poesia de Salgado Maranhão, se deu ainda nos anos de 1970, ouvindo Zizi Possi cantando Caminhos do Sol, parceria dele com Herman Torres. Daí em contato com Moacyr Felix, no início dos anos de 1980 comecei a conhecer a sua vasta produção poética. Salgado Maranhão é um dos membros da minha tribo de poetas, muitos de seus poemas me tocam, me inspiram, me transbordam. Sentença por exemplo é um poema que gostaria de ter escrito, e quando o digo, falo como se fosse meu. Não me canso de ouvir o CD Amorágio, editado pelo selo SESC-Rio e produzido por Sérgio Natureza. No no meu curta A Passageira da Poltrona Ao Lado, utilizo em sua trilha sonora a canção Trem da Consciência parceria do Salgado Maranhão com Vital Lima gravada por Zeca Baleiro, que é uma das faixas do CD Amorágio. 

No livro O Poeta Enquanto Coisa  dedico-lhe a Poética 25

 

a cor da tua pele me conforta

porta que se abre pra beleza absoluta

a vida que tivemos na matéria bruta

a sorte de nascer dentro do norte

na felina selvageria da pantera

 o sal que temperou as nossas eras

 na pele do tempero ruptura em cada corte

e ao mesmo tempo é voz que predestina

que o poeta não vai morrer antes da morte


A Cor Da Palavra
 - Antologia da obra do poeta Salgado Maranhão, publicada em co-edição com a Fundação Biblioteca Nacional, e ganhador do prêmio de melhor livro de poesia de 2011 da Academia Brasileira de Letras.


Salgado Maranhão - é um poeta e compositor brasileiro, nascido José Salgado Santos em Caxias, Maranhão, em 1953. Estudou Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde vive desde 1973. Compositor-letrista, tem músicas gravadas por vários artistas como Amelinha, Elba Ramalho, Ney Matogrosso, Paulinho da Viola, Rosa Marya Colin, Elba Ramalho, Zeca Baleiro, Vital Farias e Zizi Possi. A partir de 1976 colaborou em várias publicações com artigos e poemas, como a revista "Música do Planeta Terra", a convite de Júlio Barroso, então editor da revista, na qual também colaboravam Sergio Natureza, Caetano Veloso, Ronaldo Bastos, Jorge Mautner e Jorge Salomão, entre outros. 

Em 1978 foi um dos organizadores, com Sergio Natureza,  
Antônio Carlos Miguel, do  livro "Ebulição da escrivatura -Treze poetas impossíveis" (Ed. Civilização Brasileira, 1978, RJ), 
com prefácio dele  e orelhas de Moacyr Felix. Coletânea que reuniu diversos poetas, como Sergio Natureza (assinando Sérgio Varela), Antônio Carlos Miguel (sob o pseudônimo de Antônio Caos), Éle Semog, Mário Atayde, Tetê Catalão, entre outros. 

Publicou poemas e artigos na revista "Encontro com a Civilização Brasileira" (1978). Nos anos seguintes, publicou "Aboio" (cordel/ Ed. Corisco -Teresina - 1984), "Punhos da serpente" (poesia/ Ed. Achiamé, RJ, 1989), "Palávora" (poesia - Ed. Sette Letras, RJ, 1995), "O beijo da fera" (poesia - Ed. Sette Letras, RJ, 1996) e "Mural de ventos" (poesia - Ed. José Olympio, RJ, 1998). 

Em 1998, ganhou o prêmio "Ribeiro Couto", da União Brasileira dos Escritores (UBE), com o livro "O beijo da fera". No ano seguinte, com o livro "Mural de ventos", foi o vencedor do "Prêmio Jabuti", da Câmara Brasileira do Livro, dividido com Haroldo de Campos e Geraldo Mello Mourão. Em 2007 sua poesia foi estudada na Universidade de Brown, em Providence, Rhode Island, nos Estados Unidos. Tem poemas traduzidos para o inglês, holandês, francês, alemão e espanhol. Em 2011 recebeu o prêmio "Machado de Assis de Poesia", da Academia Brasileira de Letras

 Clic no link abaixo parar conhecer mais da vasta e profunda obra poética de Salgado Maranhão

http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/416-salgado-maranhao

 Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

 Salgado Maranhão - Normalmente, estou sempre em estado de poesia. O que não quer dizer que esteja o tempo todo com a caneta não mão. Estou, como dizia o Quintana, falando sozinho, ruminando versos.. Há situações em que eu tenho um poema inteiro de memória sem ter posto um único verso no papel. Comecei minha vida  literária pela cultura popular da minha terra,  o Maranhão. Os cantadores repentistas foram minha primeira influência. Quando o livro chegou à  minha vida, eu já estava contaminado pela música das palavras.

 Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Salgado Maranhão - Entre os poetas brasileiros, o poema que mais me impactou no começo de minha vivência com a poesia do livro, foi "I Juca Pirama", de Gonçalves Dias. É talvez o nosso mais importante poema, pelo sentido nativista fundante na música verbal, emprestada à dança e ao drama na vida de relações  indígenas. É um assombro o talento e a lucidez do poeta maranhense, na construção de uma trama que plasmasse além dos valores do povo originário, resgatasse seu ethos através do ritmo. Um épico de grande relevância na construção de uma voz essencialmente nossa.

 Clic no link e lei o poema na íntegra

http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/jucapirama.pdf

Dele, ele não citou, mas eu destaco esse atualíssimo Índio Velho

 

Índio Velho


já nos tiraram o couro

e o sangue:

já nos rifaram a terra

e seus nomes santos

(deixando-na rente ao osso.)

Insaciáveis, agora, trocam-nos

pelos bois.

Não, à seiva do agrobusiness!

Não, à sorte da agromorte!

Não, ao tablet sem a Taba!

Geme a flora,

geme a fauna,

geme o rio de mercúrio.

Do fogo não brotam flores.

Deixem o que ainda nos resta!

O que veste o índio é a floresta.

 Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira? 

 Salgado Maranhão - São vários os meus poetas de cabeceiras, cada hora eu trago mais um. Meu quarto de dormir termina virando  extensão de minha biblioteca, porque gosto de acordar já lendo, buscado motivações para um novo poema. Para mim, este tipo de vida é o melhor dos mundos. Posso citar alguns sabendo que não são os únicos: Sophia de Mello Breyner Andersen, Borges, Hilda Hilst,  João Cabral de Melo Neto, Manoel Bandeira Drummond, Mário Faustino, Sousandrade, Homero (estou relendo Odisseia na tradução de Odorico Mendes). São os do momento. Mas, minha fome de poesia tem a largueza do vento, quer sempre mais horizontes.

 Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

 Salgado Maranhão - Não, sou um aleatório disciplinado, uma antena sempre aberta à epifania e, quando ela chega, eu trabalho duro feito  ourives limando a pedra bruta. Sempre estou buscando a palavra que me agrade. Não a exata, mas, a palavra resvalante, que agregue significantes vários. Escrevo na borda do sistema linguístico: um passo para trás, cairia do lugar comum; um passo para frente, cairia no ininteligível.

 Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?


Salgado Maranhão
 - Semelhante aos filhos, todos os meus livros são igualmente amados. Alguns tiveram boas repercussões, como o Mural de Ventos e o Ópera de Nãos, que ganharam o Prêmio Jabuti. Porém, o Sol Sanguíneo e O Mapa da Tribo, entram mais diretamente na minha história de vida. De modo que, estes são livros com os quais me identificam. O Sol Sanguíneo já ficou dois anos no vestibular estadual do Piauí. Maior presente para um poeta, cuja grande aspiração é habitar o coração do leitor.

 “Numa dicção arraigadamente pessoal, Salgado Maranhão, em Sol Sangüíneo, atinge o (até agora) ponto máximo de sua obra, num conjunto coeso de poemas, em que a inteligência especulativa e a celebração da corporalidade do mundo se expressam com grande rigor metafórico”. ANTONIO CARLOS SECCHIN


DO ARBÍTRIO


Das estrias que a mão

esculpe

só o que brilha

sobrevive.


Nômade a manhã

despe o sol

à flor

da carne,

múltipla,

à vertigem da linguagem.


Não há comportas

nem caminhos

não há saaras

nem vienas

em tudo há rinhas

e arestas

de flores

e esquifes.


Em tudo entalha-se

ao revés

coisas que se mostram

e não se dão,

que só no verso vêem-se,

no peeling pelo avesso.


(Delitos que em seu exílio

transbordam de rubro

a lira

resenham através do júbilo,

rasuram através da ira.)


Sopra revanche de ritmos

no íntimo viés do não dito,

sopra o arbítrio dos dias.

Artur Gomes - Além da poesia em verso  já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

 Salgado Maranhão - Sim, além do poema em versos (livre e medido) também o pratico em prosa. E, por vezes, faço ensaios e contos. Mas, o prazer de versejar, capitaneado pelas infinitas possibilidades do ritmo, é viciante. Nenhum outro formato de uso da língua nos leva tão longe. Justamente, pela sua liberdade de ação, pelo seu descompromisso com qualquer tipo de obediência programática.

 Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

 Salgado Maranhão - Muitos dos meus poemas foram impulsionados por algum tipo de obstáculo. Costumo dizer que a poesia gosta de confrontos reais. Assim, a própria vida do poeta costuma ser um intenso corpo a corpo com a palavra e com a existência na sua exterioridade máxima. Não que ele viva diretamente todas as circunstâncias que canta,  porém, ele acolhe-as através da sensibilidade diferenciada, já que é o porta voz da experiência humana.

 

Sentença

 

faz muito tempo que eu venho

nos currais deste comício,

dando mingau de farinha

pra mesma dor que me alinha

ao lamaçal do hospício.

e quem me cansa as canelas

é que me rouba a cadeira,

eu sou quem pula a traseira

e ainda paga a passagem,

eu sou um número ímpar

só pra sobrar na contagem.


por outro lado, em meu corpo,

há uma parte que insiste,

feito um caju que apodrece

mas a castanha resiste,

eu tenho os olhos na espreita

e os bolsos cheios de pedras,

eu sou quem não se conforma

com a sentença ou desfeita,

eu sou quem bagunça a norma,

eu sou quem morre e não deita.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

 Salgado Maranhão - O poeta é um ente semelhante a um dromedário, sobrevive muito mais do que lhe negam, a vida e a natureza, do que lhe doam. Devido à sua extraordinária capacidade de transformar o nada em nado. Seu mapa existencial são os caminhos adversos ao lugar comum. Vive sempre a renegar o óbvio e a ver o que não lhe mostram. Não há caminhos difíceis para quem mora no penhasco. A crise do momento não altera a produção do poeta que já se impõe o rigor e o compromisso que a poesia sempre exige. Cecília na sua grandeza estelar já nos disse: "Não sou alegre nem sou triste/sou poeta".

 Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

 Salgado Maranhão - O poeta Admir Assunção está certo, pertencemos sempre a um grupo com os quais nos identificamos, que eu costumo chamar de família poética. É a partir daí que nos projetamos para as demais famílias com as quais não nos parecemos mas que nos enriquecem. Admiro tantos poetas que em nada se parecem comigo. A floresta tem uma infinidade de pássaros cada qual com seu canto e sua plumagem. E disso é sua beleza e seu encanto.

 Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

 Salgado Maranhão - O poeta é sempre um inveterado militante. Mas, não com a virulência da militância político partidária, circunstancial, que é puro fogo de labareda, posto que é estomacal e interesseira. A militância do poeta é brasa viva e permanente. Simplesmente porque sua causa é o desapego e o bem comum universal, manifestos através da estética . A palavra do poeta genuíno deve ser o arremate final de qualquer fala. A síntese do entendimento maior. Por isso, ele jamais vulgariza sua expressão.  Quem imagina Drummond ou João Cabral, por exemplo, sendo cambonos de políticos  (quase sempre) com interesses inconfessáveis? O poeta verdadeiro é um legítimo desobediente, só obedece à ética da poesia,  que se expressa pelo grau mais alto e irreverente que a língua é capaz de alcançar.  E, por isso mesmo, igual ao sol, que atravessa o tempo e as circunstâncias sem perder o brilho.

 Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?


Salgado Maranhão
 - Acho que já é bastante o que foi dito. Obrigadão, meu poeta, pelas instigantes perguntas.  Super abraço com este Amorágio II

Amorágio II

Fogo que desata os novelos da vontade. Ignora

o bem, desdenha da verdade. Ponte aérea do

                                                                             (Éden

à insanidade. Dança para um circo de anjos

embriagados onde, leão, é também o domador.

                                                                           (entrega

a própria pele ao caçador. 



 Fulinaíma MultiProjetos

www.goytacity.blogspot.com

(22)99815-1268 – whatsapp

portalfulinaima@gmail.com

EntreVistas

www.arturgumes.blogspot.com


cidade veracidade

onde tudo é carnaval minha madrinha se chamava cecília nunca soube onde minha mãe a conheceu por muitos anos morou na rua sacramento ao la...