domingo, 31 de maio de 2020

Luis Mendes - EntreVistas



Conheci Luis Mendes, através de uma postagem no face de  Claudinei Vieira, nosso editor de Desconcertos. O post anunciava o lançamento do livro Conversa de Encruzilhada, que de cara me chamou a atenção, não perdi tempo, adicionei o Luis logo. De lá prá cá acompanho atento a sua escrita de luta,  contra as desigualdades e mazelas que nos afligem diariamente nesse país assombradado, que não tem mais pau nem brasa, apenas zil.  

Luis Antonio Mendes - nascido em São Joaquim da Barra estado de São Paulo. Desde cedo entrou em contato com a pobreza e a vida dura destas populações, assim como também, com a sua religiosidade, em especial as de matrizes africanas. Entrou em contato com os movimentos de reivindicações e também os movimentos culturais na região do Itaim Paulista. Frequentou rodas de capoeiras e toca na bateria da Unidos de Santa Bárbara. Também teve um de seus textos adaptado e encenado ao ar livre na Praça de Oxum, na Bahia.

Outro texto foi solicitado para uma tese de doutorado na Universidade de Coimbra em Portugal. Fui convidado para uma roda de conversa entre professores no CÉU Paraisópolis. 

Ultimamente trabalho como orientador sócio educativo em um centro de acolhida para homens acima dos dezoito anos em situação de rua. Meus Contos/Crônicas urbanas, escritas no decorrer da vida, mesclam ficção e cotidiano da vida nas periferias da cidade de São Paulo, tendo como base, os acontecimentos triviais do dia a dia, trazendo como protagonistas os grupos vulneráveis da sociedade paulistana, que passam invisíveis aos olhos da grande cidade, como negros, mulheres, andarilhos, jovens, enfim, mesclado com figuras mitológicas das culturas africanas e européias, com encontros e diálogos que promovem uma cartáse entre o real e o imaginário, entre a realidade e o fantástico, trazendo à uma reflexão sobre as questões políticas, sociais e ideológicas do nosso País, de maneira leve, mas ao mesmo tempo contundente.

Tais encontros podem ocorrer nos mais variados lugares, mas em geral acontecem nas encruzilhadas, local conhecidamente mágico para a maioria dos brasileiros. Para tal, além das pesquisas, discussões que aparecem na rotina do dia a dia, trago pesquisa de elementos culturais da cultura Yorubá, palco das principais crenças da população brasileira, evidenciando assim a miscigenação presente em nossa população, e que nas periferias da grande metrópole, não foge a regra.

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Luis Mendes -  Bem, eu não me considero poeta! Acho que tento fazer crônicas e contos.

Artur Gomes - Sua crônica preferida?

Luis Mendes - Minha crônica favorita é Avamunha. Do livro: Conversa de Encruzilhada - Editora Desconcertos - 2019 - disponível no link 


 Todos ouviram o grito de socorro da Matilde. Também ouviram o barulho dos pratos e copos sendo estilhaçados pela casa. Ouviram os socos e pontapés no corpo da mulher, todos ficaram em silêncio, trancados em suas casas. No outro dia Obaluaie veio silenciosamente recolher o corpo da pobre mulher morta pela violência doméstica, mais um feminicídio! 

Sérgio, seu marido, fugiu! Ninguém viu ou ouviu alguma coisa. É a lei do silêncio decretada nas comunidades! Anos depois Sérgio levava uma vida feliz, casou-se com Soraia e vive discretamente em outro estado, em outra periferia. Vivia de biscates, vendia doces e balas no trem do subúrbio. Não podia apresentar documentos para ser contratado em uma empresa, era procurado. Aderiu à igreja dos crentes, era um cidadão de bem.

Mas Yansan ouviu os gritos de Matilde, assim como de outras mulheres que morrem na ponta de uma faca ou de um tiro! Também ouviu o choro de Soraia, a atual mulher do Sérgio, quando levou o primeiro tapa no rosto. Era tarde da noite, Sérgio vendia os últimos doces para os fregueses fora de hora, o tempo está mudando e vai vir tempestade! Uma linda mulher negra de vestido vermelho embarcou para a viagem. Silenciosamente sentou-se no banco e observava os raios que cruzavam o céu. A composição, como se percebesse a presença da linda mulher, começou a bater seus ferros. Ferros de Ogum!

- Olha o doce, olha a bala! Gritava o Sérgio no corredor do trem. Ao se aproximar da linda mulher, ela silenciosamente se levantou e olhou para ele.

- Você? Gritou Sérgio. Desesperadamente correu deixando para trás os doces e balas espalhados pelos corredores do trem que aumentava a velocidade e as batidas de seus ferros parecia o toque de avamunha! Por ser uma composição precária, ao atravessar para o outro vagão, Sérgio se desequilibrou e caiu na linha do trem, sendo comido pelos ferros e aço da composição. Uma cena tétrica!
Os poucos passageiros que presenciaram a cena, em seus depoimentos juravam que ele gritava o nome de Matilde, quando caiu na linha. Outros só ouviram o barulho do ferro e aço. Porém todos concordavam que viram quando a mulher negra de vestido vermelho desembarcou em meio a uma tempestade e sumiu, quando um raio cruzou o céu que cobria a periferia. Alguns disserem cruz credo! Outros silenciosamente disseram eparrei Yansan! Já alguns homens ao olhar o sangue derramado na linha do trem disseram:

- Ogum mae pa mi.

E baixaram pensativos suas cabeças, pois sabem que assim como Yansan, Ogum também não perdoa.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Luis Mendes - Li alguns autores como Ruben Braga, Jorge Amado, Luiz Veríssimo, João Ubaldo e outros. Gosto muito do Jorge Amado.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Luis Mendes - Geralmente escrevo ou penso em escrever quando estou na rua, num transporte público enfim! É dali que surgem meus personagens.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Luis Mendes - Como eu só tenho um, seria Conversa de Encruzilhada.

Artur Gomes
 - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia¿

Luis Mendes - Estou tentando ensaiar um romance, porém falta tempo.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho¿

Luis Mendes - Desempregado Encantado!

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho¿

Luis Mendes - Embora eu faça parte do grande emaranhado que é a ser humanidade, sou cético quanto a isso.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo¿

Luis Mendes - Eu venho das ruas, das rodas de capoeira e candomblé.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia¿

Luis Mendes - creio que nos dias atuais fazer poesia ou crônicas, que é o meu caso, é estar antenado com as mudanças que acontecem nas ruas! Aliás mudanças rápidas e perturbadoras.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Luis Mendes - Creio que foram feitas todas.


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Carla Carnevale - EntreVistas


Conheci Carla Carnevale no Sarau POLEM, em 2018, quando ainda era realizado na Lapa. Era noite de lançamento do meu livro Juras Secretas, foi a primeira vez que fui a convite do amigo Marcelo Mourão. Em 2019 voltamos a nos encontrar várias vezes no POLEM, na Taberna da Laura em Copacabana e na Balbúrdia Poética. Apesar de ainda não ter publicado um livro solo, ela tem participações em diversas Antologias, e é uma poeta super conhecida nas noitadas  carioca de poesia.

 Carla Carnevale é carioca, nutricionista clínica, graduada pela UERJ. Na mesma universidade, cursou Letras, mas não chegou a colar grau. Poeta, participou de mais de dez antologias, sendo, algumas, internacionais. Fez oficina de literatura do professor Cairo Trindade.

 Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Carla Carnevale - Às vezes, tenho insights, posso acordar durante a noite e me ocorrer algum sentimento. A escrita é um exercício de amor, paixão e paciência. O essencial é que eu consiga passar alguma mensagem através dos versos. Faço um esboço e, desse rascunho, sou capaz de passar dias trabalhando no poema. Vou modificando até considerar que está pronto.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Carla Carnevale - Vou citar alguns de poetas brasileiros: A lua foi ao cinema, de Paulo Leminski; Operário em construção, de Vinicius de Moraes; Poema em linha reta, do português  Fernando Pessoa (Álvaro de Campos); A flor e a náusea, Poema de sete faces, de Carlos Drummond de Andrade; Lua adversa, de Cecília Meireles.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Carla Carnevale - Além dos citados acima, Manuel Bandeira e também Alberto Caieiro (heterônimo de Fernando Pessoa).Posso incluir Chico Buarque, pois considero sua obra poesia.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Carla Carnevale - Sim; pode ser algum acontecimento, um encontro com a natureza, uma leitura, ou até mesmo uma lágrima não derramada. E, também, o contato com outras artes.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Carla Carnevale - Eu tenho participado de várias antologias, ainda não tenho livro solo.

Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Carla Carnevale - Eu escrevia diários e já escrevi algumas crônicas.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Carla Carnevale - Em 2014, eu escrevi o poema:

Um beija-flor na noite.

No auge da insônia, ouço um ruído
Acendo a luz, avisto um pássaro
Passeia preso e perdido
Na madrugada do quarto

Ganhei um presente
Mas logo dou-lhe a liberdade
Ele sai do cativeiro

Eu, no entanto, não tenho a possibilidade
De sair voando através das grades.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Carla Carnevale - Eu espero, e quero crer, que passarão todos os incitadores do mal, para que possamos ter paz. Quem passarinho? Os que queiram somar, partilhar, contribuir para que, juntos, possamos viver de modo menos individualista.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Carla Carnevale - Ah, eu não tenho...comecei a frequentar os saraus somente em meados de 2013, quando fiquei sabendo, através de uma notinha do Anselmo, que o Corujão da Poesia iria retornar para o Leblon. Então, fui na inauguração. Aos poucos, fui conhecendo os outros saraus. Antes, meu contato com a poesia havia sido através dos livros e, também, na Universidade.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Carla Carnevale - Inovar, trazer temas no poema que façam refletir questões sociais, de dor, políticas, etc. E, claro, não posso deixar de lembrar dos professores de literatura, dos que apresentam a poesia em comunidades e dos que promovem encontros, saraus, eventos. Isso é fomentar a poesia e a cultura.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Carla Carnevale - Em que momento você despertou para a literatura?

Resposta - Quando eu fui alfabetizada, eu comecei a ter muito interesse e curiosidade para ler qualquer coisa que estivesse ao meu alcance. Então, quando era possível, eu ganhava dos meus pais, livros infantis. Mas o mais comum era eu ler revistas em quadrinhos, de todos os tipos. Isto porque meu pai já era jornaleiro, e bastava que eu devolvesse para ele depois. Eu, assim, lia todos os gibis, mas não ficava com nenhum. Eu não via problema nisso, pois o mais importante era a leitura e a descoberta daquele universo. 

Depois veio aquela fase de ler Monteiro Lobato, mas também emprestados, como os gibis. Logo, caiu, em minhas mãos, o primeiro romance, Robinson Crusoé, de Daniel Defoe.
Na escola mesmo, não eram exigidos muitos livros. Nem me lembro de ter biblioteca lá, sempre achei isso estranho. Mas eu tinha acesso aos livros de outras pessoas. Ou da banca, colecionáveis, assim, eu li romances como O Great Gatsby, Suave é a Noite, Madame Bovary, O Amante de Lady Chaterlley e outros que não me lembro, pois não ficava com eles. Só comecei a ter contato com poesia na adolescência, quando mudei de colégio. Uma falha no ensino.

São reminiscências, fatos marcantes, visto que não havia muitos recursos. Então, tive sorte de ter quem me emprestasse os livros e sou muito grata.
Para terminar, quero agradecer a oportunidade de participar deste brilhante projeto e de terem lembrado de mim. Espero ter correspondido e ter contribuído de alguma forma.


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sexta-feira, 29 de maio de 2020

Celso Borges - EntreVistas



Conheci Celso Borges, no palco do  Itaú Cultural em São Paulo, no projeto Poesia Na Idade Mídia - outros bárbaros, idealizado por Ademir Assunção, que conheci em 1996, por ocasião do Projeto Poesia 96, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Antes desse encontro com o Ademir ao vivo,  nosso grande e saudoso mestre Uilcon Pereira, por carta, havia me falado de dois poetas que eu precisaria conhecer: Ademir Assunção e Rodrigo Garcia Lopes.

Durante o período que Celso Borges morou em São Paulo, não tivemos muitos encontros ao vivo, nossas esquinas não se cruzavam, mas depois que ele volta para sua São Luis, tivemos dois encontro memoráveis: Um, em 2008 na Feira do Livro de Imperatriz no Maranhão, e o outro, na própria São Luis em 2013 ano em que ele fez a curadoria da 7ª FELIZ - Feira do Livro de São Luis, onde me levou para falar poesia nos janelões dos casarões do centro histórico da cidade, Inesquecível !


Sob o signo do vento e da claridade de São Luís do Maranhão, Celso Borges nasceu em 18 de maio de 1959, às 19h30. Segundo a folhinha de calendário, era uma segunda-feira de lua quarto-crescente. Na infância e adolescência jogava bola quase todos os dias e batia o sino da igreja em frente a sua casa acordando a cidade para a missa de seis e meia. O rio de sua aldeia foi o Mississipi de Mark Twain e seu melhor amigo, Tom Sawyer. Começou a escrever aos 16 anos e não diz pra quase ninguém que lançou um livro/equívoco de poesia, Cantanto, aos 21 anos. Prefere assumir que seu primeiro trabalho é No Instante da Cidade (1983). De lá pra cá publicou, ainda, Pelo Avesso (1985), Persona non Grata (1990) e Nenhuma das Respostas Anteriores (1996), XXI (2000), O futuro tem o coração antigo (2013) e Fúria (2015), entre outros, todos de poesia. Mora em São Luís desde 2009, depois de viver 20 anos em São Paulo. Ama os versos de Maiakovski, Murilo Mendes e Jorge Luís Borges, a prosa de Guimarães Rosa, Osman Lins e Antonio Lobo Antunes, além dos ensaios de Augusto de Campos, Antonio Cândido e Octávio Paz. A literatura é o seu oxigênio e danação. O eterno possível. Celso Borges sabe que se não escrever, morre. Ainda bem.

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Celso Borges – É uma gravidez, um estar pronto para a criação, um motor que me mantém atento o tempo todo. E tudo o mais passa a ser menor, menos importante. Às vezes invento esse estado para não me afastar dele, para reafirmá-lo a cada respiração, a cada segundo e frame do mundo. Oxigênio.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Celso Borges - São tantos os poemas preferidos. Mas eu destacaria Fotografia Aérea, de Ferreira Gullar, que está no livro Dentro da Noite Veloz, de 1975. E adoro também a história de como esse ele nasceu. O poeta trabalhava como arquivista na sucursal carioca do jornal Estado de São Paulo. Certo dia abriu uma gaveta com fotos antigas e viu numa revista uma foto aérea da cidade de São Luís, tirada quando ele ainda era criança. E a imagem “sobrevoa’ o bairro onde ele morava. Ele estava lá embaixo naquele momento. 

“Eu devo ter ouvido um avião passar aquela tarde sobre a cidade aberta como a palma da mão entre palmeiras e mangues...”, um texto deslumbrante! 

Anos depois fiz uma revisita a esse poema escrevendo outro em que eu, aos dez anos de idade, me via numa São Luís desenhada num atlas geográfico da segunda série ginasial do colégio Marista. Quando Gullar fez 70 anos eu enviei pra ele numa carta, mas ele nunca me respondeu, nem sei se recebeu.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira? 

Celso Borges - Quase impossível citar um. Já foi Cabral, Maiakovski, Fernando Pessoa, Neruda... Atualmente, os portugueses, entre eles Herberto Helder.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Celso Borges - Eu vivo poesia quase o tempo inteiro. É resultado de um impacto, da observação da vida, das pessoas, das palavras que leio, das imagens que vejo, cinema, música, artes plásticas. É a minha resposta a tudo isso. Nos casos dos textos por encomenda, para algum projeto específico, eu fico ruminando o tema, tateando palavras, situações, metáforas, começo a estimular invenções, musicalidades, coisas que me joguem no universo da criação.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Celso Borges – Difícil escolher. Talvez o MÚSICA, livroCD de 2006, que mistura poesia e música e tem a participação de mais de 50 artistas brasileiros, entre poetas, cantores, compositores e instrumentistas.

Artur Gomes - Além da poesia em verso  já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Celso Borges – Sim, tenho experimentado a prosa poética. No campo da récita, faço alguns projetos de poesia no palco, com DJs e instrumentistas, vivência que adoro. Comecei com o Poesia Dub, em 2005, com o jornalista Otávio Rodrigues. Depois, veio a Posição da Poesia é Oposição, com o percussionista Luiz Claudio e o guitarrista Christian Portela. E por último, Sarau Cerol, com o compositor Beto Ehongue.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?


Celso Borges – Tenho um livro pronto, ainda não publicado, A poesia é maior que a morte, com poemas que fiz quando perdi a maioria das fotos de meu irmão Antonio José, morto em 1972, quando eu tinha 13 anos. Não foi uma pedra no meio do caminho, foi uma tempestade terrível no meu coração. Em um dos poemas digo

escombros, sombras paridas pela umidade, sobras partidas da memória, sonhos oxidados, infiltrações, poeira molhada, nuvem no chão, fumaça de cimento, grafites puídos, farrapos, destroços espatifados, fotos grisalhas, furadas, crateras de celulose, ácaros, rugas, farpas, manchas, carunchos, bolor, mofo, ruínas e fiapos de papel, vincos, frisos machucados. peles despedaçadas, lepra, carcaça, cabelos cortados pela mãe no velório
cortejo de instrumentos e algaravias para desenhar o corpo cadáver, artilharia contra o tempo de vida das coisas mortas, avalanche, voragem, papéis de chumbo tornado fagulhas ausentes pesam mais
fotos descascadas, caos de cascas, cascos de cavalos roídos, corvos, ripas costuradas, suturas quase sardas, hematomas, derrames, escamas, inchaços estranhos nas entranhas do álbum em coma. silêncio
madeleine arrependida.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Celso Borges – É mais um desejo do que uma certeza. Espero que esse passarinho seja a esperança de um mundo mais humano, que as relações pessoais de transformem de alguma forma. Mas não sou tão otimista. Outras pandemias aconteceram em outras épocas e o mundo mudou, mas continuou perverso. A estrutura social e o sistema econômico e político, sempre vão dar o jeito deles para continuar lucrando e explorando em cima da maioria. Pessoalmente, continuarei escrevendo e hasteando minhas verdades, que é o melhor que posso dar de mim, além de estimular a fraternidade e o afeto nas coisas que faço e nas minhas relações pessoais.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Celso Borges – Minha tribo são várias tribos, um grande caldeirão de poesia, música, artes plásticas, cinema e as pessoas que encontro nesses universos essenciais. Quero vê-las cada vez mais fortes, mostrando que precisamos umas das outras para sobreviver e avançar de forma diversa e solidária, reinventando o mundo e as relações.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Celso Borges – É vivê-la sempre de forma intensa e verdadeira, procurando nos reinventar, criar novos mundos e ser contra esse sistema escroto que tenta nos escravizar. Como já disse uma vez A POSIÇÃO DA POESIA É OPOSIÇÃO.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Não sei.

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terça-feira, 26 de maio de 2020

Cinthia Kriemler - EntreVistas


O contato com Cinthia Kriemler, aconteceu também pelo face, quando vi o título do seu livro "O  Sêmem do rinoceronte branco", no site da Patuá, tomei um grande susto e comecei a ficar atento as suas postagens, ou posts de amigos em comum, no face, sobre seus escritos. Hoje descubro nela outras facetas:  contista, romancista e amante de poesia falada. Lá na frente você vai encontrar uma leitura maravilhosa em vídeo produzido por Lisa Alves sobre o poema Eutanásia, um dos grandes poemas da Cinthia Kriemler que ela me diz  ser o seu poema gravado preferido. 

Cinthia Kriemler - é contista, romancista e poeta. Carioca, mora em Brasília. Autora, pela Editora Patuá, de “O sêmen do rinoceronte branco” (Contos, 2020); “Tudo que morde pede socorro” (Romance, 2019); “Exercício de leitura de mulheres loucas” (Poesia, 2018); Todos os abismos convidam para um mergulho (Romance, 2017), finalista do Prêmio São Paulo de Literatura de 2018; Na escuridão não existe cor-de-rosa (Contos, 2015), semifinalista do Prêmio Oceanos 2016; Sob os escombros (Contos, 2014); e Do todo que me cerca (Crônicas, 2012). Organizou a antologia de contos Novena para pecar em paz (Editora Penalux, 2017) e participa de antologias de contos e de poesia. Tem textos e poemas publicados em diversas revistas eletrônicas.
Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Cinthia Kriemler - Um objeto, alguém, um fato me atrai a atenção. Pela beleza, pela raiva, pelo aperto no peito, pela curiosidade. Tenho vontade de colocar aquela sensação no papel. Começo um poema, que nem sempre vai ser terminado na mesma hora. Ou às vezes nem começo, só fico com aquela sensação dando voltas em mim. Algumas nunca vão para o papel.
Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Cinthia Kriemler  - Preferido é uma palavra cerceadora. Gostar de um poema depende de como a gente está em relação a nós mesmos, ao mundo e ao momento.
O meu predileto é Eugenia (que te passei hoje)
Mas o gravado, que também é dos que gosto muito, é o Eutanásia.

 De outros poetas, eu citaria “Mãe, eu quero ir-me embora”, da poeta portuguesa Maria do Rosário Pedreira (em O Canto do Vento nos Ciprestes), e o poema LIX, da Adriane Garcia (em Arraial do Curral Del Rei). Ambos falam sobre perdas. Um fala da desistência da vida. Outro, da violência da usurpação.
Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Cinthia Kriemler  - Adriane Garcia. Mas quero citar também a Lisa Alves e a Marceli Becker. Lembrando que sempre mantenho na cabeceira poetas vivos.
Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Cinthia Kriemler  - Tudo. E nada. Um dia cinza. Uma morte. Uma injustiça. Uma desgraça. Uma revolta. O silêncio. Lua. Água. Acho que as coisas ruins, as belezas em estado bruto, a raiva, a impotência (a minha e a dos outros) me impulsionam a escrever poemas, contos, romances.
Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Cinthia Kriemler - Meu primeiro romance, Todos os abismos convidam para um mergulho. Foi um salto na minha escrita, que antes era só de contos e poemas. Eu mantenho com esse livro, e com a sua personagem principal, Beatriz, uma relação de intensidade que não cessa. Costumo repetir que Beatriz vive.
Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Cinthia Kriemler  - Sim. Os videopoemas. Gosto da sonoridade dos poemas quando lidos em voz alta ou quando interpretados. Sejam escrutos por mim ou por terceiros. Além disso, tenho o book trailer de um dos poemas do meu livro Exercício de leitura de mulheres loucas, feito pela Molotov Produções, da Lisa Alves.
Vídeo poema “Eutanásia” (Molotov Produções/Edição:  Lisa Alves). https://youtu.be/2GSOFCSWta0
Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho¿
Cinthia Kriemler - Mais de um. Mas “Eugenia” é um deles.
Eugenia
Nos anos regidos pelo Cavalo de Fogo conta-se
que mães chinesas matavam seus bebês ainda na barriga.
Crianças nascidas cavalos de fogo crescem para ser assassinas — dizia a crendice chinesa.
São ambiciosas, cruéis, desgovernadas.
Chang, Yan e Quon nasceram em anos regidos pelo Cavalo de Fogo
(porque suas mães não acreditavam em lendas)
Eles ainda não mataram ninguém.
Chang é médico
Yan é professor
Quon é engenheiro
Todos honoráveis.
Nos anos da Besta Fardada mães lutam contra
demônios vermelhos que querem obrigá-las a abortar
— diz a crendice messiânica.
E as mães da Era da Besta Fardada não querem se tornar
assassinas cruéis de seus fetos.
Elas só matam crianças :
gays
negras
índias
E vermelhas.
Eugenia Santa — diz o pastor.
As mães dos anos da Besta Fardada estão em guerra
contra a seita que quer corromper seus filhos
brancos e sadios com mamadeiras de bico de pênis
e com cartilhas nojentas que ensinam
meninas a gostar de meninas
meninos a gostar de meninos.
Para salvar suas crianças do mal dão a elas revólveres
e fuzis e rifles de longo alcance, e as ensinam a atirar.
Atirar para matar.
: gays
: negros
: índios.
 Vermelhos são prioridade.
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Cinthia Kriemler  - Passarão, infelizmente, algumas das pequenas editoras e livrarias, por causa da economia esfacelada (pandemia + desmonte). E essa é uma perda que me deixa arrasada. Passarinhos, aquelas editoras e livrarias que conseguirem se reinventar durante a crise, apesar de caminharem pela corda bamba da falta de receita. Mas tanto para quem passará quanto para quem passarinho será um tempo muito difícil. Todos passarão por escolhas e decisões que terão que ser tomadas (queiram ou não) e que serão dolorosas.
Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Cinthia Kriemler - As minhas referências são variadas. Dentre os consagrados, João Cabral de Melo Neto, Drummond, Cecília Meireles, Adélia Prado, Hilda Hist. Dentre os contemporâneos, Adriane Garcia, Lisa Alves, Alberto Bresciani, Silvana Guimarães, Marceli Becker. Por opção, estou citando aqui só brasileiros. Há outros que admiro bastante, mas não trago deles referência. O ruim de citar é que, possivelmente, eu vá me esquecer de alguém.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Cinthia Kriemler  “O que é ser uma poeta” é uma expressão que me apavora. Porque parece que eu vou ensinar algo ou definir algo. Eu não gosto disso. Acho grande demais. O que posso falar é da poeta que eu sou, que tenho me descoberto ser. Uma poeta de ironias, de atenção às dores, às ausências, às faltas, aos desmandos. Preocupada, irritada, magoada, sufocada pelo país que nos tornamos sob esse governo fascista eleito pela ignorância, pelo ódio e pela irresponsabilidade de muitos brasileiros.
Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Cinthia Kriemler - Se eu escrevo em outros gêneros. Sou contista, romancista e poeta. Nessa ordem. E gosto que seja assim. Escrevo poemas sem muita frequência. Por isso a preocupação que tenho de me perguntar, constantemente, se realmente posso me chamar/ser chamada de poeta. Ainda não me acertei com isso. E nem sei se vou.

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