terça-feira, 26 de maio de 2020

Cinthia Kriemler - EntreVistas


O contato com Cinthia Kriemler, aconteceu também pelo face, quando vi o título do seu livro "O  Sêmem do rinoceronte branco", no site da Patuá, tomei um grande susto e comecei a ficar atento as suas postagens, ou posts de amigos em comum, no face, sobre seus escritos. Hoje descubro nela outras facetas:  contista, romancista e amante de poesia falada. Lá na frente você vai encontrar uma leitura maravilhosa em vídeo produzido por Lisa Alves sobre o poema Eutanásia, um dos grandes poemas da Cinthia Kriemler que ela me diz  ser o seu poema gravado preferido. 

Cinthia Kriemler - é contista, romancista e poeta. Carioca, mora em Brasília. Autora, pela Editora Patuá, de “O sêmen do rinoceronte branco” (Contos, 2020); “Tudo que morde pede socorro” (Romance, 2019); “Exercício de leitura de mulheres loucas” (Poesia, 2018); Todos os abismos convidam para um mergulho (Romance, 2017), finalista do Prêmio São Paulo de Literatura de 2018; Na escuridão não existe cor-de-rosa (Contos, 2015), semifinalista do Prêmio Oceanos 2016; Sob os escombros (Contos, 2014); e Do todo que me cerca (Crônicas, 2012). Organizou a antologia de contos Novena para pecar em paz (Editora Penalux, 2017) e participa de antologias de contos e de poesia. Tem textos e poemas publicados em diversas revistas eletrônicas.
Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Cinthia Kriemler - Um objeto, alguém, um fato me atrai a atenção. Pela beleza, pela raiva, pelo aperto no peito, pela curiosidade. Tenho vontade de colocar aquela sensação no papel. Começo um poema, que nem sempre vai ser terminado na mesma hora. Ou às vezes nem começo, só fico com aquela sensação dando voltas em mim. Algumas nunca vão para o papel.
Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Cinthia Kriemler  - Preferido é uma palavra cerceadora. Gostar de um poema depende de como a gente está em relação a nós mesmos, ao mundo e ao momento.
O meu predileto é Eugenia (que te passei hoje)
Mas o gravado, que também é dos que gosto muito, é o Eutanásia.

 De outros poetas, eu citaria “Mãe, eu quero ir-me embora”, da poeta portuguesa Maria do Rosário Pedreira (em O Canto do Vento nos Ciprestes), e o poema LIX, da Adriane Garcia (em Arraial do Curral Del Rei). Ambos falam sobre perdas. Um fala da desistência da vida. Outro, da violência da usurpação.
Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Cinthia Kriemler  - Adriane Garcia. Mas quero citar também a Lisa Alves e a Marceli Becker. Lembrando que sempre mantenho na cabeceira poetas vivos.
Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Cinthia Kriemler  - Tudo. E nada. Um dia cinza. Uma morte. Uma injustiça. Uma desgraça. Uma revolta. O silêncio. Lua. Água. Acho que as coisas ruins, as belezas em estado bruto, a raiva, a impotência (a minha e a dos outros) me impulsionam a escrever poemas, contos, romances.
Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Cinthia Kriemler - Meu primeiro romance, Todos os abismos convidam para um mergulho. Foi um salto na minha escrita, que antes era só de contos e poemas. Eu mantenho com esse livro, e com a sua personagem principal, Beatriz, uma relação de intensidade que não cessa. Costumo repetir que Beatriz vive.
Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Cinthia Kriemler  - Sim. Os videopoemas. Gosto da sonoridade dos poemas quando lidos em voz alta ou quando interpretados. Sejam escrutos por mim ou por terceiros. Além disso, tenho o book trailer de um dos poemas do meu livro Exercício de leitura de mulheres loucas, feito pela Molotov Produções, da Lisa Alves.
Vídeo poema “Eutanásia” (Molotov Produções/Edição:  Lisa Alves). https://youtu.be/2GSOFCSWta0
Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho¿
Cinthia Kriemler - Mais de um. Mas “Eugenia” é um deles.
Eugenia
Nos anos regidos pelo Cavalo de Fogo conta-se
que mães chinesas matavam seus bebês ainda na barriga.
Crianças nascidas cavalos de fogo crescem para ser assassinas — dizia a crendice chinesa.
São ambiciosas, cruéis, desgovernadas.
Chang, Yan e Quon nasceram em anos regidos pelo Cavalo de Fogo
(porque suas mães não acreditavam em lendas)
Eles ainda não mataram ninguém.
Chang é médico
Yan é professor
Quon é engenheiro
Todos honoráveis.
Nos anos da Besta Fardada mães lutam contra
demônios vermelhos que querem obrigá-las a abortar
— diz a crendice messiânica.
E as mães da Era da Besta Fardada não querem se tornar
assassinas cruéis de seus fetos.
Elas só matam crianças :
gays
negras
índias
E vermelhas.
Eugenia Santa — diz o pastor.
As mães dos anos da Besta Fardada estão em guerra
contra a seita que quer corromper seus filhos
brancos e sadios com mamadeiras de bico de pênis
e com cartilhas nojentas que ensinam
meninas a gostar de meninas
meninos a gostar de meninos.
Para salvar suas crianças do mal dão a elas revólveres
e fuzis e rifles de longo alcance, e as ensinam a atirar.
Atirar para matar.
: gays
: negros
: índios.
 Vermelhos são prioridade.
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Cinthia Kriemler  - Passarão, infelizmente, algumas das pequenas editoras e livrarias, por causa da economia esfacelada (pandemia + desmonte). E essa é uma perda que me deixa arrasada. Passarinhos, aquelas editoras e livrarias que conseguirem se reinventar durante a crise, apesar de caminharem pela corda bamba da falta de receita. Mas tanto para quem passará quanto para quem passarinho será um tempo muito difícil. Todos passarão por escolhas e decisões que terão que ser tomadas (queiram ou não) e que serão dolorosas.
Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Cinthia Kriemler - As minhas referências são variadas. Dentre os consagrados, João Cabral de Melo Neto, Drummond, Cecília Meireles, Adélia Prado, Hilda Hist. Dentre os contemporâneos, Adriane Garcia, Lisa Alves, Alberto Bresciani, Silvana Guimarães, Marceli Becker. Por opção, estou citando aqui só brasileiros. Há outros que admiro bastante, mas não trago deles referência. O ruim de citar é que, possivelmente, eu vá me esquecer de alguém.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Cinthia Kriemler  “O que é ser uma poeta” é uma expressão que me apavora. Porque parece que eu vou ensinar algo ou definir algo. Eu não gosto disso. Acho grande demais. O que posso falar é da poeta que eu sou, que tenho me descoberto ser. Uma poeta de ironias, de atenção às dores, às ausências, às faltas, aos desmandos. Preocupada, irritada, magoada, sufocada pelo país que nos tornamos sob esse governo fascista eleito pela ignorância, pelo ódio e pela irresponsabilidade de muitos brasileiros.
Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Cinthia Kriemler - Se eu escrevo em outros gêneros. Sou contista, romancista e poeta. Nessa ordem. E gosto que seja assim. Escrevo poemas sem muita frequência. Por isso a preocupação que tenho de me perguntar, constantemente, se realmente posso me chamar/ser chamada de poeta. Ainda não me acertei com isso. E nem sei se vou.

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