Conheci Floriano
Martins, quando ele ainda morava em São Paulo, lá pelos idos dos anos 80,
em tempos de Mostra Visual de Poesia Brasileira, junto a um grupo seleto
de amigos queridos, tais como, Uilcon Pereira, Dalila Teles Veras, Luis
Avelima, Celso de Alencar, Cesar Augusto de Carvalho, Gabriel de La Puente,
Márcio Almeida, Roberto Piva, Ricardo Pereira Lima e Hugo
Pontes.
Nosso primeiro encontro se deu em Jardinópolis-SP
em 1985, e logo depois em Batatais-SP, em
1987, os históricos eventos culturais
pensados pelo Gabriel de La Puente, o nosso
Serafim Ponte Grande, como Uilcon Pereira gostava de denominá-lo.
Depois da sua mudança de São Paulo, não nos encontramos mais pessoalmente, mas continuo acompanhando atento a sua vasta produção poética e o seu profundo mergulho no surrealismo como ensaísta e editor.
Floriano Martins (Fortaleza, 1957). Poeta,
editor, ensaísta, artista plástico e tradutor. Criou em 1999 a Agulha Revista de Cultura,
revista de circulação pela Internet. Coordenou (2005-2010) a coleção “Ponte Velha” de autores portugueses da
Escrituras Editora (São Paulo). Atualmente dirige o selo ARC Edições, bem como
a coleção “O amor pelas palavras”, juntamente com Leda Rita Cintra, uma parceria, de
circulação exclusiva pela Amazon, entre ARC Edições e Editora Cintra.
Organizou algumas mostras especiais dedicadas à
literatura brasileira para revistas em países hispano-americanos: “Narradores y
poetas de Brasil” (Blanco Móvil, México, 1998), “La poesía brasileña
bajo eles pejo de la contemporaneidad” (Alforja, México, 2001) e “Poesía
brasileña” (Poesía, Venezuela, 2006).
Também organizou a mostra “Poesia peruana no século
XX” (Poesia Sempre, Brasil, 2008), ao
mesmo tempo em que foi co-responsável pelas edições especiais “Poetas y
narradores portugueses” (Blanco Móvil, México, 2003), “Surrealismo” (Atalaia
Intermundos, Lisboa, 2003) e “Poetas y prosadores venezolanos” (Blanco
Móvil, México, 2006).
Esteve presente em festivais de poesia realizados
em países como Chile,
Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Equador, Espanha,
México, Nicarágua, Panamá, Peru, Portugal e Venezuela. Trabalha ainda com fotografia, colagem e design, tendo realizado exposições e capas de livros. Curador da
Bienal Internacional do Livro do Ceará (Brasil, 2008), e membro do júri do
Prêmio Casa das Américas (Cuba, 2009), Concurso Nacional de Poesia (Venezuela,
2010) e Prêmio Anual da Fundação Biblioteca Nacional (Brasil, 2015).
Professor convidado da Universidade de Cincinnati
(Ohio, Estados Unidos, 2010). Tradutor de livros de Federico García Lorca, Guillermo
Cabrera Infante, Vicente Huidobro, Hans Arp, Alfonso Peña, Juan Calzadilla,
Enrique Molina, Jorge Luis Borges, Aldo Pellegrini e Pablo Antonio Cuadra.
Entre
seus livros mais recentes se destacam Teatro imposible (poesia,
Venezuela, 2008), Fuego en las cartas
(poesia, Espanha, 2009), Escritura
conquistada. Conversaciones con poetas de Latinoamérica (2 tomos,
entrevistas, Venezuela, 2010), Memória de
Borges – Um livro de entrevistas (2 vols, entrevistas, Brasil, 2013), A vida inesperada (poesia, Brasil,
2015), Unpoco más de surrealismo no
haráningúndaño a la realidad (ensaio, México, 2015), Um novo continente – Poesia e surrealismo na América (ensaio,
Brasil, 2016), O iluminismo é uma baleia
(teatro, Brasil, em parceria com Zuca Sardan, 2016), A grande obra da carne (poesia, Brasil, 2017) e Antes que a árvore se feche (poesia,
Brasil, 2020).
Floriano Martins
- | Eu
apenas escrevo. Sou ritualístico, devoto da criação. Ela não se ausenta de mim
um só instante. O que se dá é que não estou sempre a escrever poema. Há
infinitos modos de criar.
Artur
Gomes -
Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Floriano Martins
- Sinceramente,
não tenho. Inclusive padeço de uma falta de memória em relação aos versos, o que
sempre me encabula. Além disto, há sempre momentos em um ou outro poema, meu ou
de outro poeta, que por vezes falam mais alto do que o poema na íntegra, certas
imagens que marcam um dado instante da vida, e naturalmente que sendo a vida
tão perene, tais versos, imagens ou momentos estão a mudar de lugar a cada
hora.
Artur
Gomes -
Qual o seu poeta de cabeceira?
Floriano MArtins
- | Tampouco
tenho. Se for pensar naqueles autores que estão presentes a diário em minha
vida, eu teria que pensar primeiramente em alguns livros e discos, mais do que
propriamente no poeta na completude de sua obra. Os livros de ensaios do Milan
Kundera, os concertos de Keith Jarrett, para dar apenas dois exemplos,
alimentam mais o meu dia do que propriamente algum livro de poemas. Para não
parecer antipático ou mesmo esnobe, menciono aqui um livro que talvez seja
aquele que mais reli e sempre volto a ele como se fosse um quebra-cabeça
gigantesco em que as peças estão sempre a mudar de lugar. Refiro-me à edição
completa de Bronwyn, do espanhol Juan-Eduardo Cirlot, que foi organizada
por sua filha, Victoria Cirlot.
Artur
Gomes -
Em seu instante de criação existe alguma pedra-de-toque, algo que o impulsione
para escrever?
Floriano Martins
- Respirar e seguir respirando. Criar é como
viver. Este certamente é seu principal motivo, o que transcende a própria causa
da escrita. Eu me sinto cheio de vida, de modo que não paro de criar um só
instante.
Artur
Gomes
- Livro que considera definitivo em sua
obra?
Floriano Martins-
Há certa lógica ou obviedade em dizer que será
sempre o último escrito, isto se considerar que o poeta conseguiu superar a si
mesmo a cada livro. Este ano eu publiquei Antes que a árvore se feche, que é uma espécie de inventário, onde
desmonto todos os livros anteriores, além dos inúmeros inéditos, e trato de
lhes dar uma nova concepção, nova estrutura, ao ponto de que pode ser
plenamente entendido como um livro novo. É meu último livro de poemas, e digo
último aqui no sentido de que com ele encerro a minha obra no que diz respeito
à criação de poemas.
Artur
Gomes -
Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com
poesia?
Floriano Martins
- | Sim. Já escrevi e publiquei uma novela e uma
série de cinco peças de teatro, estas a quatro mãos com o Zuca Sardan – também
juntos escrevemos uma fábula. Também já escrevi e publiquei uma peça de teatro,
peça-colagem, reunindo textos meus e de William Burroughs, além de uma
biografia psicografada de William Blake e alguns inéditos roteiros de gibis.
Paralelo à escritura poética sempre esteve presente em minha vida a produção
ensaística e jornalística. Agora que dei por concluídas as etapas referentes ao
poema e ao teatro, vamos ver o que virá pela frente.
Artur
Gomes -
Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?
Floriano Martins
- Os
poemas não precisam disto para se escreverem. Às vezes o próprio poeta pode ser
a pedra no meio do caminho do poema.
Artur
Gomes -
Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem
passará e quem passarinho?
Floriano Martins
-Imaginei
agora mesmo o sorriso maroto do Quintana ao ler esta pergunta. E juntos, ele e
eu, procuraríamos um sentido para ela.
Artur
Gomes -
Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada,
o poeta e jornalista Ademir Assunção,
afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências.
Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Floriano Martins
- - O termo me desagrada por completo. Evidente que podemos falar em
afinidades, aquela irmandade que faz com que pessoas tão queridas como Alfonso
Peña e Amirah Gazel (Costa Rica), José Ángel Leyva, Susana Wald e Eduardo
Mosches (México), Armando Romero (Colômbia), Maria Estela Guedes (Portugal),
Fabrício Brandão, Márcio Simões, R. Leontino Filho e Demetrios Galvão (Brasil),
Enrique de Santiago e Mário Meléndez (Chile)… consigam realizar edições e
eventos. Refiro-me à comunhão de espíritos que fazemos bailar em torno de
nossos projetos editoriais, as revistas e livros que seguimos editando. Tribo é
termo refém de demarcações territoriais, o que é o oposto do que realizamos em
comum os amigos aqui mencionados e muitos outros. Nosso altruísmo falará sempre
mais alto.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Floriano Martins-
Não creio que aspectos como tempo e espaço
alterem o espírito da criação. Não importa em que época estamos ou em que
condições sociais, linguísticas etc. O poeta será sempre um demiurgo, aquele
que cria mundos. O modo como ergue tais mundos, certamente, pode ir além do
objeto de sua criação, ou seja, ele pode também criar condições para que a arte
encontre seu lugar no mundo e o homem encontre seu lugar na arte. Novamente um
termo que soa belicoso, militante, e nem de longe creio que se trate disto.
Artur
Gomes -
Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Floriano Mrtins
- Nunca
penso nas coisas como elas poderiam ter sido. As perguntas que me fizeste aqui
estão e respondi a todas. E certamente agradeço o teu imenso carinho. Abraxas
[Maio
de 2020]
portalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 -
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