Sabemos que dentro de uma ostra , mora uma pérola, escondidinha
lá dentro, um tesouro, mas só podemos conhecê-la, por desejo ou curiosidade, se abrirmos a
ostra, assim mesmo só temos ali uma imagem, uma pedra. Agora, será preciso que
tenhamos uma imensa vontade de conhecer o que mora ali dentro, não mais da
ostra, mas da pedra que acabamos de tirar da sua moradia.
Maria
Mendes, me leva a um caldeirão de metáforas, nessa pérola, que mora escondidinha, também, lá pelas bandas das minas
geraes de Montes Claros, (onde também se esconde Aroldo Pereira). Maria me vem
como Água Viva, água de fogo, numa
turbulência de imagens, que acabam de me
deixar emocionado com a leitura, não apenas dos fragmentos do seu livro: A Casa da Ressurreição, mas também,
pelo seu relato de vida. Me senti ali dentro, fazendo uma viagem de volta, um
vôo em direção a minha tapera , a fazenda cacomanga - matagal onde nasci.
Não faz mais de um mês, que entramos em contato pelo face, e
devo mais este presente ao Lúcio Autran, porque foi através de um comentário
dela, no posta sobre a entrevista que fiz dele, que a encontrei.
Maria
Mendes - Nasci
em 26 de dezembro de 1971, num sítio dos meus pais. Parte da Fazenda do meu
avô. Naquela época a maioria das pessoas desta região ainda criavam seus filhos
na roça até que completassem idade de ir
para a escola. Ainda fazíamos parte da grande família do senhor Major Alexandre
Rodrigues, meu pai, Neto, e minha mãe, bisneta. Naquela época era comum casarem
primos com primos.
Meu pai faleceu cinco meses após o meu nascimento. Eu era
caçula numa família de sete irmãos. Meu pai era lavrador, plantador de algodão. Desde o seu falecimento
minha mãe passou a tomar conta de tudo sozinha, mas não conseguiu evitar a
venda das terras para pagar as carteiras ao Banco. Ficamos com apenas um
pequeno sítio de onde minha mãe tirava a nossa sobrevivência.
Aos dezoito anos quando terminei o ensino médio tive que
interromper os meus estudos. Início da década de 1990, tudo era muito difícil. Não tínhamos como pagar cursinho pré-vestibular
, e o acesso a uma universidade sem essa preparação era para mim, quase
impossível, já que tinha estudado em
escola pública e com poucos recursos, para alcançar o curso que desejava. Era necessário
uma preparação mais intensa.
Três dos meus irmãos estavam morando em São Paulo, assim
começou também minhas intermináveis idas e voltas de Minas para São Paulo. Não
me adaptei na terra da garoa, nem consegui tempo para estudar como eu queria. Assim,
no ano 2000, eu retornei definitivamente para Mirabela; um dos meus irmãos também havia retornado e era proprietário de uma lanchonete e
restaurante. Fui trabalhar com ele, e nas horas vagas eu apanhava os pacotes de
cigarro, arrumava as caixinhas no mostrador. Então abria o verso branco dos
pacotes sobre o balcão, e escrevia, sem imaginar que um dia, aqueles escritos se
tornariam livro.
Os escritos acumularam e eu resolvi passá-los a limpo em um caderno. Ao passar meus
escritos a limpo, ficava encantada com eles. Mas era um encanto meu, como se
não tivesse necessidade alguma que alguém os lessem. Porém, não sabia onde
aquela história ia ter fim, por isso,
enviei meu escritos ao professor Dr em literatura, Osmar Oliva, professor na
Universidade estadual de Montes. Este ficou muito surpreso ao encontrar
semelhanças da escritura de Clarice Lispector em meus escritos, assim me
convidou para ir à sua casa, conversamos
muito, ele me emprestou o livro Água Viva. E como ele próprio relata em seu
prefacio: não encontrou nenhuma cópia de Clarice. Eu, porém, ao reencontrar a nova Clarice em Água
Viva, ainda que não me lembrasse que ela teria passado pela minha infância, fiquei
deslumbrada com a comparação.
Sou eternamente grata ao professor Osmar Oliva por ter visto
em meus escritos o belo literário.
Assim, graças ao entusiasmo e ao apoio desse ilustre amigo, voltei a
estudar em casa, e também cursei um pre- vestibular gratuito da prefeitura de
Montes Claros por um período de quatro meses. Logo após, tentei vestibular e
fui aprovada pela Universidade Estadual de Montes Claros, no curso de letras
português. Terminava um longo período de 15 anos longe dos estudos. Antes
disso, porém, fui aprovada em concurso para professora das séries iniciais, pelo município de Montes
Claros. E lá estou até hoje.
Artur
Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Maria
Mendes - Escrever, para mim, é uma necessidade essencial; e essa
ação acontece muitas vezes por intermédio de uma imagem. As flores do meu
quintal falam, o Riachão fala, a serra
fala, as montanhas falam, a estrada fala, os animais falam. Nem sempre a
linguagem das rosas, mas muitas vezes a linguagem dos cactos que sobrevivem
entre as pedras e resistem oferecendo uma belíssima flor vermelha para ironizar
uma vida seca. É isso que exprime o
fluir da minha escrita __ como não falar por eles? Ou como não escrever o que
eles falam por mim? A minha
fluência verbal funda-se em observação e
silêncio; assim se processa.
Quando escrevo não tenho medo da gramática com seu esqueleto
cheio de regras duras e ossificadas, nem da sua caveira com olhar escuro e
sombrio; nem do riso escancarado, irônico, e desafiador. Aceito lutar com ela e
lhe atiro palavras. Não palavras de pedras, mas palavras de barro, palavras de
lama, palavras de areia colenta... Meu objetivo não é destruí-la, mas recompô-la,
apesar de seu aparente rancor. Assim vou
preenchendo os espaços mais complexos desse esqueleto que pouco a pouco vai
ganhando um corpo bonito, com formas sinuosas, curvas perigosas que destaco e
realço com a mais cara das linguagens que posso alcançar. A matéria encaixa-se
pouco a pouco nas lacunas frias da Língua esquelética e formal, convertendo-se
em oração nos núcleos mais complexos do seu corpo; a
caveira ganha um rosto, minha palavra é
luz que inunda seus olhos, a arcada dentária, agora, sorri.
Quando escrevo não tenho medo da gramática. Confesso: tenho
medo das vírgulas.
Escrever me desintoxica.
Artur
Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua
admiração.
Maria
Mendes - Bom, não é bem um poema. É uma narrativa poética de minha própria
autoria. O primeiro que escrevi: A casa
da ressurreição. Inspiração que revelou o meu ser poético e que resultou em
livro embora na forma de uma prosa metafórica e poética. Desde criança os
livros me encantam, mas não tenho preferência por nenhum poema ou livro em
especial, a não ser aquele que os próprios livros ajudaram a brotar de mim, ou
seja: A casa da ressurreição.
O desenho no papel das paredes lembra a nota da canção dos
pássaros, ou é própria canção dos
pássaros? Parece que me encontro em cada porta, as janelas abertas para o
infinito deixam entrar a luz. Depois de olhar as jangadas se perdendo ao longe,
desaparecendo com o entardecer, eu virei com o meu coração apertado, como um
tinteiro transbordando e vou -me sentar
afundando as mãos numa argila de letras; e como amo este ofício, aqui Deus
parece acolher-me...
O que está escrito nas folhas? As folhas que se abrem como
algas, como palmas, como estrelas; as folhas como multidões de mãos postas em
oração, de mãos expostas para o céu; eu sou como a mamoneira de frente à minha
janela. De volta a essa paz, inacreditável é
esse sonho, o amor é como sempre um mistério; trago em um cofre este
segredo que se vai revelando pouco a pouco.
Já abri as portas e janelas, deixei entrar o vento, já revi as flores, jasmins e trepadeiras,
admirei a beleza dos arbustos ornamentais, as árvores que cresceram sem medida e
essa vontade de ficar é tão grande.
(...)
A silhueta, nessa página de luz, desenha ondas sonoras; a
fonética está tatuada, os monossílabos trazem o eco da melodia de uma harpa. A
palavra vibra numa eclosão de som e significado. A enorme janela está despida
de cortinas, revelando o interior desta casa...
Será como plena luz do meio dia em minha vida, a luz que
entra numa gruta, iluminando-a profundamente e vaza pelas gretas dando um
espetáculo de frestas, é como se as paredes fossem matizadas de diamantes e, a
noite, o céu viesse abaixo com seus astros. Uma porta de cristal se abre por
meio dessa comunicação e um arco-íris de luz se faz. Como expressar tanta maravilha?
Artur
Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Maria
Mendes - Não tenho. Gosto de muitos como Drumonnd, Vinicius de
Moraes, Cora Coralina, Cecília Meirelles, Fernando Pessoa, Mário Quintana,
Manoel de Barros, Manoel Bandeira, Osmar
Oliva, e outros tantos que eu poderia continuar citando aqui, mas nenhum é
ainda meu poeta de cabeceira.
Conheci recentemente Lúcio Autran e estou encantada com sua
poesia, com a sensibilidade e embora não tenha ainda nenhum livro dele, já faz
parte do grupo dos que admiro.
Artur
Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque,
algo que o impulsione para escrever?
Maria
Mendes - O ato de escrever,
para mim, é quase uma questão de “sobrevivência”.
Já que isso me proporciona um
indizível bem estar. Eu chamaria de ENTUSIASMO
essa “pedra de toque"
algo a que me proponho fazer, e nisso mergulho inteira como se estivesse
construindo um castelo, ou fazendo uma viagem pelo mar num belo navio, ou como
se estivesse a apreciar a árvore florida que com tanto amor cultivei, e esta atraísse os pássaros, que fossem os
comuns bem-te-vis, eu já estaria arrebatada. Sim, eu preciso estar entusiasmada
para escrever, ainda que seja com a própria palavra como me acontece agora
enquanto respondo esta entrevista.
Artur
Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Maria Mendes - Meu histórico de publicação ainda está apenas
começando. Mas eu já considero “A casa da ressurreição” como definitivo porque
nesta obra eu faço uma casa que a imaginação do leitor pode recriar ou
imaginar, mas que no entanto já é uma casa eterna.
Artur
Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra
forma de linguagem com poesia?
Maria
Mendes - Eu gosto das
imagens. Então eu tenho tentado fotografar poeticamente. E os meus textos em
prosa,muitos deles são poéticos. Tenho um conto que rima do início ao fim. Está
em um livro que ainda não foi publicado: O Rio que corre entre pedras. O conto
poético é a história dos meus
gatos,onde curiosamente, de forma não
intencional as rimas fluíram até o final do conto.
Maria
Mendes - Bom, a função da escrita em minha vida é remover as pedras do meio do meu caminho.
Então o primeiro texto literário que não me lembro qual, foi para remover
pedra, e assim, quanto mais pedras, mais escritos.
Artur
Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise
virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Maria
Mendes - Esta é uma pergunta difícil. Mas, eu, com certeza,
passarinho. Ao menos é o que desejo.
Artur
Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e
jornalista Ademir Assunção, afirma
que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de
onde vem, qual é a sua tribo?
Maria
Mendes - Bom, eu venho de tempos distantes, tempo da minha
infância. Histórias que ouvi minha mãe contar que o meu avô contou para ela,e
que minha bisa contou para o meu avô, por aí afora. Tempos dos primeiros anos
da escola em que li todos os livros infantis de Clarice Lispector, e sem saber,
injetei no sangue cristalino que corre nas veias de minha literatura o meu
deslumbramento por essa estrela que ficou esquecida por um longo tempo em minha vida depois que me tornei adulta, e que
renasceu em meus escritos no verso de papéis brancos de pacotes de cigarros nos
momentos vagos em um balcão de uma lanchonete. Foi assim que nasceu A Casa da Ressurreição. No que se
refere às tribos, me considero peregrina, e todos estão sob minha observação.
Artur
Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de
poesia?
Maria
Mendes - É não ter medo de
ser louco. E fazer desses momentos de “loucura"
a melhor hora da vida da gente.
Artur
Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Maria
Mendes - Bom, para mim você
fez todas as perguntas. Inclusive a essencial que está subentendida nas
entrelinhas de minhas respostas.
Fulinaíma
MultiProjetos
portalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 - whatsapp
Parabéns pela entrevista. Abraços FRATERNOS.
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