sexta-feira, 22 de maio de 2020

Wilson Coêlho - EntreVistas



No mês de setembro de 1990, estávamos  em Registro-SP, com Gabriel de La Puente, Uilcon Pereira, Dalila Teles Veras, Hygia Ferreira, Carlos Careqa, Hélio Letes, Leila Míccolis, Costa K, o saudoso Caio Fernando Abreu e uma troupe imensa de poetas, escritores, pintores, atores, músicos e palhaços  para a realização do  Seminário -  Brasil:  Cultura & Resistência. Além de performances poéticas, minha atividade no evento foi também dirigir uma Oficina de Teatro, com o título: Uma Pedra No Meio do Caminho.

E foi nessa Oficina que conheci Wilson Coêlho, e a sua maestria de lidar com as questões teatrais. me lembro de um dos exercícios que apliquei, onde os participantes da Oficina eram lavados a carregar "pesadas pedras", Wilson  literalmente as tirava do "meio do caminho".
Pela internet intensificamos o nosso contato pós Registro.  Voltamos a nos encontrar em 2015, quando ele ainda trabalhando no Sesc Glória em Vitória, me levou para dirigir a Oficina Poética do Amor e Outras Poéticas na Poesia de Paulo Leminski e Torquato Neto.

Vale lembrar também, que foi em Registro que conheci Ademir Antonio Bacca, onde ele me convidou para a primeira edição do Congresso Brasileiro de Poesia que foi realizado em Nova Prata-RS.

Wilson Coêlho - é poeta, tradutor, palestrante, encenador, dramaturgo e escritor com 20 livros publicados, licenciado e bacharel em Filosofia e Mestre em Estudos Literários pela UFES, Doutor em Literatura Comparada pela UFF e Auditor Real do Collège de Pataphysique de Paris. Como professor universitário lecionou disciplinas de filosofia, ética, ciência política, artes e lógica. Assina a direção de 24 espetáculos montados pelo Grupo Tarahumaras de Teatro, com participação em festivais e seminários de teatro no país e no exterior, como Espanha, Chile, Argentina, França e Cuba, ministrando palestras e oficinas.

Wilson Coêlho  um Diabo no Paraíso

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Wilson Coêlho -  Num estado de ebulição, a ebulição da escrivatura. Como dizia Ezra Pound, é preciso uma técnica para se escrever um poema. Mas ao final deste a técnica utilizada para criá-lo deve ser jogada fora, pois cada poema tem sua própria dinâmica e na própria necessidade de criação a poesia se reinventa e processa o estado para a sua passagem. Há momentos em que a poesia, como um feto num estado avançado de desenvolvimento, ela mesma rompe a bolsa e impõe seu nascimento. Obviamente, o poeta tem que estar atento para esse apelo da poesia que quer nascer. Acho que é bem assim comigo. A solidão, mesmo que provocada, contribui bastante com esse fenômeno do nascimento da poesia.
Artur Gomes - Seu poema preferido?

Wilson Coêlho - Depende do momento. Agora, por exemplo, talvez impulsionado pela situação atual, lembrei de “Para as Parcas”, de Friedrich Hölderlin. Mas tenho muitos poemas na memória. Aliás, sou de uma geração que era impossível chegar à noite num bar e não ouvir uma poesia. Seja de um amigo sentado com a gente na mesa, seja de um bêbado analfabeto pedindo uma cachaça recitando Augusto dos Anjos, Olavo Bilac, Emílio de Menezes e tantos outros. A poesia era a maneira mais revolucionária de qualquer cidadão se manifestar. Estou falando do final da década de 70 e o início de 80. Felizmente, vivi esse paradoxo. Por um lado a ditadura que não entendia nada da arte, mas pelo outro a rebeldia que se dava pela poesia.

Dos meus, gosto desse do livro WEQUERA pp. 33-38


CONSOLO DE PRECIPÍCIOS

Meu anjo de asas abertas
no ilimitado da esbórnia
Meu sonho de fronhas transparentes
que invade narcótico em mim dormir
Meu céu de raios esfuziantes
a cegar meu espírito de ver o tempo passar
Minha fantasia de pele selvagem
roçando meu corpo de arrepiar
Minha ostra de mistérios noturnos
onde guardo a pérola negra de viver
Meu pássaro cantador
rastreando volúpias de ar
Minha boca de lábios calmosos
e dentes alvos de minar sorrisos
Minha cigarra amiga
a seduzir brumas inquietas de silêncio
Meu consolo de precipícios
abrindo atalhos do viver edênico
Minha música divina
de abrasar minha alma descontente
Minha fera mansa e suave
de arranhar carinhos em meus muros
Minha ilha favorita
a recolher-me náufrago profeta de anseios
Minha deusa vestida em ondas
no oceano de loucas vontades
Meu demônio de olhar ingênuo
a provocar desejos de teu inferno
Meu pedaço de paraíso
que me faz serpente-flor viva de suicidar
Meu terremoto de emoções
ruindo tijolos de minha fortaleza
Minha sereia de águas turbulentas
no balanço de tuas ondas
atiro-me desesperado
aos segredos de teus mares
e enfeitiçado de canto
– me encanto –
até não mais poder negar
que estou te amando.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Wilson Coêlho - Depende da cama onde durmo, depende do que converso antes de dormir. Mas não posso negar que ultimamente tenho na cabeceira de minha cama o livro "Poetas da América de Canto Castelhano", organizado por Thiago de Mello, contendo diversos poetas latino-americanos com alguns dos poetas da América Latina nos últimos cem anos. Aliás, estou apaixonado com a poesia da colombiana Andrea Cote Botero.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Wilson Coêlho - Num primeiro momento, eu poderia dizer que a pedra de toque para eu escrever algum livro passa pela necessidade. É alguma coisa que estou pensando, um questionamento do mundo e de mim mesmo que sinto a necessidade de dividir isso com outras pessoas, porque acredito que o que sinto não é só meu, mas é fruto de um momento da vida do grupo em que convivo e da sociedade em que estou inserido. Depois, o que impulsiona a escrever é algo que não tenho nenhuma justificativa plausível no campo da lógica. Escrevo como quem necessita respirar. Escrevo como uma impossibilidade de não escrever.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Wilson Coêlho - Não tenho nenhum livro que considero definitivo na minha obra. Isso me parece muito complicado, inclusive, acho uma grande proeza de Gabriel García Márquez que ganhou o prêmio Nobel com “Cem anos de solidão” e ainda conseguiu se fazer querido e bastante lido com todas as suas outras obras. Ter um livro como definitivo na obra é muito perigoso para o autor, pois os leitores vão sempre exigir dele algo que seja “melhor”. E a ideia de melhor ou definitivo é flutuante e depende de uma série de outras questões.

Acho que cada obra é definitiva em si mesma. Não há como comparar e eleger um lugar de destaque, exceto, por alguns parâmetros, como o que vendeu mais, o que rendeu melhor crítica, etc. Também não descarto a ideia de um livro que o próprio autor goste mais, tanto pelo tema explorado quanto, a linguagem, etc. Mas eu não tenho predileção por nenhum de meus livros, inclusive, quando os leio sempre imagino que poderia fazer melhor.

Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Wilson Coêlho - Todo o esforço que faço para escrever é um exercício em prol da poesia, seja ela em verso ou em prosa. O que procuro é a poética. Na verdade, eu poderia aqui eleger uma tríade, considerando as categorias “poiesis”, “aisthesis” e “catarsis”. 

Primeiramente, entendendo a “poiesis” como o saber-fazer-poético como possibilidade de estranheza do conhecimento oferecido pela ciência e outras atividades normativas e extratificadas de nossa sociedade. Depois, pensar na “aisthesis” como o gozo estético, experimentando o sentido e a sensação.

E, ainda, no caso da “catarsis” como possibilidade de liberar o “Eu” de suas convicções subjetivas. A partir desse entendimento, toda a minha escrita, pelo menos ao que me proponho, é uma busca de ruptura com os gêneros literários, onde a busca, o foco, é que a poesia seja protagonista. Tenho 20 livros publicados, entre poesia, romance, contos, história e dramaturgia, mas o que sempre persegui foi a poesia, a poética.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?


Wilson Coêlho - Primeiramente, confesso que meu caminho sempre foi repleto de pedras. Acho que começa com a pedra fundamental, a necessidade de escrever um poema, uma tentativa de me ver em versos o que imagino que sou, ao mesmo tempo em que quero fazer do interlocutor aquele que, independente do que me vejo, me vê de acordo com a capacidade que tive de dizer de mim ou de como vejo o mundo.

Depois, tem as pedras cascalhos, as pontiagudas, as que distraidamente chutei quando caminhava ao destino de mim mesmo diante do mundo em redor. Também tem as pedras preciosas que, ao mesmo tempo em que me são um alento se transformam num tormento. A essas pedras a que chamo preciosas, entendo as leituras que tenho de grandes poetas. Elas me são um alento na medida em que se tornam referência e matéria-prima como ponto de partida para exercitar a vontade de escrever.

Mas também se dão como tormento a partir do momento em que me colocam numa condição de sofrimento na tentativa de escrever bem e estar à altura desse conhecimento. No fundo, não posso eleger um poema em que no momento da criação havia uma pedra no caminho, ou seja, todos os poemas que escrevo são antecedidos por uma pedra, quase uma lápide.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Wilson Coêlho - Eu acredito, numa rápida e superficial reflexão, que a própria vida é uma crise permanente. Viver é administrar crises. Por um lado, entendendo que viver é superar a mera condição de existir. Mas para transcender o fato de apenas existir, além da necessidade do humano entender-se como tal tanto na relação com a natureza, consigo mesmo e com o outro, também tem que enfrentar histórica e socialmente uma série de mudanças, não só por uma espécie de contingência que é o ato de viver entre os acasos que a vida impõe em suas várias tentativas de dar significado ao mundo, mas, ainda, ele está refém de grupos poderosos e dominantes dos processos econômicos que definem os sistemas políticos.

Por outro, como é o caso dessa crise virótica pandêmica, apesar de passageira, não é a primeira e nem a última que a humanidade vai ter que enfrentar. E de tantas pandemias que o mundo já experimentou, “revisitando Quintana”, pode-se notar que desde o título “Poeminha do contra” ele já nos “dá uma deixa”, ou seja, há algo na questão que precisa ser superado. Levando em conta o poema:
“Todos esses que aí estão / atravancando meu caminho, / Eles passarão... / Eu passarinho!”
Estamos, neste momento e de certa forma, experimentando uma situação inusitada. Refiro-me ao “isolamento social” que, em muitos sentidos está se dando quase como uma nova forma de aproximação ou possibilidade de comunicação. É interessante o poder de um vírus em fazer muita gente enxergar o que nunca se conseguiu através de tantos discursos de esquerda. O fato de milhões de pessoas ficarem em casa, ou seja, de não irem ao trabalho, deixou muito claro no desespero das classes dominantes de que quem produz o capital e faz o mundo girar é o trabalhador.

Na arte, por sua vez, está acontecendo um movimento muito interessante, considerando que tendo sido fechados os equipamentos culturais formais e/ou comerciais, as janelas, os alpendres, os vídeos e outros espaços improvisados estão dando uma enorme vazão a produção artísticas dando acesso a muita gente aos festivais de música, de teatro, contação de histórias, recitais, etc. Creio que está sendo uma oportunidade riquíssima para muitas pessoas terem a consciência de quão importante é a arte em suas vidas. E, voltando à questão, com uma certa dose de otimismo, eu poderia afirmar que “Todos esses que estão aí atravancando meu caminho”, os fascistas, os exploradores, os mercenários e essa burguesia medíocre, estes passarão. E nós, os artistas, o povo oprimido e os que estão do lado da vida em detrimento da economia dos predadores... passarinho. Tenho a certeza de que não será fácil, mas há um caminho andado e muitas consciências despertarão para o entendimento de que a história do safari, até então contada somente pelos caçadores, tem uma versão do ponto de vista dos elefantes.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Wilson Coêlho - Para mim é praticamente impossível responder a essa pergunta não me sinto pertencente a nenhuma tribo em especial, talvez eu uma espécie de exógeno e nômade por transitar por diversas delas, desde os existencialistas até os rebeldes, passando pelo romântico ou pelo cético e há uma série de outras que não sei sequer nomear.

Mas no que diz respeito às minhas referências, também são muitas desde a minha trajetória de leitor. Daí posso citar Homero, Virgílio, Safo, Fernando Pessoa, Blaise Cendrars, Paul Claudel, Antonin Artaud, Torquato Neto, Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto, Pablo Neruda, Pablo de Rokha, Nicanor Parra, Alejandro Jodorowsky, Vicente Hidobro, Cesar Vallejo,Vinicius de Moraes, Cecília Meirelles, Gabriela Mistral, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Leminski, Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira, Ana Cristina Cesar, Rainer Maria Rilke, Walt Whitman, Arthur Rimbaud, Rúben Dario, Mario Benedetti, Florbela Espanca, T. S. Eliot, Ezra Pound, Edgar Allan Poe, Lord Byron, William Blake, Dante Alighieri, Luis de Camões, Joaquim de Souzândrade, Julio Cortázar, Emilio Moura, Mário Quintana, Raimundo Correa, Jorge de Lima, Alberto Renart, Salvatore Quasímodo, Tomás Antonio Gonzaga, Raul Bopp, Pedro Casaldáliga e mais uma infinidade deles como, por exemplo, praticamente todos os beatniks, além de muitos dos contemporâneos.

Mas essas são minhas referências como leitor e não consigo dizer que esse ou aquele tenha influenciado meu trabalho, considerando que não persegui uma linha na escrita e ela se compõe um pouco de cada um deles, uns menos e outros mais, embora eu não saiba nomear e hierarquizar.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Wilson Coêlho - Uma bela resposta para essa pergunta, creio que seja a de Torquato Neto quando diz que


um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela.” 

Qualquer tentativa de responder diferente, pelo menos para mim, pareceria piegas. Assim como não sei bem se há uma diferença entre ser poeta antigamente e nos dias atuais. Não no que diz respeito à criação, mas no que se refere a uma série de questões que atualidade impõe na forma de viver, acho que nos dias atuas a poesia é muito mais necessária, tendo em vista que o poeta pode tentar devolver à vida o que a sociedade de consumo, das aparências e do mau gosto consumiu.

Trazer de volta a poesia que a velocidade do mundo atual tirou das pessoas e das coisas. E ser militante da poesia é um pouco disso, essa vontade de dizer do que não existe e fazer com que exista a partir da poesia. Despertar a percepção, o estranhamento. 

Artaud dizia que “o mais importante nos acontecimentos atuais não são os acontecimentos em si mesmos, mas o estado de ebulição moral no qual eles mergulham o espírito dos homens”.

Talvez esteja aí o xis da questão para o poeta, conseguir penetrar neste estado de ebulição em que as pessoas estão mergulhadas.


 

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?


Wilson Coêlho - Não tenho nenhuma pergunta em especial que eu gostaria de responder e, conforme as que enviei, pode fazer outras se alguma coisa não ficou muito clara.

Fulinaíma MultiProjetos
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2 comentários:

  1. Muito bom! Adorei a sensibilidade desse homem, o Wilson! adorei sua união com a literatura e viagens com arte Wilson, desejo tudo de melhor e continue caminhando.Com carinho NL

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    1. Muito obrigado, Neuza. Só agora vi seu comentário e fico contente com suas observações. Abraços.

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