sexta-feira, 1 de maio de 2020

Mô Ribeiro - EntreVistas



Tenho lido a poesia dessa mineira, pelas postagens nas revistas digitais. Estamos em contato no face há bem pouco tempo, mas sinto que é como nos conhecêssemos desde que esta plataforma existe.  Nas minhas provocações em profanar o sacro, brinco que faço parte de uma santíssima trindade grande foi  minha satisfação quando tomei conhecimento do título do seu livro de poemas que será lançado este ano pela Penalux: Paganíssima Trindade, uma excelente companhia no catálogo da Editora para o meu Juras Secretas lançado em 2018.

Mônica Ribeiro, ou Mô Ribeiro, é mineira de Belo Horizonte. Arquiteta de formação, descobriu-se poeta por insistência do inconsciente. Participou da antologia É Urgente o Amor, Edições Vieira da Silva, Portugal, e também da Antologia Ruínas, da Editora Patuá. Foi publicada pelas revistas Caliban, Germina, Literatura & Fechadura, Mallarmargens e Revista de Ouro, entre outras. Irá publicar este ano seu primeiro livro de poemas, Paganíssima Trindade, pela Editora Penalux.
Veio ao mundo em 1971 e deu trabalho para vir à tona: o parto foi de fórceps. A escrita, ao contrário, vem nas contrações que dão à luz seus poemas. Partos rápidos, mas não sem dor, e depois o cuidado com a cria. Assim é sua escrita.

 Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Mô Ribeiro - Eu chamo meu processo de escrita, que posso chamar de estado de poesia, de Paganíssima Trindade. Este, aliás, é o título do meu primeiro livro, a ser publicado pela Editora Penalux.

Como isto se dá? Sempre senti o pensamento – de modo geral, e não apenas no sentido literário – como uma voz sem timbre. Soma-se a isso o fato de que digito muito rápido e, a partir daí, vejo surgir quase que simultaneamente o resultado gráfico da experiência de pensamento e digitação.

Pensamento-voz-sem-timbre, dedos rápidos no teclado e o resultado gráfico acontecem quase ao mesmo tempo. Sintetizando, como diz uma amiga, a poeta Mell Renault, pode-se dizer que me ocorre um processo quase uno de pensamento-ação-signo. Por isso o nome Paganíssima Trindade.

Posso acrescentar ainda que meu estado de poesia vem de meu estar no mundo, da existência filtrada pelas palavras. Aí incluo tanto questões banais quanto aquelas complexas. Ambas se mesclam no estado poético.

Artur Gomes - Seu poema preferido?

Mô Ribeiro -Não tenho um poema preferido. Tenho poemas preferidos em ocasiões específicas. Poderia citar agora Eros e Psique, do Fernando Pessoa.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Mô Ribeiro - Vou repetir aqui o Fernando Pessoa. Quando o leio, é como se alcançasse meu “eu profundo”.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Mô Ribeiro –O tempo todo sinto vontade de escrever, mesmo que isso nem sempre se concretize. Tenho momentos de silêncio associados à vontade de produzir palavras, o que me causa certa angústia.

Quanto à pedra de toque, meu impulso para a escrita é o inconsciente. É dessa instância que surgem as primeiras ideias, o pulso da escrita.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Mô Ribeiro - Lembro-me do poema do Pessoa, “SIM, sei bem”:(...) Sei de sobra/ que nunca terei uma obra.(...). Por um tempo, pensei que jamais publicaria um livro. Num impulso, a partir do incentivo de uma amiga, resolvi mandar o original de Paganíssima Trindade para editoras e tive resposta positiva.

Portanto, ainda não tenho uma obra que seja definitiva, apesar de escrever muito e já há algum tempo. Penso que meu primeiro livro me trará uma experiência marcante e que será, para mim, um divisor de águas no que diz respeito a produzir poesia.

Artur Gomes - Além da poesia em verso,já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Mô Ribeiro - Antes de começar a escrever poesia, eu produzia apenas prosa; crônicas, sobretudo. Ao burilar os textos, sentia que havia algo de poético no que escrevia, mas tal sentir acontecia de forma inconsciente. A partir de meu encontro com a escrita de poemas, tive consciência do fazer poético na minha escrita de prosas.

Tenho uns poucos poemas escritos em forma de prosa, e este é um modo de escrita que pretendo explorar mais.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Mô Ribeiro - Meus poemas em geral dizem de pedras no meio do caminho, e sua pergunta me fez perceber isso. Procurei em meus arquivos poemas que dizem literalmente a pedra. Um dos que encontrei foi este:

uma pedra me encontrou no caminho
me desafiou
seguir adiante exigia escalada
e a pedra impassível
mudei de caminho

Poderia colocar aqui inúmeros poemas-pedra que não falam diretamente sobre esse elemento, mas resolvi ser literal.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Mô Ribeiro - Acho que não passará o passaredo, que não passarão os passarinhos: estes ficarão incólumes. Outro dia matutava sobre o fato de que os peixes, por respirarem por meio d’água, estão a salvo do novo vírus. Embora passarinhos respirem diretamente o ar, estendo a ideia dos peixes a eles.
Penso que esta experiência que estamos vivendo nunca passará completamente ou que, no mínimo, nos marcará de forma eloquente. Porém, o que mais sinto no momento é uma indefinição quanto a nosso futuro.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Mô Ribeiro -Venho do meu interior: minha escrita é muito pessoal. Então não tenho tribos, grupos. Leio variados autores. Gosto de me ver solta, de não fazer parte de grupos que se auto alimentam. Desta forma, penso que as experiências de leitura e de escrita se expandem.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Mô Ribeiro -Li a entrevista da Amanda Vital e concordo com ela quando diz que ser poeta e ser militante de poesia são coisas distintas. Há militantes que não escrevem, mas que fazem muito pela divulgação do fazer poético.

Poetas ou não, os militantes de poesia hoje contam com as redes sociais e com a internet em geral para difundir tal forma de literatura. As revistas online são um bom exemplo, e acho que cumprem um importante papel. Você, com seu projeto de entrevistas, é fundamental nesse quesito.
Quanto ao que é ser um poeta, esta é uma pergunta que eu tento responder escrevendo. Não sei se um dia saberei. Talvez a responda aos poucos, a cada poema que escrevo.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Mô Ribeiro - Achei excelentes as perguntas. Ao respondê-las, pude refletir sobre aspectos da escrita que não me eram tão claros. Gostaria de lhe agradecer muito pela oportunidade da entrevista e de parabenizá-lo por seu trabalho.

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