sábado, 2 de maio de 2020

Fernanda Villas Bôas - EntreVista


Conheci Fernanda no Sarau POLEM, em 2018, quando ainda era realizado na Rua Mem de Sá na Lapa. Era noite de lançamento do meu Juras Secretas e naquela mesma noite trocamos livros, e ganhei dela o seu Alta Voltagem.

Desde então,  são bem numerosos os nossos encontrospelos Saraus nas noites do  Rio,  em sua maioria no POLEM, onde ela é frequentadora assídua. Mas nos encontramos também uma vez no Sarau Fio Cultural,  organizado pela Clécia Oliveira, em Santa Teresa e na primeira edição da Balbúrdia Poética em 2019 na La Taberna de Laura, onde ela fez uma das performances mais emocionantes da noite.

Fernanda Luiza Kruse Villas Bôas nasceu em Recife, Pernambuco, no Brasil. Aos cinco anos veio morar no Rio de Janeiro com sua família, partindo para Washington D.C com a família por quatro anos durante sua adolescência. Lá terminou o ensino médio e cursou um ano na Georgetown University. Fernanda tem uma rica vida acadêmica. Professora de Inglês, Português e Literaturas, pela UFRJ, Mestre em Literatura King´s College, University of London. É Mestre em Comunicação pela UFRJ e Psicóloga pela Faculdade de Psicologia na Universidade Santa Úrsula, com especialidade. Em Carl Gustav Jung em 1998. É escritora e psicóloga junguiana e com esta escolha tornou-se uma amante profunda da arte literária e da alma, psique humana.

Fernanda Villas Bôas tem vários livros publicados, tais como: No Limiar da Liberdade; Luz Própria; Análise Poética do Discurso de Orfeu; Agora eu era o Herói – Estudo dos Arquétipos junguianos no discurso simbólico de Chico Buarque e A Fração Inatingivel; é um fantasma de sua própria pessoa, buscando sempre suprir o desejo de ser presente diante do sofrimento humano e às almas que a procuram. A literatura e a psicologia analítica, caminham juntas. Preenchendo os espaços abertos da ficção, Fernanda faz o caminho da mente universal e daí reconstrói o caminho de volta, servindo e desenvolvendo à sociedade o reflexo de suas próprias projeções. 

Em Poesia publicou também os livros: Alma Lasciva , Alta Voltagem, Ave do Paraíso e No Coração da Loucura

Artur Gomes -  Como se processa o seu  estado de poesia?

Fernanda Villas Bôas - O estado de poesia nasce subitamente através das  imagens inconscientes que pedem passagem para se tornarem palavras. Não processo nada. Há uma vibração forte que escancara as janelas do invisível, amplia o universo trazendo a ilusão da divindade e me dando o poder da criação através das letras. Paixão, letra, língua se unem em versos. Nunca faço rascunho, nem de mim mesma. As palavras brotam a seu ritmo e gosto.  Jorram e se inventam desde o inconsciente. A poesia é a mais pura expressão do espírito. É Luz. A poesia me faz viva.Uso a poesia como matéria prima para relatar minhas impressões do mundo.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Fernanda Villas Bôas - São vários. Não tenho predileção por um poeta. Diria que meus queridos lidos são: Fernando Pessoa, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade, Paul Eluard, João Cabral de Melo Neto, Cora Coralina, William Blake, entre outros e outras.

 Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Fernanda Villas Bôas - Não há um exato. Na vastidão da literatura, escolho o poeta que está mais perto do meu sofrimento e do meu sonho naquele tormento. Às vezes, eu mesma me escolho.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Fernanda Villas Bôas - A perda, o desespero, o abandono, o sexo. Eros e Tânatos  seriam primordiais. Os poemas, construídos a partir de intenso exercício subjetivo, ganham mundo como a dor de vários partos. Há suor, há lágrimas, há uivos lancinantes, há sangue em metáforas de vida.

Artur Gomes -  Livro que considera definitivo em sua obra?

FwenNS VillA Bôas - Alta Voltagem (2017: Editora Chiado)

O Deleite da Alma

Na menina dos seus olhos
Deito-me macia
Em suas pálpebras a fazer cócegas.
Solutio.
Em nossos silêncios molhados.

Artur Gomes - Além da poesia em verso  já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Fernanda Villas Bôas - Sim. Muitas vezes, minha prosa vem em forma de poesia.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Fernanda Villas Bôas - Foram muitas pedras. Na busca de sentido, a poesia inventa expressões próprias para interpretar esteticamente todos os conteúdos do inconsciente que são muitas e variadas pedras no meio do caminho.

O Medo e o Amém

Percebo gotas da morte
Pingarem aos poucos
Na minha cabeça
Me avisando
Que a hora está por vir.

Resiste a poesia, sem responder  exatamente a todas as perguntas que fazemos sobre nossas infelicidades. Segue questionando até o fim. Apenas, tornando as pedras, flores imaginárias, minimizando as perdas, as dores da alma para fazer brilhar instantes mágicos de gozo e alegrias. Creio que todos meus poemas são pedras que tirei do meu caminho. 

Escrevia nas mãos/ e sempre me disse/sou estranha/ escrevia e ria/ do nosso desencontro/caíram tempestades.

( in No Coração da Loucura)

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Fernanda Villas Bôas - Todos passarinhos. Voaremos no tempo e movimento. Dialeticamente não há o mesmo rio. As águas jamais são as mesmas, diz Heráclito.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz  as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Fernanda Villas Bôas - Consciente do saber e do sabor lúdico, agridoce inebriante da palavra, poeta-arquiteta esgrimo com engenho à parte frases bailarinas em construções desarmônicas e relação incestuosa com significados distintos no contexto sem pertencer a uma tribo específica, mas tendo meus primeiros passos na geração dos anos 70, com Carlos Henrique Escobar, Claudio Leal Cacau entre os demais. Na época fui estudar Psicologia e fiz voo solo por muito tempo.

E calada
A mente me avisa
Somente entre fardos
Entregues a você.
Todo o mundo
Na caixa de pandora.
Solta no mundo
Desatenta e pelo avesso
Atravesso somente este hiato
Em que todas as vozes me possuem

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Fernanda Villas Bôas - Um ser poeta é atualmente um ser que critica o status quo do seu ponto de vista e sua forma de derrubar modelos enraizados na tradição literária, como rima, figuras de linguagem, métrica em busca de uma forma impactante e revolucionária. Não gosto da palavra militante na poesia, uma vez que não milito nada. Transformo. Revoluciono a palavra feminina tão submissa ao longo dos séculos

 Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Fernanda Villas Bôas - Nenhuma. Está completa a entre vista.

Sou a palavra impetuosa
E palavra que sente e canta, sussurra
As maravilhas da dor
Quando o coração bate ligeiro
No descompasso da fala.

( in Alta Voltagem)

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