segunda-feira, 25 de maio de 2020

Marcia Barroca - EntreVistas



Conheci Marcia Barroca, pelas noites cariocas de poesia, faz algum tempo já. Ultimamente temos nos encontrado no POLEM, graças ao Marcelo Mourão, que por 10 Anos produz esse belo e importantíssimo Sarau no Rio de Janeiro. Dela tenho o livro "desembrulhando o tempo na chama rubra de erotismo celta" e dele já postei diversos poemas na Balbúrdia Poética,   foi na Balbúrdia que nos encontramos pela última vez, na Taberna de Laura, em Copacabana em outubro de 2019.


Marcia Barroca  - é poeta mineira, formada em letras pela Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras Santa Marcelina, Muriaé/MG. Mora no Rio de Janeiro há mais de 40 anos e pertence a várias academias literárias, ao PEN Clube do Brasil, a APPERJ e AJEB. Atualmente  é Presidente  da União Brasileira de Escritores - RJ e diretora cultural da Sociedade Eça de Queiroz.

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Marcia Barroca - Os momentos são diversificados. Quando ouço uma música, vejo um filme, ou leio uma palavra em um livro ou jornal ( palavras são a essência da minha expressão) . Encontro no poema a minha liberdade. Pode ser um momento triste, como agora, ou não.

Artur Gomes  - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Marcia Barroca - Gosto deste poema  que fiz lá pelos anos 90.

A voz erguida

O poeta ressuscita na palavra
a voz que grita no silêncio
o traço fúnebre
que baila no texto ritmado
a ausência da febre
queimando matéria morta

O poeta descarta
desdobra
desdiz o som escorregadio
na garganta que berra
Cordas vocais
vocábulos
cavernas ambíguas
letras flutuantes
em papel de original efeito

O poeta cresce na essência
disforme de seu vício

Um poema que me marcou muito de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), quando li, ainda na adolescência.

" Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...

Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...

Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena..."

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Marcia Barroca - Tenho sempre três poetas na cabeceira : Fernando Pessoa. Álvares de Azevedo e Dylan Thomaz. Na verdade leio muito. Todos os livros que me são enviados pelos ubeanos e os que vou nos lançamentos. Nunca deixo de ler, todos os amigos.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Marcia Barroca - Para mim, a palavra é o início de tudo. Do nada aparece.

Esquecimento

Da abertura estreita e
prolongada de minha porta
passa um fio de luz
Não deixa escurecer
a nebulosa e obscura
certeza da minha solidão

Vejo partículas de poeira
voando a minha volta
Percebo num átimo
que posso ludibriar
o esquecimento


Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Marcia Barroca - São vários. Mas, a obra completa de Fernando Pessoa foi fundamental.

Artur Gomes  - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Marcia Barroca - Comecei a escrever bem cedo. Sempre que escrevia uma redação ou qualquer tipo de prosa, era como se fosse poesia . Então cheguei a conclusão que tudo é poesia. Aí não parei mais.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Marcia Barroca - Nossa, um porção...

Frida Kahlo

De minha prisão
vejo quadros
Quadrados
Quadros de Frida Kahlo

Somente eles
colorem meu cansaço

Minha janela
para o mundo
Minha visão distorcida

Meu sinal fechado
para a vida

Artur Gomes - Revisitando Quintana : você acha que depois dessa crise virótica pandêmica,
quem passará e quem passarinho?

Marcia Barroca - Passará todos os que continuarem com sentimentos de baixa energia, trazendo ainda mais dor e ressentimentos.

Passarinho todos os que se mantiverem dentro de um caminho positivo e poético.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Marcia Barroca - Ah, já fui de muitas tribos. Literalmente, até de tribos onde cultuávamos o xamanismo. Hoje, não sou de nenhuma, Mas, o que aprendi ao longo do tempo, me ajuda e muito a viver nesta época atual com tranquilidade.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Marcia Barroca - Do jeito que estamos vivendo, me parece que o poeta deve vivenciar o amor, transmitindo com coragem, porque somente ele nos salvará. Estou falando de amor incondicional. Foi difícil entender e só consegui depois de muito meditar. Amando a si mesmo o resto vem de bandeja.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Marcia Barroca - Se estou escrevendo no momento atual com tantas tristezas acontecendo?

Marcia Barroca - Sim. Estou escrevendo. Acordo muito na madrugada, com boas ideias para um novo livro de poemas. E para chorar nossos amigos mortos.

Muito obrigada, Artur.

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