Conheci Karla Julia, já
faz alguns anos, em Bento Gonçalves-RJ durante uma edição do Congresso
Brasileiro de Poesia. Tinha acabado de falar alguns poemas na Fundação Casa das
Artes, ela veio ao meu encontro, me cumprimentou e me disse: - "quero aprender a falar poesia como
você". Combinamos um encontro no Rio, e logo depois passei a freqentar
a sua casa para lhe dar algumas dicas sobre poesia falada. Dessa relação nasceu
uma grande amizade que cultivo com imensa gratidão.
Karla
Julia - é advogada,
escritora, professora, tradutora de Língua e Civilização Francesa. Membro
Titular do PEN Clube do Brasil, da União Brasileira dos Escritores e da
Associação das Jornalistas e Escritoras do Brasil.
Livros: “Alma Nua”.
Rio de Janeiro: Editora Personal, 2012
“RECANTOS – dos versos íntimos”. Rio de
Janeiro: Editora Parthenon, 2019.
Prêmio Melhor Livro de Poemas - UBE-RJ 2019 - Troféu Stella Leonardos Prêmio Melhor Livro de Poemas - TROFÉU POLEM - 2019
Prêmio Melhor Livro de Poemas - UBE-RJ 2019 - Troféu Stella Leonardos Prêmio Melhor Livro de Poemas - TROFÉU POLEM - 2019
Karla
Julia - Como sempre cultivei o yoga e a meditação, o estado em
que me sinto após essas práticas é comparável ao que preciso para escrever. É
como se eu estivesse conectada com uma energia que vem de dentro e que transborda.
Nessas horas, sinto uma intensidade que precisa ser extravasada como o abrir
das comportas de uma represa.
Horas em que me sinto profundamente ligada à essência
das coisas, ao sagrado e a seus mistérios.
Além disso, a nostalgia, que faz parte de mim desde que me conheço por gente,
também me direciona à poesia.E para concluir, este mundo insano, desprovido de
justiça e humanidade me convoca para o ato político de ser poeta.
Artur
Gomes - Seu poema preferido e de outro poeta de sua admiração?
Karla
Julia - Nós poetas, somos de lua e temos fases. A cada fase de
minha vida, amo e(ou) odeio certos poemas. APENAS
ECOS, que faz parte de meu último livro: “RECANTOS – dos versos
íntimos”, me toca profundamente.
APENAS ECOS
Na cidade das ruas cinzas
de gente cinza
meu desejo se espraia
na praia de Copacabana.
de gente cinza
meu desejo se espraia
na praia de Copacabana.
O vento machuca a minha pele
incapacita-me
tento falar com alguém
- em vão -
incapacita-me
tento falar com alguém
- em vão -
não há ninguém à mão.
Apenas a mão boba
de um transeunte de pedra
estátua de um passado de pássaros.
de um transeunte de pedra
estátua de um passado de pássaros.
Uma lágrima cai no calçadão
- silêncio -
Um dia, a cidade cantou nossa paixão
e a canção explodia
ecos vindos de um passado distante.
e a canção explodia
ecos vindos de um passado distante.
Barcos de pesca voltando
pessoas passeando
crianças brincando.
pessoas passeando
crianças brincando.
Tudo borbulhava de vida
hoje, a cidade em prantos
é cenário do desencanto.
hoje, a cidade em prantos
é cenário do desencanto.
- De outros poetas:
RIVAL
Sylvia Plath
Sylvia Plath
Se a lua sorrisse, teria a sua cara.
Você também deixa a mesma impressão
De algo lindo, mas aniquilante.
Ambos são peritos em roubar a luz alheia.
Nela, a boca aberta se lamenta ao mundo; a sua sincera,
Você também deixa a mesma impressão
De algo lindo, mas aniquilante.
Ambos são peritos em roubar a luz alheia.
Nela, a boca aberta se lamenta ao mundo; a sua sincera,
E na primeira chance faz tudo virar pedra.
Acordo num mausoléu; te vejo aqui,
Tamborilando na mesa de mármore, procurando cigarros,
Desconfiado como uma mulher, não tão nervoso assim,
E louco para dizer algo irrespondível.
Acordo num mausoléu; te vejo aqui,
Tamborilando na mesa de mármore, procurando cigarros,
Desconfiado como uma mulher, não tão nervoso assim,
E louco para dizer algo irrespondível.
A lua, também, humilha seus súditos,
Mas de dia ela é ridícula.
Suas reclamações, por outro lado,
Pousam na caixa do correio com regularidade encantadora,
Brancas e limpas, expansivas como monóxido de carbono.
Nem um dia se passa sem notícias suas,
Vadiando pela África, talvez, mas pensando em mim.
Mas de dia ela é ridícula.
Suas reclamações, por outro lado,
Pousam na caixa do correio com regularidade encantadora,
Brancas e limpas, expansivas como monóxido de carbono.
Nem um dia se passa sem notícias suas,
Vadiando pela África, talvez, mas pensando em mim.
Poética
Vinícius de Moraes
Vinícius de Moraes
Rio de Janeiro, 1954
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
— Meu tempo é quando.
Nova York, 1950
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
— Meu tempo é quando.
Nova York, 1950
Artur
Gomes - Qual seu poeta de Cabeceira?
Karla
Julia - Impossível escolher apenas um. Vou citar apenas alguns:
Jacques Prévert, Hilda Hilst, Vinícius de Moraes, Rimbaud, Florbela
Espanca, Rainer Maria Rilke e Paulo Leminski.
Artur
Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque,
algo que o impulsione a escrever?
Karla
Julia - Quanto maior minha angústia existencial, mais escrevo.
Artur
Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra
forma de linguagem com poesia?
Karla
Julia - Durante anos fiz ballet e estudei violão. Escrevo e
pratico sobre outras formas de arte há tempos: literatura, pintura, cinema, a
música. E em todas essas artes há poesia, por toda parte.
Artur
Gomes - Qual o poema que escreveu quando teve uma pedra no
caminho?
Carta de Intenções
Horas
me atrasam
ainda tenho tanto a fazer
que trocaria minhas orquídeas por dias de vida.
ainda tenho tanto a fazer
que trocaria minhas orquídeas por dias de vida.
O dia
se põe
enquanto ainda borbulham minhas intenções.
Quero o tempo presente com sua promessa de conjugação
enquanto ainda borbulham minhas intenções.
Quero o tempo presente com sua promessa de conjugação
Deixo para
trás os assassinos de emoção.
Arrivistas.
Diplomados em desafetos.
Sigo meu caminho com a certeza
que meu anjo vela por mim
e com delicadeza, levo comigo o que foi seda.
Arrivistas.
Diplomados em desafetos.
Sigo meu caminho com a certeza
que meu anjo vela por mim
e com delicadeza, levo comigo o que foi seda.
Artur
Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise
virótica, quem passará e quem passarinho?
Karla
Julia - No meu poema, Um minuto de silêncio, falo dos “grávidos de sentimento, colecionadores de
amigos e afetos”. Estes ficarão. Já os que “proclamam aos quatro ventos sua superioridade” (verso do poema Bomba-In, Karla Julia. RECANTOS
– dos versos íntimos. 2019), esses vão passar, com certeza eles irão passar.
Um minuto de silêncio
Nesse
mundo desencantado
tento me livrar do excesso de coisas inúteis
palavras ocas na boca de gente vazia
coração de concreto armado.
tento me livrar do excesso de coisas inúteis
palavras ocas na boca de gente vazia
coração de concreto armado.
Quero
pessoas grávidas de sentimento,
sonhadoras, abertas a infinitas possibilidades
ébrios de amores
colecionadores de amigos e carinhos.
sonhadoras, abertas a infinitas possibilidades
ébrios de amores
colecionadores de amigos e carinhos.
Nesse
mundo onde "No princípio era o
Verbo"
quero o silêncio da hora do beijo.
quero o silêncio da hora do beijo.
Artur
Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e
jornalista Ademir Assunção, afirma
que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz suas referências. Você de onde
vem, qual é a sua tribo?
Karla
Julia - Nasci em Bonsucesso, Rio de Janeiro. Contudo, minhas raízes
estão nas areias do deserto do Oriente Médio, cuja descendência sírio libanesa,
católica ortodoxa por parte de mãe e judaica, por parte de pai, carrego com
orgulho. Minha escrita recende à mirra, incenso e muito sofrimento.
Minha tribo é a dos trovadores, escritores, cantores, músicos, educadores, historiadores.
Artur
Gomes - Nos dias atuais o que é ser poeta, militante de poesia?
Karla
Julia - Acho que o poeta é um ser atemporal. Tanto quanto no
passado, ele tem sentimentos profundos e o decodifica para a linguagem dos
deuses, anjos e demônios. Somos encantadores de serpente, mas também zeladores
das dores do mundo.
Artur
Gomes - Que pergunta que não fiz que você gostaria de responder?
Karla
Julia - Você tem medo do quê?
Resposta - Que me tirem a voz.
Fulinaíma
MultiProjetos
porrtalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 - whatsapp
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