Certa vez, estava eu em uma lan house, em Laranjeiras, Rio de Janeiro, batendo um papo com o meu querido e saudoso Moacy Cirne. Naquele momento não tinha certeza de que ele estava no Rio, porque fazia tempos que não o encontrava, e nossos encontros eram sagrados todas as sextas feiras na Cinelândia onde me entregava o Balaio Porreta, da semana. Falávamos de cinema, música e poesia como sempre. Quando nos despedimos me levantei de onde estava e ele também, e demos de cara um com o outro.
Com Wilson Alves-Bezerra, aconteceu algo também curioso, estivemos uma
certa noite numa Virada Cultural Paulista, no SESC em São Carlos, e não nos
encontramos, e nossas performances aconteceram praticamente no mesmo momento em
espaços distintos. Viemos a nos encontrar em 2019 no face. Dele, já me deliciei
com o seu livro Vapor Barato e no momento
me encontro mergulhado em O Pau do Brasil, e o Catecismo Moreninho está na fila.
Wilson Alves-Bezerra: nascido em São Paulo, em 1977, ganhou o Jabuti
de poesia (Escolha do Leitor com Vertigens (Iluminuras, 2015). Tem se dedicado a uma literatura que
quer refletir e intervir no quadro político brasileiro, com livros como O Pau do Brasil (Urutau, work in progress,
2016-2019), Vapor Barato (Iluminuras, 2018),
Malangue Malanga (Multinacional Cartonera, 2019
/ Iluminuras, no prelo) e o disco
de poemas Catecismo Moreninho (Livraria Orgânica, disponível
em streaming, 2020). Escreveu
ainda Histórias zoófilas e outra atrocidades (EDUFSCar
/ Oitava Rima, 2013). Traduziu ao português livros de Horacio
Quiroga, Luis Gusmán e Sergio Bizzio.
Trabalha atualmente numa biografia de Horacio Quiroga e na tradução de poemas de Alfonsina Storni. É professor da área de
letras na UFSCar.
Artur Gomes - Como se processa o seu estado de
poesia?
Wilson Alves-Bezerra - Acho que a gente não é poeta só
quando está escrevendo, mas quando rumina, lê, vive. O estado de poesia eu
entendo como algo mais raro, quando a gente está tocado a um só tempo pela
linguagem e pela experiência da vida: pode ser o luto, o ódio, o amor, o medo,
a loucura. Isso me leva a esse estado tão singular.
Artur Gomes - Seu poema preferido?
Wilson Alves-Bezerra - O poema preferido é aquele que
responde a uma inquietação do momento. Ou aquele que produz uma pergunta nunca
feita. Poema para mim é sempre interrogação. Vou fazer uma breve lista de
poemas que me foram preferidos ao longo da vida:
Tabacaria, do Fernando Pessoa
Resíduo, do Carlos Drummond de Andrade
Espanta pájaros (o livro todo), do argentino Oliverio Girondo.
As nuvens, Uma carniça, A uma passante, do Charles Baudelaire.
Joelho salsa lábios mapa, do Herberto Helder.
Do Desejo, Hilda Hilst.
El sol, da AlfonsinaStorni.
Wilson Alves Bezerra - Assim com a cabeça está sempre em
mutação, também a cabeceira. Foram tantos ao longo da vida: Hilda Hilst,
Herberto Helder, Oliverio Girondo, Charles Baudelaire, Fernando Pessoa, Carlos
Drummond de Andrade, Edgar Allan Poe, Pablo de Rokha, Alfonsina Storni, uma
lista infinita... Por isso minha cabeceira está sempre ocupada.
Artur Gomes - Em seu instante de criação existe
alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Wilson Alves-Bezerra - Os temas são variados: tudo que
toca, desloca, incomoda, cutuca, entorpece, machuca. Tudo.
Artur Gomes - Livro que considera definitivo em
sua obra?
Wilson Alves-Bezerra - Eu não acredito – literalmente – em
livros definitivos. Vários de meus livros, como o Pau do
Brasil, cuja primeira edição foi em 2016, foram sendo atualizados e
reatualizados.
Agora que o projeto
chegou ao fim (por enquanto), posso dizer que ele teve sete versões diferentes,
sempre em expansão. E a edição que saiu agora em janeiro não é a edição
definitiva, mas a edição exaustiva! A mesma coisa aconteceu com Malangue Malanga, que já teve duas
versões e vai ter uma terceira em breve... Acho que livro é movimento, não
definição.
Artur Gomes - Além da poesia em verso, já
exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Wilson Alves-Bezrra - Eu escrevo, sobretudo, poema em
prosa, mas também em verso. Acabo de lançar um disco de poemas que não tem
versão escrita, apenas oral, chamado Catecismo
Moreninho (Livraria Orgânica, 2020, disponível em streaming). Acredito,
como você, na dimensão oral do
poema.
Artur Gomes - Qual poema escrevi quando teve uma
pedra no meio do caminho?
Wilson Alves-Bezerra - Eu sou a pedra no meio do caminho do
poema.
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que
depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Wilson Alves-Bezerra - Vivemos uma espécie de prisão. Na
prisão, parece que olhamos mais para dentro e para o passado. É difícil
imaginar o que será a vida depois, será preciso inventar outra vida.
Artur Gomes - Escrevendo
sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele
traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Wilson Alves-Bezerra - A minha tribo habita no fundo da
banca de jornais do meu pai, onde me alfabetizei. Nas bibliotecas que descobri
aos dez. Nos sebos que descobri aos treze anos. Nas livrarias que descubro a
cada viagem – pois em minha cidade as livrarias fecharam... Para sintetizar, um
dia, a professora Mirna, da primeira série do primário, nos explicou o sentido
de uma palavra: nômade. Eu fiquei tão impressionado com o sentido da palavra,
quis retê-la para não a perder, e anotei na parte de baixo de meu estojo.
Sempre voltava a ela. Minha tribo.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um
poeta, militante de poesia?
Wilson Alves-Bezerra - É insistir.
Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você
gostaria de responder?
Wilson Alves-Bezerra - Por quê todas as perguntas devem ser
feitas? Fiquemos com estas, que foram muito boas!
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