sexta-feira, 29 de maio de 2020

Celso Borges - EntreVistas



Conheci Celso Borges, no palco do  Itaú Cultural em São Paulo, no projeto Poesia Na Idade Mídia - outros bárbaros, idealizado por Ademir Assunção, que conheci em 1996, por ocasião do Projeto Poesia 96, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Antes desse encontro com o Ademir ao vivo,  nosso grande e saudoso mestre Uilcon Pereira, por carta, havia me falado de dois poetas que eu precisaria conhecer: Ademir Assunção e Rodrigo Garcia Lopes.

Durante o período que Celso Borges morou em São Paulo, não tivemos muitos encontros ao vivo, nossas esquinas não se cruzavam, mas depois que ele volta para sua São Luis, tivemos dois encontro memoráveis: Um, em 2008 na Feira do Livro de Imperatriz no Maranhão, e o outro, na própria São Luis em 2013 ano em que ele fez a curadoria da 7ª FELIZ - Feira do Livro de São Luis, onde me levou para falar poesia nos janelões dos casarões do centro histórico da cidade, Inesquecível !


Sob o signo do vento e da claridade de São Luís do Maranhão, Celso Borges nasceu em 18 de maio de 1959, às 19h30. Segundo a folhinha de calendário, era uma segunda-feira de lua quarto-crescente. Na infância e adolescência jogava bola quase todos os dias e batia o sino da igreja em frente a sua casa acordando a cidade para a missa de seis e meia. O rio de sua aldeia foi o Mississipi de Mark Twain e seu melhor amigo, Tom Sawyer. Começou a escrever aos 16 anos e não diz pra quase ninguém que lançou um livro/equívoco de poesia, Cantanto, aos 21 anos. Prefere assumir que seu primeiro trabalho é No Instante da Cidade (1983). De lá pra cá publicou, ainda, Pelo Avesso (1985), Persona non Grata (1990) e Nenhuma das Respostas Anteriores (1996), XXI (2000), O futuro tem o coração antigo (2013) e Fúria (2015), entre outros, todos de poesia. Mora em São Luís desde 2009, depois de viver 20 anos em São Paulo. Ama os versos de Maiakovski, Murilo Mendes e Jorge Luís Borges, a prosa de Guimarães Rosa, Osman Lins e Antonio Lobo Antunes, além dos ensaios de Augusto de Campos, Antonio Cândido e Octávio Paz. A literatura é o seu oxigênio e danação. O eterno possível. Celso Borges sabe que se não escrever, morre. Ainda bem.

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Celso Borges – É uma gravidez, um estar pronto para a criação, um motor que me mantém atento o tempo todo. E tudo o mais passa a ser menor, menos importante. Às vezes invento esse estado para não me afastar dele, para reafirmá-lo a cada respiração, a cada segundo e frame do mundo. Oxigênio.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Celso Borges - São tantos os poemas preferidos. Mas eu destacaria Fotografia Aérea, de Ferreira Gullar, que está no livro Dentro da Noite Veloz, de 1975. E adoro também a história de como esse ele nasceu. O poeta trabalhava como arquivista na sucursal carioca do jornal Estado de São Paulo. Certo dia abriu uma gaveta com fotos antigas e viu numa revista uma foto aérea da cidade de São Luís, tirada quando ele ainda era criança. E a imagem “sobrevoa’ o bairro onde ele morava. Ele estava lá embaixo naquele momento. 

“Eu devo ter ouvido um avião passar aquela tarde sobre a cidade aberta como a palma da mão entre palmeiras e mangues...”, um texto deslumbrante! 

Anos depois fiz uma revisita a esse poema escrevendo outro em que eu, aos dez anos de idade, me via numa São Luís desenhada num atlas geográfico da segunda série ginasial do colégio Marista. Quando Gullar fez 70 anos eu enviei pra ele numa carta, mas ele nunca me respondeu, nem sei se recebeu.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira? 

Celso Borges - Quase impossível citar um. Já foi Cabral, Maiakovski, Fernando Pessoa, Neruda... Atualmente, os portugueses, entre eles Herberto Helder.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Celso Borges - Eu vivo poesia quase o tempo inteiro. É resultado de um impacto, da observação da vida, das pessoas, das palavras que leio, das imagens que vejo, cinema, música, artes plásticas. É a minha resposta a tudo isso. Nos casos dos textos por encomenda, para algum projeto específico, eu fico ruminando o tema, tateando palavras, situações, metáforas, começo a estimular invenções, musicalidades, coisas que me joguem no universo da criação.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Celso Borges – Difícil escolher. Talvez o MÚSICA, livroCD de 2006, que mistura poesia e música e tem a participação de mais de 50 artistas brasileiros, entre poetas, cantores, compositores e instrumentistas.

Artur Gomes - Além da poesia em verso  já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Celso Borges – Sim, tenho experimentado a prosa poética. No campo da récita, faço alguns projetos de poesia no palco, com DJs e instrumentistas, vivência que adoro. Comecei com o Poesia Dub, em 2005, com o jornalista Otávio Rodrigues. Depois, veio a Posição da Poesia é Oposição, com o percussionista Luiz Claudio e o guitarrista Christian Portela. E por último, Sarau Cerol, com o compositor Beto Ehongue.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?


Celso Borges – Tenho um livro pronto, ainda não publicado, A poesia é maior que a morte, com poemas que fiz quando perdi a maioria das fotos de meu irmão Antonio José, morto em 1972, quando eu tinha 13 anos. Não foi uma pedra no meio do caminho, foi uma tempestade terrível no meu coração. Em um dos poemas digo

escombros, sombras paridas pela umidade, sobras partidas da memória, sonhos oxidados, infiltrações, poeira molhada, nuvem no chão, fumaça de cimento, grafites puídos, farrapos, destroços espatifados, fotos grisalhas, furadas, crateras de celulose, ácaros, rugas, farpas, manchas, carunchos, bolor, mofo, ruínas e fiapos de papel, vincos, frisos machucados. peles despedaçadas, lepra, carcaça, cabelos cortados pela mãe no velório
cortejo de instrumentos e algaravias para desenhar o corpo cadáver, artilharia contra o tempo de vida das coisas mortas, avalanche, voragem, papéis de chumbo tornado fagulhas ausentes pesam mais
fotos descascadas, caos de cascas, cascos de cavalos roídos, corvos, ripas costuradas, suturas quase sardas, hematomas, derrames, escamas, inchaços estranhos nas entranhas do álbum em coma. silêncio
madeleine arrependida.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Celso Borges – É mais um desejo do que uma certeza. Espero que esse passarinho seja a esperança de um mundo mais humano, que as relações pessoais de transformem de alguma forma. Mas não sou tão otimista. Outras pandemias aconteceram em outras épocas e o mundo mudou, mas continuou perverso. A estrutura social e o sistema econômico e político, sempre vão dar o jeito deles para continuar lucrando e explorando em cima da maioria. Pessoalmente, continuarei escrevendo e hasteando minhas verdades, que é o melhor que posso dar de mim, além de estimular a fraternidade e o afeto nas coisas que faço e nas minhas relações pessoais.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Celso Borges – Minha tribo são várias tribos, um grande caldeirão de poesia, música, artes plásticas, cinema e as pessoas que encontro nesses universos essenciais. Quero vê-las cada vez mais fortes, mostrando que precisamos umas das outras para sobreviver e avançar de forma diversa e solidária, reinventando o mundo e as relações.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Celso Borges – É vivê-la sempre de forma intensa e verdadeira, procurando nos reinventar, criar novos mundos e ser contra esse sistema escroto que tenta nos escravizar. Como já disse uma vez A POSIÇÃO DA POESIA É OPOSIÇÃO.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Não sei.

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