Quando em 1983, dentro da Oficina de Artes Gráficas da Escola
Técnica Federal de Campos, criei e comecei a produzir a Mostra Visual de
Poesia Brasileira, nem de longe poderia imaginar as descobertas que
viria a fazer através dela. Apesar de a época já ter lançado Um Instante No Meu
Cérebro, Mutações Em Pré-Juízo, Além da Mesa Posta, Jesus Cristo Cortador de
Cana e Boi-Pintadinho, pela cidade de Campos dos Goytacazes, estar situada no interior do Estado do Rio de
Janeiro, o meu contato com poetas no Rio e de outros cantos do país, era
ínfimo. Eles começaram a acontecer, se espalhar
e intensificar em razão da MVPB.
Com Leila Míccolis, ainda se deu uma grande
parceria em função de pensar que é possível: Vestir-se De Poesia. E tive
a grande satisfação de receber um belo texto do professor e crítico Fábio Lucas
tecendo um belo comentário sobre o conteúdo da poesia era imprimíamos em peças
de roupas a ser vestida por corpos masculinos e femininos sem
distinção alguma. E Leila Míccolis tem um poema famoso que fez
parte desse repertório, vocês irão lê-lo lá no final quando falo da minha convivência
por longos anos com ela.
Artur
Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Leila Míccolis -
Nunca pensei nisso, Artur, Apenas faço. Acho que é porque me considero sempre
em estado de poesia. Na Grécia clássica – tenho ancestrais gregos –, a poética
trazia uma reflexão sobre a physis, o movimento da vida. Ou seja, a poesia
estava em tudo, onipotente e onipresente. Acho que este foi um dos grandes
legados herdados dos meus antepassados.
Artur
Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Leila Míccolis - Não
tenho como citar um poema meu preferido, afinal, tenho 50 anos de poesia. Outro dia
tentei separar cinquenta poemas que mais gosto e parei nos oitenta, tinha bem
mais do que isso. Assim também, não conseguiria destacar um único poema
específico de outro, tenho tantos (sei
muitos de cor). Desde que mergulhei de cabeça na poesia,mantenho
contato/intercâmbio ininterrupto com o Brasil todo de ponta a ponta, através de
cartas – agora também por e-mails – e jornais alternativos (o mais “novinho” é Blocos Online, há 22 anos
na web...);
portanto, citar um único seria uma tremenda injustiça para
com todos os muitos outros.
Artur
Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Leila Míccolis –
Tenho sempre vários livros por perto (não só de poesia, mas de teoria
literária, sociologia e de física quântica – adoro!); de poesia, citando
exclusivamente os cânones, amo Manuel Bandeira, Dante Milano, Mario Quintana,
José Paulo Paes. Porém meu gosto é bem eclético e pluralista, gosto de conhecer
tudo e todos, principalmente o pessoal de agora – tem gente brilhante!!!!
Artur
Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque,
algo que o impulsione para escrever?
Leila Míccolis – Não
em especial. Observo o mundo, as reações das pessoas ao meu redor, e a ideia
brota, flui, jorra... risos. A vida é uma fonte maravilhosa e inesgotável de
ideias.
Artur
Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra¿
Leila Míccolis -
Nenhum. Em geral na juventude eu só lia romances, principalmente os franceses:
Victor Hugo, Flaubert, Proust, Balzac, Dumas, Sartre e Simone de Beauvoir. Então,
com relação a minha obra poética, como já escrevi no poema intitulado
AUTODIDATA
Sofri a influência
de muitos poetas
que nunca li
de muitos poetas
que nunca li
Tanto isso é verdade que fui a primeira mulher a publicar,
em 1976, um livro inteiro (e não poemas avulsos), com uma poesia informal, crítica e cítrica, irônica,
ferina, lírico-agressiva. E ouvi muito: “isto
não é poesia, mulher não escreve
poesia assim...” Tive a coragem de não me acovardar na época. Agora é
exatamente esta proposta estética que grande parte dos poetas usa.
Artur
Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma
de linguagem com poesia?
Leila Míccolis -
Todas. Abandonei a minha profissão de advogada que exerci por dez anos para
escrever. Escrevo todos os dias, e meus projetos são bem diversificados:
poesias, contos, crônicas, teatro, cinema, roteiros (já escrevi novelas para a
TV Manchete e para a Globo, inclusive até hoje dou cursos on line de
teledramaturgia), ensaios acadêmicos, artigos, para jornais, enfim, não recuso
nenhum tipo de trabalho literário.
Artur
Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do
caminho?
Leila Míccolis – Qual não, quais... Acho que a maioria
deles... Poesia é meu exorcismo, minha profilaxia, minha defesa e até minha
condenação.
Richelieu (1585-1642) já dizia na época dele: “Dê-me três
linhas escritas por um homem e terei motivo para enforcá-lo". Ao que Ibsen (1828-1906), no século XIX,
arrematou: “Viver é lutar com demônios nos
recônditos do coração e da mente. Escrever: é participar do nosso próprio
julgamento".
(Citei estas duas frases, que inclusive coloquei no meu livro Sangue Cenográfico, porque acho elas têm tudo a ver com minha resposta a esta sua pergunta).
Artur
Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise
virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Leila Míccolis – Não faço a menor ideia... Só o tempo dirá.
Ou, recorrendo ao antigo provérbio português, “quem viver verá!”.
Artur
Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista
Ademir Assunção, afirma que cada
poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem,
qual é a sua tribo?
Leila Míccolis – Se
eu pertencesse a alguma tribo pré-moderna, acho que ela já estaria dizimada,
como tantas. Na dimensão contemporânea da minha poesia, sou bem parecida com a
letra do Peter Gast, do Caetano Veloso:
“(...) Mas o meu coração de poeta/ Projeta-me em tal solidão/ Que às
vezes assisto/ A guerras e festas imensas/ Sei voar e tenho as fibras tensas/ E
sou um / Ninguém é comum / E eu sou ninguém”.
Artur
Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Leila Míccolis – Para
mim é agir como sempre agi, desde a década de 1970: não apenas amando-a em
tempo integral, como contribuindo solidariamente com os que a amam também:
divulgando-os.
Artur Gomes - Que
pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Leila Míccolis – A
pergunta que você não fez e que eu gostaria que você me respondesse seria: “Com os dentes cravados na memória”, quando, onde e como nos conhecemos.
Penso que este seria/é um registro importante para a historiografia do nosso
tempo.
Artur
Gomes - Nosso contato primeiramente se deu através da sua poesia,lá pelos idos dos anos 80, quando
eu produzia a Mostra Visual de Poesia
Brasileira e mantínhamos correspondência via correios. E foi uma grande
descoberta para mim. Pessoalmente, nos encontramos pela primeira vez em seu
apartamento em Vila Isabel no Rio de Janeiro, onde trocamos ideias sobre
Edições, Divulgação e Eventos de poesia. A partir daí além da nossa intensa troca, poética, passei a ter contato, no Rio, por seu
intermédio, com vários outros poetas tais como: Tanussi Cardoso, Socorro
Trindade e Glória Perez. Não me
esqueço dos inúmeros Saraus que participei nessa época pelos bares do Rio a seu
convite. Um deles, talvez acontecia no
Barbas, do Nelsinho Rodrigues em Botafogo. Outro detalhes que nunca me esqueci
foi o sucesso feito pelo seu poema:
VOYEURISMO
Te Olho
Me Molho
Me Molho
que eu estampava em
camisetas, e outras peças do vestuário
feminino para o projeto Vista-se
De Poesia. Esses anos para mim são inesquecíveis, e com certeza a razão de
estar Com Os Dentes Cravados Na Memória.
Fulinaíma MultiProjetos
portalfulinaima@gmail.com
Leila sempre consegue nos surpreender! Nesta entrevista ela é protagonista do início ao fim, de um jeito especial (não há como não ser redundante), quando nos brinda jogando a peteca para o entrevistador. Genial como sempre, esta é Leila Míccolis. Adorei a entrevista! Beijos 😘
ResponderExcluir🧡🧡🧡 Obrigada, Márcia qyeruda,
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