segunda-feira, 4 de maio de 2020

Leila Míccolis - EntreVista


Quando em 1983, dentro da  Oficina de Artes Gráficas da Escola Técnica Federal de Campos, criei e comecei a produzir a Mostra Visual de Poesia Brasileira, nem de longe poderia imaginar as descobertas que viria a fazer através dela. Apesar de a época já ter lançado Um Instante No Meu Cérebro, Mutações Em Pré-Juízo, Além da Mesa Posta, Jesus Cristo Cortador de Cana e Boi-Pintadinho, pela cidade de Campos dos Goytacazes,  estar situada no interior do Estado do Rio de Janeiro, o meu contato com poetas no Rio e de outros cantos do país, era ínfimo. Eles começaram a acontecer,  se espalhar e intensificar em razão da MVPB.

Com Leila Míccolis, ainda se deu uma grande parceria em função de pensar que é possível: Vestir-se De Poesia. E tive a grande satisfação de receber um belo texto do professor e crítico Fábio Lucas tecendo um belo comentário sobre o conteúdo da poesia era imprimíamos em peças de roupas   a ser  vestida por corpos masculinos e femininos sem distinção alguma. E Leila Míccolis tem um poema famoso que fez parte desse repertório, vocês irão lê-lo lá no final quando falo da minha convivência por  longos anos com ela.

 Leila Míccolis - Carioca, advogada, doutora e com pós-doutorado em Teoria Literária (UFRJ), escritora de livros (poesia e prosa), TV, teatro e cinema.

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Leila Míccolis - Nunca pensei nisso, Artur, Apenas faço. Acho que é porque me considero sempre em estado de poesia. Na Grécia clássica – tenho ancestrais gregos –, a poética trazia uma reflexão sobre a physis, o movimento da vida. Ou seja, a poesia estava em tudo, onipotente e onipresente. Acho que este foi um dos grandes legados herdados dos meus antepassados.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Leila Míccolis - Não tenho como citar um poema meu preferido, afinal, tenho 50 anos de poesia. Outro dia tentei separar cinquenta poemas que mais gosto e parei nos oitenta, tinha bem mais do que isso. Assim também, não conseguiria destacar um único poema específico de outro, tenho tantos  (sei muitos de cor). Desde que mergulhei de cabeça na poesia,mantenho contato/intercâmbio ininterrupto com o Brasil todo de ponta a ponta, através de cartas – agora também por e-mails – e jornais alternativos (o mais “novinho” é Blocos Online, há 22 anos na web...);
portanto, citar um único seria uma tremenda injustiça para com todos os muitos outros.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Leila Míccolis – Tenho sempre vários livros por perto (não só de poesia, mas de teoria literária, sociologia e de física quântica – adoro!); de poesia, citando exclusivamente os cânones, amo Manuel Bandeira, Dante Milano, Mario Quintana, José Paulo Paes. Porém meu gosto é bem eclético e pluralista, gosto de conhecer tudo e todos, principalmente o pessoal de agora – tem gente brilhante!!!!

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Leila Míccolis – Não em especial. Observo o mundo, as reações das pessoas ao meu redor, e a ideia brota, flui, jorra... risos. A vida é uma fonte maravilhosa e inesgotável de ideias.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra¿

Leila Míccolis - Nenhum. Em geral na juventude eu só lia romances, principalmente os franceses: Victor Hugo, Flaubert, Proust, Balzac, Dumas, Sartre e Simone de Beauvoir. Então, com relação a minha obra poética, como já escrevi no poema intitulado 

AUTODIDATA

 Sofri a influência 
de muitos poetas 
que nunca li

Tanto isso é verdade que fui a primeira mulher a publicar, em 1976, um livro inteiro (e não poemas avulsos),  com uma poesia informal, crítica e cítrica, irônica, ferina, lírico-agressiva. E ouvi muito: “isto não é poesia, mulher não escreve poesia assim...” Tive a coragem de não me acovardar na época. Agora é exatamente esta proposta estética que grande parte dos poetas usa.

Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Leila Míccolis - Todas. Abandonei a minha profissão de advogada que exerci por dez anos para escrever. Escrevo todos os dias, e meus projetos são bem diversificados: poesias, contos, crônicas, teatro, cinema, roteiros (já escrevi novelas para a TV Manchete e para a Globo, inclusive até hoje dou cursos on line de teledramaturgia), ensaios acadêmicos, artigos, para jornais, enfim, não recuso nenhum tipo de trabalho literário.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Leila Míccolis  – Qual não, quais... Acho que a maioria deles... Poesia é meu exorcismo, minha profilaxia, minha defesa e até minha condenação.

Richelieu (1585-1642) já dizia na época dele: “Dê-me três linhas escritas por um homem e terei motivo para enforcá-lo". Ao que Ibsen (1828-1906), no século XIX, arrematou: “Viver é lutar com demônios nos recônditos do coração e da mente. Escrever: é participar do nosso próprio julgamento". 

(Citei estas duas frases, que inclusive coloquei no meu livro Sangue Cenográfico, porque acho elas têm tudo a ver com minha resposta a esta sua pergunta).

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Leila Míccolis  – Não faço a menor ideia... Só o tempo dirá. Ou, recorrendo ao antigo provérbio português, “quem viver verá!”.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Leila Míccolis – Se eu pertencesse a alguma tribo pré-moderna, acho que ela já estaria dizimada, como tantas. Na dimensão contemporânea da minha poesia, sou bem parecida com a letra do Peter Gast, do Caetano Veloso:

“(...) Mas o meu coração de poeta/ Projeta-me em tal solidão/ Que às vezes assisto/ A guerras e festas imensas/ Sei voar e tenho as fibras tensas/ E sou um / Ninguém é comum / E eu sou ninguém”.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Leila Míccolis – Para mim é agir como sempre agi, desde a década de 1970: não apenas amando-a em tempo integral, como contribuindo solidariamente com os que a amam também: divulgando-os.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Leila Míccolis – A pergunta que você não fez e que eu gostaria que você me respondesse seria: “Com os dentes cravados na memória”, quando, onde e como nos conhecemos. Penso que este seria/é um registro importante para a historiografia do nosso tempo.

Artur Gomes - Nosso contato primeiramente se deu através da  sua poesia,lá pelos idos dos anos 80, quando eu produzia a Mostra Visual de Poesia Brasileira e mantínhamos correspondência via correios. E foi uma grande descoberta para mim. Pessoalmente, nos encontramos pela primeira vez em seu apartamento em Vila Isabel no Rio de Janeiro, onde trocamos ideias sobre Edições, Divulgação e Eventos de poesia. A partir daí além da nossa  intensa troca,  poética, passei a ter contato, no Rio, por seu intermédio, com vários outros poetas tais como: Tanussi Cardoso, Socorro Trindade e Glória Perez. Não me esqueço dos inúmeros Saraus que participei nessa época pelos bares do Rio a seu convite. Um deles, talvez  acontecia no Barbas, do Nelsinho Rodrigues em Botafogo. Outro detalhes que nunca me esqueci foi o sucesso feito pelo seu poema:

VOYEURISMO

Te      Olho 
Me Molho

que eu estampava em camisetas, e outras  peças do vestuário feminino  para o  projeto Vista-se De Poesia. Esses anos para mim são inesquecíveis, e com certeza a razão de estar Com Os Dentes Cravados Na Memória.

Fulinaíma MultiProjetos
portalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 - whatsapp








2 comentários:

  1. Leila sempre consegue nos surpreender! Nesta entrevista ela é protagonista do início ao fim, de um jeito especial (não há como não ser redundante), quando nos brinda jogando a peteca para o entrevistador. Genial como sempre, esta é Leila Míccolis. Adorei a entrevista! Beijos 😘

    ResponderExcluir

cidade veracidade

onde tudo é carnaval minha madrinha se chamava cecília nunca soube onde minha mãe a conheceu por muitos anos morou na rua sacramento ao la...