Conheci Dacy Amorim na
Escola Técnica Federal de Campos, lá pelos idos dos anos 70, quando ainda
predominava na ETFC o ensino técnico, e pouca ou quase nenhuma liberdade para
atividades culturais fora da sala de aula. Com a eleição de Luciano D´Ângelo, em 1986 para a
Direção da Escola, começaram as mudanças na forma de pensar educação, e uma
série de atividades extra curriculares, começaram a existir, e outras que já
existiam como Oficina de Teatro e Coral, a revelia da Direção, passaram
a fazer parte de um leque de ações culturais integradas.
A partir de então o meu contato com Darcy Amorim, dentro da ETFC passou a ser de parceria em algumas atividades
envolvendo a Oficina de Teatro, e a
cadeira de Português Literatura, com alguns Festivais de Poesia e encontros literários,
preenchendo o vazio, existente até então, de ações que levassem os alunos a se
manifestarem fora da sala de aula.
Os anos se passaram, ETFC se tornou CEFET, e logo depois IFF, e
todos nós que fizemos parte dessa transformação sentimos uma grande saudade
desse tempo, em que a instituição
vibrava com tudo o que nos foi possível realizar, em um tempo que não existia,
nem um décimo, dos equipamentos tecnológicos que existem hoje.
Darcy
Amorim - Cheguei a Campos ainda menina, vinda do agreste, das terras
alagoanas. Mudança de vida, mudança de hábitos.
Depois dos estudos básicos, fiz o
curso de DIREITO, na Faculdade de Direito de Campos. Concluído o curso de
direito. Em seguida, resolvi fazer o curso de Português e Literatura, na Faculdade
de Filosofia de Campos.
Gostei! E resolvi ir um pouco além, neste
mesmo caminho. Fiz especialização em Linguística e em Teoria da Literatura.
Queria mais! Fiz, também, Pós-graduação em Literatura Brasileira da Modernidade
e depois, Literatura Infantil e Juvenil.
Aí, já trabalhava na Escola Técnica Federal de
Campos, hoje IFF. No período em que fui coordenadora do Curso de Português,
pude organizar encontros e cursos, trazendo a Campos nomes como Adriano da Gama Kury, Wilma Arêas e Celso Pedro Luft.
Nesta época, e com a parceria da respeitada,
sábia e amada professora Arlete Sendra,
desenvolvemos projeto. Visando o despertar nos alunos o gosto pela leitura e
pela poesia surgiu o “Conjugando
o verbo amar”. Os alunos produziram belos textos que reunimos num livro ,
publicado na época.
Pensando que uma pessoa não é um átomo,
isolado de todos na sociedade em que vive e trabalha, ousei, num setor onde
ainda predominava o masculino, me candidatei à Presidência da Associação
ASSETEC ( Associação dos Servidores da Escola Técnica Federal de Campos). E
venci! Dei meu trabalho e minha contribuição. Foi bom!
Hoje, aposentada, sinto saudades das discussões
políticas, das assembléias, da sala de aula, dos corredores e, acima de tudo,
dos alunos.
Festival de Poesia realizado na ETFC nos anos 80
Artur
Gomes - Como se processa o
seu estado de poesia?
Darcy Amorim - Acredito que o
processo de criação obedece a impulsos internos e externos. As emoções exigem,
muitas vezes, um extravasar sem dialogar com a realidade exterior. Elas pedem
expressões. O fazer poético pode, também, ser estimulado por uma música, uma
foto, uma situação que foi lá no fundo, mexer com a memória, com os
sentimentos, com as convicções.
A
rtur
Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua
admiração.
Darcy Amorim - Vários poemas
despertam, em mim, intensa admiração. Alguns tocam-me profundamente a alma como
se fossem uma oração. Outros despertam tempestades interiores, guardadas ou
nunca pressentidas. No entanto, há um que considero fundamental para o meu
estar no mundo.
De Fernando Pessoa:
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em casa coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Poeta
de cabeceira?
Habitualmente dois: Fernando Pessoa e Drummond. Dependendo do
estado emocional, outros podem lhes fazer companhia, como Cecília Meireles,
Manuel Bandeira e Leminski
Artur
Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque,
algo que o impulsione para escrever?
Darcy Amorim - Amo poesia! Admiro
quem escreve poemas com talento e maestria. Isto é para os fortes e talentosos.
Quem sou eu? Às vezes, arrisco uns versos ditados pelo consciente (ou inconsciente?),
tentando brincar com as palavras e o que me vai na alma.
Mas, não sou poeta. O que escrevo é para mim.
Darcy Amorim - Como não sou poeta de
ofício, não tenho publicação que possa considerar como minha obra ou
definitiva.
Artur
Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de
linguagem com poesia?
Darcy Amorim - Pode-se exercitar a
linguagem poética sem ser no papel? Pode-se utilizá-la de outra forma?
Viver é um exercício diário de poetar. Por isto, minha obra
fundamental chama-se VIDA-VIVER. Coloco a leitura de poesias em meu caminho,
acrescento-a ao meu roteiro para tentar transfigurar ou amenizar o real.
Precisamos de poesia para viver. Precisamos contaminar o mundo com muita
poesia!
Consciente da finitude da existência terrena, sei que esta obra só
ficará completa quando, ao invés de interrogação, ou exclamação, nela for
colocado um ponto final.
Artur
Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do
caminho?
Darcy Amorim - Uma pedra no meio do
caminho?
Eu tive uma montanha! Doeu muito! Demais!
Artur
Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise
virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Darcy Amorim - Aquele que vive sem
perder as ilusões, o entusiasmo, o respeito ao outro, em equilíbrio com a
espiritualidade e a natureza, este, acredito, passarinho!
Artur
Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e
jornalista Ademir Assunção, afirma
que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de
onde vem, qual é a sua tribo?
Darcy Amorim - Sei que a pergunta é
metafórica. No entanto, minha resposta baseia-se no literal.
Venho das terras alagoanas. Mais precisamente de Palmeira dos Índios,
situada na região do agreste, porta de entrada do sertão.
Agora, se você está se referindo às primeiras referências literárias,
para despertar o desejo de ler e ou escrever, posso dizer com certeza.
Primeiro, Graciliano Ramos meu conterrâneo. Junto dele, Clarice Lispector,
Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e o grande
Fernando Pessoa.
Artur
Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de
poesia?
Darcy Amorim - Poeta militante é
aquele que vive só da sua arte? Ou aquele que tem um olhar atento para as
questões éticas, culturais, religiosas , políticas, tudo enfim que envolve o
homem e seu relacionamento com os seres e o mundo , em busca de uma sociedade
ideal.
Creio que poeta militante seja aquele que faz da sua arte um
instrumento de transformação social. Aquele que tem um olhar atento para
questões éticas, culturais e ideológicas que envolvem o homem do seu tempo e
seu relacionamento com as pessoas e com o mundo.
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