quinta-feira, 7 de maio de 2020

Luís Lúsio - EntreVistas



Conheci o Luís Lúsio, há pouco, ele me adicionou no face para que eu lhe passasse algumas impressões sobre o Karlos Chapul, que conheço lá dos anos 80, quando dos tempos de Mostra Visual de Poesia Brasileira e dos agitos em encontros criados pelo saudoso e desaparecido Gabriel de La Puente,  em Jardinópolis, Batatais e Registro, 3 cidades paulistas que continuam cravadas em minha memória.  Nesse bate papo que segue posso dizer que conheço o Luís Lúsio mais um pouco, e o contato diário por aqui irá enriquecer muito mais a nossa troca poética e as nossa impressões sobre o tempo em que vivemos.

Luís Lúsio - Poeta nascido na Baixada Fluminense, também se desdobra como professor e jornalista. Atualmente escreve a biografia de Karlos Chapul.

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Luís Lúsio - Penso que o meu estado de poesia ainda está se processando. Ele não é algo definitivo, e se em algum momento for, ficarei preocupado, pensarei que terei morrido. A todo momento busco alternar, a fim de encontrar um estilo. Tento várias fórmulas, mesclar concretismo, com o minimalismo típico dos tempos atuais. Alguns, têm certo apelo visual – o que me interessa bastante.

Às vezes, meu poema se dá em uma só palavra, toda ela dissecada. Cada palavra é uma história. Alguns deveriam ser ilustrados para consumo, daí um apelo que a minha arte faz às artes plásticas. Mas, ultimamente, ando escrevendo sonetos, diria que eles são anárquicos, porque não respeitam o padrão original dos sonetos.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Luís Lúsio - nunca saberei como é por dentro das coisas,
o tamanho específico do coração e quais diferenças há no teu em relação ao meu.
nunca saberei a história do objeto;
quem o construiu, o porquê da construção, o quê do arquiteto que há no filho.
nunca saberei como sentem, pensam, viajam, sintetizam, de fato, sobre qualquer concretude ou abstração,
palavras nos aproximam repelindo os apressados...
toda a nossa dificuldade em entender,
através do morfema, o que o nosso arregalar de olhos disse além...
a surpresa em destilar tanto do vazio.
nunca saberei o porquê de estar aqui no banheiro cedo sentado olhando outros seres brincando.
nunca saberei porque os insetos alisam as patas, que mais parecem linhas, antes de tomar atitude,
nunca saberei por qual motivo continuo escrevendo e planejando e nunca conseguindo cumprir os prazos
sabendo que as dúvidas movem os moinhos do planeta que não sabe,
sabendo que a foto capta tão pouco da nebulosidade climática do fato.

Luís Lúsio.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Luis Lúsio - Hoje, dois. Karlos Chapul e Rumi.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Luís Lúsio - A realidade serve de inspiração. A decadência de tudo, do ser humano, da sociedade e da poesia é uma fonte. Engraçado, que em alguns poemas perco horas mexendo e remexendo e outros são meros insights, estalos do inconsciente, os recebo sem um método específico, e não consigo explicar muito bem por que vieram. Difícil definir uma vertente de recebimento, são várias entradas. Alguns vêm de coisas que vivi e quis registrar para não esquecer, outros são devaneios que quis desenrolar, outros são frutos de alguma pesquisa que achei legal, um fato inusitado.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Luís Lúsio - Fernando Pessoa é um poeta que ainda não superei. Poesia completa de Álvaro de Campos e Alberto Caeiro. Foram os primeiros poetas que realmente me deixaram chocado.

Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Luís Lúsio - Também escrevo ensaios filosóficos e prosas poéticas. Para mim, a poesia está muito próxima da filosofia,as trago para o mesmo espectro, até por causa do sentido original do termo grego “Sofia”. Uma sendo mais metafórica e a outra mais metonímica. Sinto uma liberdade enorme em ser um prosador do cotidiano. A poesia é uma arte com uma aura diferente, mas a vida é prosa com alguns flashes de poesia.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Luís Lúsio - Toda ilusão é uma desfeita,
Em crise, o excesso de sentido,
Se confunde, talvez a poesia,
Fico com as pessoas comuns, quaisquer,
Nenhum nome é verdade,
Crítico pelo menos não está armado,
Google me responde,
Eu estou num outro tempo,
Qual é a saída? - eu pergunto,
Em busca de recompensa ou para evitar.

Luís Lúsio

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Luís Lúsio - O isolamento tem muito a nos ensinar. A mim não foi tão doloroso porque me acostumei com a solidão, ela é sólida e o silêncio ensina muito sobre si. E é isto o que devemos procurar: o autoconhecimento. Fica difícil fazer previsões, nunca estivemos tão conectados, mas ao mesmo tempo parece que não fazemos jus a tal conexão.

Os problemas da humanidade são os mesmos desde a Antiguidade: falta de amor e respeito ao próximo. Nada é por acaso e é na crise que precisamos criar a criatividade para sairmos mais fortes do que antes. Cientistas precisam ser mais incentivados e são nossos verdadeiros heróis.

Só o Estado pode intervir de uma maneira eficaz e financeira para solucionar os problemas atuais. Porém, vivemos em um Estado de exceção que flerta com o autoritarismo. Então, é a hora dos bons políticos se destacarem. Eles existem. Os bons políticos, os cientistas e os artistas, que retratarão o momento, são os passarinhos e o fascismo passará.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Luís Lúsio - Lá em 2013, na faculdade de letras da UFRJ, encontrei um grupo apelidado de “Amíster”, formado por pessoas  muito engajadas, tanto politicamente, quanto poeticamente. Nos reuníamos no gramado da faculdade para trocar experiências, produzíamos diversos saraus, era muito bom. Existe um grupo chamado Mural de Poesia/Letras – UFRJ, no Facebook, onde nossas agitações poéticas, conseguiram expandir bastante as publicações e os membros. Entre 2013 e 2016, houve um pico de interesse no grupo. De 400 membros, o grupo foi para mais de 1000. Quase todos os nossos colegas se experimentavam ali.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Luís Lúsio - No dia em que a poesia tiver alguma pretensão de militância, deixará de ser poesia e virará política. Portanto, prefiro ela despretensiosa, livre de estereótipos e paradigmas. Contudo, compreendo que a sociedade precisa do viés poético produzido em larga escala para revolucionar sua política, e respeito muito quem está na linha de frente para promover o encontro entre os poetas.

Ser poeta hoje é entender que o mundo precisa de mudanças e é trazendo arte ao mundo individual, tratando a própria vida como uma obra de arte, é que se alcança uma espécie de plenitude, que a sociedade tanto precisa. Todos são poetas, artistas, basta que se descubram. Essa busca que é o verdadeiro desafio.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Luís Lúsio - Qual o último poema que você escreveu?  Então, lá vai:

Pindorama

Belo pandemônio meridional,
Gente de cá e de lá a detratar,
Pecaminosa gleba fértil onde,
Bafejam juízes-empresários,

Enrolada ralé da égide pede,
E o fato escancarando a tela,
Prefere ir pastar com pastor,
Se tosse, xamã, pajé, aí, UTI,

Se fosse, não seria o que é,
Berço do conto de nunca ser,
Corisco arrisca caçoar teu ar,

Bebê aluado meio sem jeito,
Bebe o que pinga de manhã.

A outra face do poeta: me identifico muito com o Chapul, quem estudo hoje, na timidez. O caminho do haikai ensina a humildade como ninguém. Tenho em mim a desnecessidade de me sentir importante. Sou o des-sabedor das coisas. Sabe o menino que carrega água na peneira, do Manoel de Barros? Pessoas lêem o poema e pensam em mim. O poeta carrega uma aura muito pesada, inclusive, a palavra carrega um moralismo a qual me oponho.

Mais jovem já tive pretensão de liderar poetas, publicar manifestos. Pensava, 2022 está na porta, 100 anos da Semana de Arte Moderna. Mas quando política se misturava com poesia, senti alguma contaminação nas minhas ações e resolvi recuar.  Por quê não publicar um livro? - pensei. Pra quê? A quem estou atendendo? Um desejo do ego? Ou de um simples pragmatismo?

Sempre fui contra o fazer por fazer. Estamos em eterna experimentação, então preciso abusar dela, antes de querer que a palavra ecoe na eternidade. Publicar é uma eterna responsabilidade. Hoje, aos 28 anos, tenho necessidade de aprender a ler, primeiro, para assim poder ajudar meus camaradas.

Deixei para amanhã o poema que deveria fazer hoje. Não por covardia, mas por entender a responsabilidade do poeta na polis. Estamos falando de criação, estamos falando de aproximação com Deus. Não pode ser qualquer coisa. A filosofia me ensinou que o niilismo é um grande amigo, pois é ele quem vai ensinar o valor do valor.

Sempre fui um peixe fora d'água em alguns encontros de poetas aqui do Rio de Janeiro, é muito ego envolvido. Então, aprendi a deixar o meu ego mais em off. Assim, atrapalho menos. Como um bom budha, fui viver a retidão do Sana, de Lumiar. Como se fosse um eremita e ainda sufista.
O verdadeiro amor está bem a frente das agronomias inversas da paixão. Minha natureza é muito desequilibrante, logo precisei aprender a neutralizar esse lado. Por questões evolutivas mesmo.

Não me considero um anti-cosmopolita porque é da cidade que eu sobrevivo. Mas dou aulas de inglês muito mais para ajudar o desenvolvimento espiritual dos alunos do que para elitizá-los. As matérias que produzo no jornalismo são muito mais de cunho alternativo, visando um olhar crítico da sociedade do que as habituais hard news a que estamos acostumados e são sempre as mesmas.

Luís Lúsio

Fulinaíma MultiProjetos
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