Conheci Luis Mendes, através de uma postagem no face de Claudinei Vieira, nosso editor de Desconcertos. O post anunciava o lançamento do livro Conversa de Encruzilhada, que de cara me chamou a atenção, não perdi tempo, adicionei o Luis logo. De lá prá cá acompanho atento a sua escrita de luta, contra as desigualdades e mazelas que nos afligem diariamente nesse país assombradado, que não tem mais pau nem brasa, apenas zil.
Luis Antonio Mendes - nascido em São Joaquim da Barra estado de São Paulo. Desde cedo entrou em contato com a pobreza e a vida dura destas populações, assim como também, com a sua religiosidade, em especial as de matrizes africanas. Entrou em contato com os movimentos de reivindicações e também os movimentos culturais na região do Itaim Paulista. Frequentou rodas de capoeiras e toca na bateria da Unidos de Santa Bárbara. Também teve um de seus textos adaptado e encenado ao ar livre na Praça de Oxum, na Bahia.
Outro texto foi solicitado para uma tese de doutorado na Universidade de Coimbra em Portugal. Fui convidado para uma roda de conversa entre professores no CÉU Paraisópolis.
Ultimamente trabalho como orientador sócio educativo em um centro de acolhida para homens acima dos dezoito anos em situação de rua. Meus Contos/Crônicas urbanas, escritas no decorrer da vida, mesclam ficção e cotidiano da vida nas periferias da cidade de São Paulo, tendo como base, os acontecimentos triviais do dia a dia, trazendo como protagonistas os grupos vulneráveis da sociedade paulistana, que passam invisíveis aos olhos da grande cidade, como negros, mulheres, andarilhos, jovens, enfim, mesclado com figuras mitológicas das culturas africanas e européias, com encontros e diálogos que promovem uma cartáse entre o real e o imaginário, entre a realidade e o fantástico, trazendo à uma reflexão sobre as questões políticas, sociais e ideológicas do nosso País, de maneira leve, mas ao mesmo tempo contundente.
Tais encontros podem ocorrer nos mais variados lugares, mas em geral acontecem nas encruzilhadas, local conhecidamente mágico para a maioria dos brasileiros. Para tal, além das pesquisas, discussões que aparecem na rotina do dia a dia, trago pesquisa de elementos culturais da cultura Yorubá, palco das principais crenças da população brasileira, evidenciando assim a miscigenação presente em nossa população, e que nas periferias da grande metrópole, não foge a regra.
Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Luis Mendes - Bem, eu não me considero poeta! Acho que tento fazer crônicas e contos.
Artur Gomes - Sua crônica preferida?
Luis Mendes - Minha crônica favorita é Avamunha. Do livro: Conversa de Encruzilhada - Editora Desconcertos - 2019 - disponível no link
Todos ouviram o grito de socorro da Matilde. Também ouviram o barulho dos pratos e copos sendo estilhaçados pela casa. Ouviram os socos e pontapés no corpo da mulher, todos ficaram em silêncio, trancados em suas casas. No outro dia Obaluaie veio silenciosamente recolher o corpo da pobre mulher morta pela violência doméstica, mais um feminicídio!
Sérgio, seu marido, fugiu! Ninguém viu ou ouviu alguma coisa. É a lei do silêncio decretada nas comunidades! Anos depois Sérgio levava uma vida feliz, casou-se com Soraia e vive discretamente em outro estado, em outra periferia. Vivia de biscates, vendia doces e balas no trem do subúrbio. Não podia apresentar documentos para ser contratado em uma empresa, era procurado. Aderiu à igreja dos crentes, era um cidadão de bem.
Mas Yansan ouviu os gritos de Matilde, assim como de outras mulheres que morrem na ponta de uma faca ou de um tiro! Também ouviu o choro de Soraia, a atual mulher do Sérgio, quando levou o primeiro tapa no rosto. Era tarde da noite, Sérgio vendia os últimos doces para os fregueses fora de hora, o tempo está mudando e vai vir tempestade! Uma linda mulher negra de vestido vermelho embarcou para a viagem. Silenciosamente sentou-se no banco e observava os raios que cruzavam o céu. A composição, como se percebesse a presença da linda mulher, começou a bater seus ferros. Ferros de Ogum!
- Olha o doce, olha a bala! Gritava o Sérgio no corredor do trem. Ao se aproximar da linda mulher, ela silenciosamente se levantou e olhou para ele.
- Você? Gritou Sérgio. Desesperadamente correu deixando para trás os doces e balas espalhados pelos corredores do trem que aumentava a velocidade e as batidas de seus ferros parecia o toque de avamunha! Por ser uma composição precária, ao atravessar para o outro vagão, Sérgio se desequilibrou e caiu na linha do trem, sendo comido pelos ferros e aço da composição. Uma cena tétrica!
Os poucos passageiros que presenciaram a cena, em seus depoimentos juravam que ele gritava o nome de Matilde, quando caiu na linha. Outros só ouviram o barulho do ferro e aço. Porém todos concordavam que viram quando a mulher negra de vestido vermelho desembarcou em meio a uma tempestade e sumiu, quando um raio cruzou o céu que cobria a periferia. Alguns disserem cruz credo! Outros silenciosamente disseram eparrei Yansan! Já alguns homens ao olhar o sangue derramado na linha do trem disseram:
- Ogum maṣe pa mi.
E baixaram pensativos suas cabeças, pois sabem que assim como Yansan, Ogum também não perdoa.
Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Luis Mendes - Li alguns autores como Ruben Braga, Jorge Amado, Luiz Veríssimo, João Ubaldo e outros. Gosto muito do Jorge Amado.
Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Luis Mendes - Geralmente escrevo ou penso em escrever quando estou na rua, num transporte público enfim! É dali que surgem meus personagens.
Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Luis Mendes - Como eu só tenho um, seria Conversa de Encruzilhada.
Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia¿
Luis Mendes - Estou tentando ensaiar um romance, porém falta tempo.
Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho¿
Luis Mendes - Desempregado Encantado!
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho¿
Luis Mendes - Embora eu faça parte do grande emaranhado que é a ser humanidade, sou cético quanto a isso.
Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo¿
Luis Mendes - Eu venho das ruas, das rodas de capoeira e candomblé.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia¿
Luis Mendes - creio que nos dias atuais fazer poesia ou crônicas, que é o meu caso, é estar antenado com as mudanças que acontecem nas ruas! Aliás mudanças rápidas e perturbadoras.
Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Luis Mendes - Creio que foram feitas todas.
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