Arte Digital - Ademir Antonio Bacca
Ronaldo
Werneck é outro poeta cujo meu primeiro contato vem lá dos anos 80 Mostra Visual de Poesia Brasileira, com Joaquim Branco e Hugo Pontes formava a santíssima trindade mineira, presente com seus poemas processos, visuais, experimentais, nas edições da MVPB.
Durante o tempo em que morou no Rio de Janeiro, foram constantes
nossa troca de correspondência via correios. Depois que voltou para Minas e se
refugiou no seu berço em Cataguases, passamos um bom tempo sem contatos.
A partir dos anos 2000 passamos a nos encontrar anualmente,
em Bento Gonçalves-RJ nas edições do Congresso Brasileiro de Poesia, onde em
2014, foi o poeta homenageado.
Nos encontramos novamente no Rio, duas vezes em 2019, na
Balbúrdia Poética, em La Taberna de Laura, em Copacabana e no Sarau do Anand Rau, em Botafogo.
Tenho quase certeza que estivemos juntos numa reunião com o
Françóis Fusco, e Joaquim Branco certa vez em Cataguases, mas ele dirá que "Há Controvérsias".
Artur
Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Ronaldo
Werneck – Como na construção de um poema (em) processo. Não é
propriamente um “estado”, mas um “país” em constante ebulição. Vem do
escuro da noite(a poesia), mas não é sua inimiga: antes, anuncia a manhã,
alvorece com o dia. Num permanente entrecruzar de palavras. Um pouco como
aquele galo-palavra do João Cabral que, se “sozinho
não tece uma manhã”, é com muitas palavras-galo que
“com muitos outros galos se cruzem/ os fios de sol de seus gritos de
galo,/ para que a manhã, desde uma teia tênue,/ se vá tecendo, entre todos os
galos”.
Essas palavras-galo: meu estado – perdão, país – de poesia.
Artur
Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua
admiração.
Ronaldo
Werneck –Um dos muitos poemas que co-meti? (aboutade me lembra um fragmento de um dos poemas de meu livro “Doris
Day by Night”: hamlet´stryagain:/ meter
ou não me ter).
Talvez o poema mais recente, mais up-to-date: “A Peste
Pede Passagem” (está no meu blog: http://ronaldowerneck.blogspot.com/),
ou talvez um dos primeiros,
“23/10/168”:
hoje tenho
25 anos
e queria
escrever ócio
mas minhas
palavras são de aço
hoje tenho
25 anos
e a poesia
é difícil
mas o
poema é meu ofício
hoje tenho
25 anos
e a poesia
me chama
faço o
poema como quem ama.
Um poema do(s) outro(s)? São tantos, do tudo-tão- pouco que
já li. Difícil destacar um só. Um Maiakóvski cai bem:
“O
poeta/ é o eterno/ devedor do universo/ e paga/ em dor/ porcentagens/ de pena./Mas
a força do poeta/ não se reduz só/ a que te lembrem/ no futuro/ entre soluços./
Não!/ Hoje também/a rima do poeta/ é carícia/ slogan/ açoite/ baioneta”.
Um Drummond também:
“Admito que
amo nos vegetais a carga de silêncio, Luís Mauricio./Mas há que tentar o
diálogo quando a solidão é vício”.
Ou um Rimbaud:
“Oh!
que maquilleéclate! Oh! que j'aille à lamer!”/... / Toutelune est atroce et tout soleilamer”.
Um
Ungaretti no máximo de contenção como naquele definitivo
“Mattina:
M´illumino d´immenso”
Quem sabe um Mallarmé:
“ ...sansprésumer de l’avenirqui sortira
d’ici, rien ou presqueun art...”.
Todo aquele João Cabral eternizado por
“Alguns Toureiros:
“... sim, eu vi Manuel Rodríguez,/ Manolete, o mais asceta,/ não só cultivar
sua flor/mas demonstrar aos poetas:/como domar a explosão/ com mão serena e
contida,/ sem deixar que se derrame/ a flor que traz escondida,/ e como, então,
trabalhá-la/ com mão certa, pouca e extrema:/ sem perfumar sua flor,/sem
poetizar seu poema”.
Ou talvez, quem sabe?
O poema das Bacantes em “A Reconstrução” do Mário Faustino
(dos poucos que sei de cor, talvez por seguir o lema de sua página
“Poesia-Experiência no velho-sempre-novo SDJB, o Suplemento Dominical do Jornal
do Brasil: “Repetir para aprender, criar para renovar”.
Et pour cause:
(...)
E nos
irados olhos das bacantes
Finalmente
descubro quem procuro.
Não eras tu,
Poesia, meras armas,
Pura
consolação de minha luta.
Nem eras
tu, Amor, meu camarada,
Às costas
me levando, após a luta.
Procurava-me
a mim, e ora me encontro
Em meu
reflexo, nos olhares duros
De ébrios
que me fuzilam contra o muro
E o perdão
de meu canto. Sobre as nuvens
Defronte
mãos escrevem numa estranha,
Antiquíssima
língua estas palavras
Que afinal
compreendo: toda vida
É
perfeita. E pungente, e raro, e breve
É o tempo
que me dão para viver-me,
Achado e
precioso. Mas saúdo
Em mim a
minha paz final. Metade
Infame de
homem beija os pés da outra
Diva
metade, enquanto esta se curva
E
retribui, humilde, a reverência.
A serpente
tritura a própria cauda,
O círculo
de fogo se devora,
Arrasta-se
o cadáver bem ferido
Para fora
do palco:
este
cevado
Bezerro justifica
minha vida.
Artur
Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Ronaldo
Werneck –Fora os já citados, outros e outros, de Murilo Mendes a
Octavio Paz, de Eliot a Manuel Bandeira, de Pound a Jorge de Lima, de Camões a e.
e. cummings, de Cecília Meireles a Wisława Szymborska– entre os conhecidos,“ou não” (como diz o Caetano). E aqui
volto ao fundamental Maiakóvski:
“Eu/ à
poesia/ só permito uma forma:/ concisão/ precisão das fórmulas/matemáticas”.
Ou dele ainda,
antecipando cerca de um século atrás este nosso tempo de terraplanistas, terraplenagens
& outras sacanagens:
“Quem quiser/ uma prova/ de que a terra é curva,/sentado/ sobre as
próprias nádegas,/ resvale!”.
Artur
Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque,
algo que o impulsione para escrever?
Ronaldo
Werneck – Certa vez um crítico disse que eu era um poeta da imagem. De
certa forma, tinha razão. Sou levado muitas vezes pelo que vejo, atento ao
mundo à minha volta. E a imagem é sempre muito forte (daí meu fascínio pelas
artes plásticas, pela fotografia e, por extensão, pela fotografia em movimento,
pelo cinema).
Contradizendo o Evangelho de João, para mim no início era a
imagem, o verbo veio depois. E essa “imagem-mater”
acaba por se refletir na própria construção espacial de meus poemas, do
concretismo ao poema processo. Gertrude Stein afirmou certa vez: “escrevo com meus olhos e não com meus
ouvidos ou minha boca”. E confessa ainda que aprendeu a sua arte não apenas
com o realismo de Flaubert, como com as pinturas de Cézanne e Picasso (de quem
foi amiga).
Para Stein, a escrita se faz pelos olhos – porque o que se
compõe em uma obra, para ela, vem sobretudo daquilo que é dado a ver a cada
pessoa em sua diferença. A obra – qualquer
obra – é um transplante de olhos: dá a ver de modo único aquilo que unicamente
vê quem escreve.
Artur
Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Ronaldo
Werneck – É comum os escritores, poetas principalmente, execrarem seu
primeiro livro. Eu vou na contra corrente: acho que a publicação em 1976 de “Selva Selvaggia”, meu livro de
estreia, foi de grande importância em minha trajetória. Apesar de todos os seus
“tiques de estreante” (mas também
com suas pedras-de-toque que perduram), gosto dele até hoje.
Não por acaso, “Selva
Selvaggia” foi revisitado em meu livro “Revisita
Selvaggia”, de 2005, e ocupa várias páginas de minha obra mais recente, “Momento Vivo”, de 2019. Já estava em “Selvaggia” uma de minhas bandeiras:
“O
poema é veículo/ a poesia carga nobre:/suor e insight”.
Artur
Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra
forma de linguagem com poesia?
Ronaldo
Werneck– Sim, já publiquei ensaios (sobre o cineasta Humberto
Mauro, sobre o romancista Rosário Fusco) e dois livros de crônicas da série “Há Controvérsias” (o terceiro vem por
aí, se o coronavírus deixar). Com poesia, é a pergunta? Sim, a poesia acaba
tomando de assalto tudo o que escrevo.
Artur
Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do
caminho?
Ronaldo
Werneck – Não que propriamente eu o tenha “escrito”, na verdade ele
foi desenhado. Trata-se do meu poema visual “Libertarde”, início do meu “namoro”
(xô, Regina Sem Arte!) com o poema processo. A “pedra”, no caso, era o caminho de Minas e sua bandeira, remetendo
ao “Libertas quae sera tamen” (o famigerado “Liberdade
que será também” na tradução-adolescente
do jovem Vinicius de Moraes).
Foi de início construído de maneira precária, a lápis, com
um maço de cigarros servindo de régua/contorno do(s) triângulo(s) e uma moeda
que me proporcionou o círculo. O triângulo começava pequeno, dentro do círculo,
e ia num crescendo, dialeticamente, como num salto qualitativo, até que
ultrapassava o círculo, que se mantinha inalterado em todo o “processo”.
O título (a pedra-de-toque) dava a leitura que se propunha.
Não é que deu certo? “Libertarde”
foi publicado em 1973 na seção de poesia que o Affonso Romano de Sant´Anna
editava no Caderno B, com direito, vejam só, a chamada na primeira página do
então prestigiado Jornal do Brasil. Depois estampado várias e várias vezes em
publicações daqui e do exterior. E, claro, foi um dos poemas visuais que
constava do meu primeiro livro, lançado logo depois.
Artur
Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise
virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Ronaldo
Werneck –Ficam os que não foram – para dar uma resposta surrealista. Ou,
como no lema de La Pasionara, uma das fundadoras do Partido Comunista da
Espanha, durante a Guerra Civil: “;No
pasarán!”. Os fascistas, também os
de hoje, não passarão! Ficam os que vão tragicamente ficando: Aldir Blanc,
Sérgio Sant´Anna (que acaba de “ir”
exatamente hoje, enquanto escrevo) e outros e outros artistas, além dos mais de dez mil mortos no
Brasil até agora.
A peste pegou “corona”
no bonde de nossa história. Eles passarão? Nós, que ficamos (e vamos?),
passarinhos? Triste “sin(t)fonia
de perdas e pardais”, como eu já disse num de meus poemas.
Artur
Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e
jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele
traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Ronaldo
Werneck – “Vem da mata o menino/ de mim das minas claras/ de miniminas raras/
.../ vem da mata o menino/ solta-se das gerais/ de si minas não mais” –
escrevia eu em 2012 num poema de meu livro “Cataminas
pomba & outros rios”.
Minas é muito forte: depois de mais de 30 anos no
Rio de Janeiro pra cá voltei. Pra Cá/taguases, daqui, onde “apareci no mundo” (salve, Ary Barroso!) e onde sempre esteve minha
“tribo”, desde os tempos dos
suplementos literários que editei com o poeta Joaquim Branco, tempos de concretismo e do poema processo: éramos
um dos braços mais atuantes do movimento em Minas Gerais. Movimentos (as tribos
do anos 60) não mais existem. Hoje resistimos sós. Como eu, também o Joaquim ainda mora aqui, mas a gente se
vê muito raramente (um zap, um telefonema e olhe lá) – porém nossa amizade,
melhor, nossa “irmandade”, se mantém
como antigamente.
Artur
Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Ronaldo
Werneck –Passo a palavra a Maiakóvski. Nada melhor que ele – sempre
ele, e olhe que um século atrás – para responder:
“Para nós/ a rima/ é um barril./Barril de dinamite./ O verso, um
estopim./ A linha se incendeia/e quando chega ao fim/ explode/ e a cidade em
estrofe/ voa a mil.//.../ A poesia/ – toda –/ é uma viagem ao desconhecido”.
Artur Gomes - Que
pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Ronaldo
Werneck –A pergunta “que não
quer calar” seria “Por que você não gosta do Fernando Pessoa?” A resposta talvez fosse: “Sabe que eu não sei?”.
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