sábado, 11 de julho de 2020

Alberto Bresciani - EntreVistas



Em 2019, na minha última ida a São Paulo, estive hospedado no apartamento do meu querido amigo poeta Pedro Tostes  e o seu ap mais parece uma biblioteca com livros por todos os 7 cantos. Como a estada por lá, durou aproximadamente uma semana, pude desfrutar de alguns tesouros que ali habitam. Certa manhã logo que acordei meus olhos bateram no livro Fundamentos de Ventilação e Apneia, de Alberto Bresciani. Não perdi tempo e devorei os poemas num fôlego só. A partir daí, o adicionei no face e acompanho a sua produção e divulgação intensa de poesia que faz no blog  www.escritadroide.blogspot.com


Alberto Bresciani nasceu no Rio de Janeiro, em 4 de julho de 1961. Vive em Brasília. É poeta e juiz. Autor de Incompleto movimento (José Olympio Editora, 2011), Sem passagem para Barcelona (José Olympio Editora, 2015, finalista do prêmio APCA de Literatura - Poesia de 2015), Fundamentos de ventilação e apneia (Editora Patuá, 2019) e Hidroavião (Editora Patuá, 2020). Integra, entre outras, as antologias Outras ruminações (Dobra editorial, 2014), Hiperconexões – realidade expandida (Editora Patuá, 2014), Pássaro liberto (Scortecci Editora, 2015), Pessoa – Littérature brésilienne contemporaine (Revista Pessoa, édition spéciale – Salon du Livre de Paris, 2015),  Escriptonita (Editora Patuá, 2016), Hiperconexões: sangue e titânio (Editora Patuá, 2017) e Ruínas (Editora Patuá, 2020). Tem poemas publicados em portais, blogs e sítios da internet e em revistas e jornais impressos.

 Artur Gomes -  Como se processa o seu  estado de poesia? 

Alberto Brsciani - A expressão é muito oportuna: “estado de poesia”. Sim, é fundamental entrar em estado de poesia para que venha o poema. Eu não consigo programar a escrita.  É preciso estar envolvido com leitura de boa poesia, com o espírito aberto ao assombro, à perplexidade, ao prazer, às imagens e às palavras. E, ainda, que se torne necessária a expressão daquilo que então se mostra, quase como condição de sobrevivência. 

 Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Alberto Brsciani - Eu poderia fazer uma antologia pessoal de poemas  que me interessam. Mas não seria o caso. Um poema que nunca se esgota para mim compõe Histórias verídicas, de Paol Keineg, poeta bretão (com tradução de Ruy Proença), livro fantástico, publicado pela Dobra Editorial em 2014. Nesse poema, as lâminas da incomunicabilidade e, daí, a incompletude que atravessa as nossas vidas estão presentes com extremas sutileza e tensão:

Atravessei toda a cidade
A mão tapando a boca
Não me deixei distrair
Pelo espetáculo dos policiais
E dos vendedores de caranguejos na calçada
Avancei direto
A mão obstinadamente sobre a boca
Recusando responder
Aos que me perguntavam as horas
No hospital recusei responder
Às enfermeiras que me questionavam
Terminei por sussurrar ao ouvido de um médico:
Doutor eu falo bretão.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Alberto Brsciani - Eu seria injusto se dissesse que tenho um poeta de cabeceira. Seria injusto ainda se dissesse que tenho vinte ou sessenta. Eu adoro ler poesia e estou sempre às voltas com novos poetas, poetas consagrados, trabalhos recentes, livros mais antigos. Em minha cabeceira, há um rodízio bastante veloz. Já admitindo que faço referências aleatórias e que muitíssimos outros nomes poderiam ser lembrados, eu mencionaria Adriane Garcia, Eucanaã Ferraz, Annita Costa Malufe, Ana Estaregui e Ismar Tirelli Neto; Edimilson de Almeida Pereira, Prisca Agustoni, Tarso de Melo, André Caramuru Aubert, Leonardo Almeida Filho e Ruy Proença; Cesare Pavese, Robert Creeley, Bob Hicok e Tony Hoagland; Filipa Leal, Gastão Cruz, Adília Lopes, Valter Hugo Mãe, Silvana Guimarães e Cinthia Kriemler; Dalila Teles Veras, Fabíola Mazzini Leone, Rogério Leone e Ricardo Aleixo; Ana Maria Lopes, Alexandre Marino, Dagmar Braga, Leonel Delalana Júnior, Diana Junkes, Mariana Ianelli e Adriana Lisboa. E poderia continuar por dias e dias.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Alberto Brsciani  - O impulso da escrita pode surgir do que leio, de uma notícia (e, hoje, são tantas), de uma cena de filme ou outra testemunhada, do diálogo com minhas amigas e meus amigos poetas ou não, de alguma lembrança que se torne outra vez presente, da dificuldade de respirar ou do sentimento raro de proteção, de um verso que o dia ofereça.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra¿

Alberto Brsciani  - Fico constrangido quando se fala em minha obra. Será, de fato, uma obra? Talvez o livro definitivo seja o próximo. Talvez o livro definitivo nunca venha a existir. Se houver uma chance para isso, o tempo dirá.

Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia¿

Alberto Brsciani - Sim. Tenho alguns poemas em prosa. Poucos publicados. Também fiz algumas experiências com contos e minicontos e, em muitos deles, não consegui apagar de todo o poema.
  
Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Alberto Brsciani  - Penso que todos. Mas, pela cicatriz que todo luto deixa, eu leria “Passado a limpo”, que está em Fundamentos de ventilação e apneia (Editora Patuá, 2019):

PASSADO A LIMPO

O branco da parede é meu reflexo
e deve ser um tipo de penitência
ver-me assim, surpreso, pálido,
sem manchas, hematomas, pânico,
sim, estou bem, ainda estou aqui,
esperando a mensagem, o som
do telefone, o resultado dos exames,
os seus, espero, não choverá hoje,
nada aconteceu comigo, veja, sou
só eu, esta parede em branco, som
nenhum, notícia alguma sua, não,
nós nunca pensamos ou acreditamos
que ela viria e estávamos todos aqui,
no supermercado, na limpeza da casa,
ouvindo o pássaro bem alimentado,
vivo sobre a amendoeira, escute,
não tenha medo, não guardo sustos,
filhotes de hamsters ou gatos, não,
nós nos distraímos e ela veio, cedo,
o último livro pelo meio, os lençóis
limpos, passados, aqui, nas prateleiras
e então você a seguiu, não deixou
carta, não disse nada que desperte
o opaco dessa parede em branco.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Alberto Brsciani  - Qualquer resposta seria um exercício de futurologia sujeito a muitas coordenadas. Somos responsáveis pelo futuro, mas o futuro nunca é inteiramente nosso. Quem poderia imaginar uma pandemia dessa estatura em 2020? E talvez ainda venham outras. Nisso tudo, há muito de ficção científica. Há muito de história. Já passamos por crises semelhantes. Talvez muito piores pela incipiência do conhecimento científico e pela falta de tecnologia. Não creio que a humanidade mudará. Os homens são sempre os mesmos. O que se altera é a estética do ambiente. Mas, com alguma esperança, gosto de me lembrar de que à terrível Peste Negra da Idade Média sucedeu a Renascença. Quem sabe?

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Alberto Brsciani  - Ademir Assunção é um poeta imenso. Gosto muito de seu trabalho. Uma amiga portuguesa, em ideia semelhante, diz que os poetas habitam diferentes florestas. A minha produção é fisicamente solitária. Por circunstâncias várias, tenho pouco contato – ao vivo – com outros poetas, movimentos, saraus. Viver em Brasília não auxilia muito. Assim, não sei se seria convidado por alguma tribo. De qualquer modo, pensando no resultado do meu trabalho, tenho  aproximação com a poesia contemporânea portuguesa. Vejo também muito da linguagem que molda a atual produção mineira e, talvez de maneira paradoxal, também incorporo algo da moderna poesia americana.



Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Alberto Brsciani  - O poeta contemporâneo tem alguns benefícios em relação aos antigos. A poesia vem deixando de ser essencialmente elitista, fenômeno que está ligado às redes sociais, e há clara facilidade de publicação. Essas vantagens, por outro lado, também despertam um cenário hostil e requerem muito equilíbrio emocional. A luta por espaço ganhou maior dimensão.  O importante é que o poeta não banalize seu trabalho e evite o receio de ser recusado pelo mainstream, que leia muito e sempre e que procure compreender o espírito de seu tempo, que deve fotografar. 

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Alberto Brsciani  - Abandonar o silêncio e escrever para quê? Uma dúvida que revisito todos os dias. Lembrando René Char, talvez porque exista um atraso em relação à vida, que exige superação. Por catarse ou covardia? Quase sempre pelo fato de não se conseguir fugir à imposição de se dizer mais do que a voz permite.  


Fulinaíma MultiProjetos
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EntreVistas – www.arturgumes.blogspot.com
com os dentes cravados na memória




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