sábado, 25 de julho de 2020

Igor Calazans - EntreVistas


Conheci Igor Calazans  no face, onde temos uma infinidade de amigos comuns. Incrível como há tantos anos presente nas noites  carioca de poesia,  ainda não tivéssemos nos encontrado pessoalmente, uma prova que de que esse mundo é pequeno, e ao mesmo tempo vasto. No face estou sempre atento ao que ele publica. Dia desses vendo um vídeo com ele interpretando “Cubo de Gelo”,  poesia de Meera Mennegon, pensei: está na hora de entrevistá-lo. E aí segue o nosso bate papo.

Igor Calazans Abreu nasceu a 22 de abril de 1986, em Niterói, Rio de Janeiro. Jornalista, escritor e poeta, publicou até o momento três livros de poesia: “Devaneios: O Recanto do Poeta”, de 2015; “Palavras de Estimação”, de 2017, e, mais recentemente, “Como a Água que Bebo”, em 2019. Além disso, alguns de seus poemas estão destacados em importantes antologias nacionais e foram traduzidos em diversos idiomas. Ainda em 2020, algumas de suas obras passarão a ser estudadas em escolas públicas de Santa Catarina, através do projeto “Poesia na Escola”. Atualmente é Editor do site “RecantodoPoeta.com” e idealizador do movimento cultural “Vespeiro Poético”, no Rio de Janeiro.

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia? 

Igor Calazans - Assim como dizia João Cabral de Melo Neto, a produção de poesia precisa de duas premissas: memória e imaginação. É assim que também vejo. Dificilmente eu escrevo sobre a hora exata do acontecimento ou uma contemplação de momento. Eu gosto de maturar, alimentar, saborear e encontrar as melhores palavras, em um processo natural de silêncio e isolamento, muitas vezes iniciados em profundos solilóquios, antes mesmo da escrita.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Igor Calazans - Quando li “Desencanto”, de Manuel Bandeira, eu realmente encontrei a razão daquilo que escrevia. Quando ele diz no trecho final que “faz versos como quem morre”, eu ganhei muita coragem para publicar. Mas mencionar um só poema é injusto. Tem um do meu avô, Nemecio Calazans, chamado “O quadrado da Janela”, que é impactante. Por causa dele as minhas primeiras referências literárias foram parnasianas e simbolistas, como Olavo Bilac, Raul de Leoni, Cruz e Sousa, Gilka Machado... Ah, “Os Homens Ocos”, de T.S Eliot, também... É magnífico! São muitos e se apresentam das mais diversas maneiras e em diferentes momentos da vida. Em relação aos meus, eu considero dois emblemáticos: os poemas “Depois” e “Réplica das Reticências”, que estão no meu terceiro livro, “Como a Água que Bebo.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Igor Calazans  - Fernando Pessoa e Augusto dos Anjos são poetas que sempre estão do meu lado. Mas, atualmente, estou lendo Paul Éluard pelas madrugadas. 

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Igor Calazans - A palavra. Sempre a palavra. Tenho atração pelas palavras. Gosto de criar possibilidades para elas me encontrarem. Meus poemas quase sempre nascem por alguma palavra que fica martelando na minha cabeça.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Igor Calazans - O meu segundo livro, “Palavras de Estimação”, é uma obra que possui esse caráter. Até pela boa repercussão do meu livro de estreia, o “Devaneios: O Recanto do Poeta”, nessa obra eu senti que passei a ser visto realmente como um escritor de verdade, um poeta, e não mais um “aventureiro”.

Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia¿

Igor Calazans - Sim, principalmente nesse período de pandemia, eu tenho feito muitas experiências. Das interpretações e declamações em vídeos às formas de escrever. Tenho explorado as possibilidades da prosa e de contos menores. Para as redes sociais, por exemplo, também estou apresentando aforismos, reflexões e muitas brincadeiras com as palavras, usando-as em jogos de aliterações, imagens e frases soltas.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Igor Calazans - Recentemente eu tive um episódio chato e que não pude fazer muita coisa. Uma pessoa usou um trecho de um poema meu, publicado e registrado, e assinou como se fosse dele. Tentei explicar a situação e fui tratado com desdém e deboche. A minha maneira de vencer a ira foi escrever um poema. Escrevi “Poema de Posse”. Acho que servirá para tantos outros poetas que sofrem a mesma coisa.

“Poema de Posse” (Igor Calazans)
Então queres os meus versos?
Pois bem, eu lhe dou,
mas sob uma condição:
prometer levar sempre
contigo tudo aquilo que entrego
na mais ávida palavra que sinto
no momento da inspiração.
Sim, de tudo:
da minha alma aberta de medo
ao sangue pisado do tempo;
Dos prantos de secreta ebulição
à carne rompida de chagas;
do âmago da vil devoção,
às tristezas repletas de nada;
da melancolia eterna de ser
e a certeza da incompreensão,
às vísceras de tanto sofrer
as perdas de cada perdão.
Não esqueça também
das vezes que tentei me matar
e as tantas que achei que morreria;
Do prélio final da memória
às luzes de sombras esquecidas,
sorvida no corpo sem gosto
correndo nas veias dos outros
as seivas perdidas na vida.
E verás, como se assim pudesse,
a reação vingada por seus versos
pungindo no coração de alguém
que um dia, assim como fizestes,
dirá, com certo desdém,
que as suas palavras qualquer um escreveria.
Aí sim, só assim, quando levares de fato
tudo aquilo que tenho,
saberemos o peso dos rastros,
suando febril o veneno
na sua verdade de plástico.
Poderás bradar triunfante
o teu direito de posse
dizendo-se o “Poeta dos versos”
a um eco de aplausos tão fortes
que sentirás o prazer genial
de ter uma obra autoral
com seu nome por cima do meu.
(Mesmo que só você saiba
o quanto não sabe de nada
sobre cada palavra assinada
que nunca lhe pertenceu…)
Ah, Dono fiel dos meus versos,
Faça-me esse favor…
Deixe-me vazio e mais Leve.
Vai, Leve, Leve-me,
Tira-me desse jazigo
que carrego nos ombros da verve!

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Igor Calazans - Só a poesia mesmo nos permite acreditar que “eles” passarão. Digo sobre essa política nefasta, vil, desumana. Passarinhos serão aqueles que conseguirem confrontar esses “graúdos” e saírem mais fortes. Historicamente a poesia é uma ferramenta fundamental para isso e eu vejo com bons olhos essa inevitável aproximação da arte com as pessoas confinadas nesse período conturbado. Se a percepção de mundo, observada por uma sociedade mais coletiva e humana, não mudar agora, honestamente, não sei mais se mudará.  

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Igor Calazans - Eu sou nascido em Niterói, município do Rio de Janeiro. Foi com o meu avô Calazans, grande poeta e acadêmico, que comecei a absorver poesia na vida. Depois de seu falecimento, ainda na adolescência, passei a frequentar e propor encontros e atividades literárias. Mas, a minha primeira “tribo” realmente aconteceu no sarau literário “Corujão da Poesia”, do meu querido amigo João do Corujão. Ali fui muito bem acolhido e pude ver que tinha muita gente fazendo o que eu fazia. Foram nesses encontros que passei também a declamar, coisa que morria de vergonha.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Igor Calazans - É se posicionar. É ter coragem de publicar, de botar a cara à tapa e se dizer Poeta. É deixar as maiores vaidades de lado e ajudar, divulgar, publicar e incentivar outros escritores, sabendo que só o coletivo prevalece em movimentos. É se aproximar com a base e cobrar mais poesia dentro das escolas, como uma ferramenta educacional indiscutível. É promover encontros literários, atividades culturais e ações sociais, onde todas as tribos possam se reconhecer. É sair das “bolhas de conforto”, dos aplausos e elogios condicionados. Isso não nutre mais nada. Vejo que a poesia ainda não consegue alçar voos maiores no Brasil porque nós poetas nos contentamos com muito pouco. Nós mesmos não nos valorizados o suficiente. Os poetas precisam acreditar mais no poder transformador de suas criações para, quem sabe, um dia vivermos nossas vidas totalmente dedicadas à literatura.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Igor Calazans  - Meu querido, Poeta. Também como jornalista eu posso cravar que entrevista mais completa do que essa é muito difícil de acontecer! Gostaria muito de agradecer o espaço. Vejo os grandes poetas que você já entrevistou aqui e sinto-me honrado por fazer parte desse grupo. Os caminhos da poesia me apresentam pessoas incríveis e generosas. Você é um desses presentes. Obrigado!


Fulinaíma MultiProjetos
(22)99815-1268 – whatsapp
EntreVistas

Nenhum comentário:

Postar um comentário

cidade veracidade

onde tudo é carnaval minha madrinha se chamava cecília nunca soube onde minha mãe a conheceu por muitos anos morou na rua sacramento ao la...