Apesar de termos
nos conhecido recentemente pelo face em 2018, nosso contato tem sido constante,
quase que diário, não apenas por se tratar de uma das grandes vozes da poesia
brasileira contemporânea, mas também por dar visibilidade através da Revista Mallarmargens, a novos ou
velhos poetas, que de outra forma passariam completamente despercebidos por um
determinado público leitor. Seu livro Passagem me arrebatou com a sua poesia brasa viva, palavras em chamas. Pessoalmente nos encontramos em 2019 no Psiu Poético em Belo Horizonte e de lá prá cá o contato se estreitou mais ainda.
Amanda Vital (Ipatinga/MG, 1995) é
editora-adjunta da revista Mallarmargens. Bacharel em Estudos Literários pela
UFMG, atualmente cursa Mestrado em Edição de Texto pela
Universidade Nova de Lisboa. Autora dos livros Lux (Penalux, 2015) e Passagem
(Patuá, 2018). Tem poemas e traduções publicados em revistas, blogs e jornais –
virtuais e impressos – como Germina, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Equimoses,
Zona da Palavra, Jornal RelevO e Revista Caliban. Também participou de
antologias como Ventre Urbano e 29 de abril: o verso da violência. Foi curadora
da 4ª edição da antologia Carnavalhame.
Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Amanda Vital - Meu estado de poesia são
vários em um, porque a poesia me vem de forma bastante irregular. Pode vir a
partir de um estalo que me faça parar de lavar a louça para anotar o mote, pode
vir através de um brainstorm de fazer um poema do começo ao fim quase
sem parar (nem para pontuar)...
De vez em quando,
só ressoa algo na minha cabeça que faça algum sentido em questões fonéticas,
rítmicas, imagéticas e já está. Muitas vezes, o jeito é escrever um mote,
deixar a nota guardada para quando eu tiver um tempinho e ver como tudo corre
quando eu conseguir conceber uma continuação – ou me surpreender com um
movimento que eu não estava esperando.
Artur Gomes - Seu poema preferido?
Amanda Vital - “Esta Lua”, do Sérgio de Castro Pinto. Por
toda a beleza e a genialidade do Sérgio em escrevê-lo, pelo domínio absurdo das
palavras. Esse poema é uma obra de arte: “esta
lua turca cai feito uma luva/na praia da urca, na pedra da gávea (...)”.
Muita gente
considera o poema da pedra, do Drummond, como o poema das suas vidas, aquele
poema icônico, emblemático, gravado na
memória. O meu “poema da pedra” do
Drummond é esse poema do Sérgio.
Artur Gomes - Qual o seu poeta de
cabeceira?
Amanda Vital - Pedro Tiago – dividimos a
cabeceira da cama e estamos sempre lendo um ao outro. Não é porque é meu
namorado, mas é porque adoro o que ele escreve.
“a minha pátria é onde haja uma
camisa e um par de calças, é onde/as minhas pernas pousem e onde os meus pés
caminhem, é onde/haja árvores ou deserto ou prédios vazios, onde me recorde
dos/amigos que nunca levei em fotografias nos bolsos ou nas carteiras.”
Artur Gomes - Em seu instante de criação
existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Amanda Vital - A vontade em si. O ímpeto de
escrever já me impulsiona. Sinto que se eu tivesse de usar outros artefatos, me
sairia bastante forçado, espremido – e entendo que muitas pessoas conseguem
ultrapassar eventuais bloqueios criativos, demoras na produção... Comigo, isso
transparece fácil no resultado final. Deixo a poesia me ditar seu próprio
tempo, respeito e espero.
Artur Gomes - Livro que considera definitivo
em sua obra?
Amanda Vital - Passagem (Editora Patuá, 2018). Marcou
uma espécie de “virada” muito
positiva na minha literatura, porque saltou de um tipo de linguagem que comecei
a experimentar no primeiro livro a um outro estado mais próximo de terras um
pouco mais firmes em questão de estilo literário, de forma e de linguagem
utilizada na minha poesia, depois de mais estudos, leituras, intercâmbios,
experiências.
Artur Gomes - Além da poesia em verso, já
exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Amanda Vital - Já escrevi um conto para uma
antologia uma vez, mas não sei se o consideraria um conto poético, uma prosa
poética... Tem imagens um bocado “poéticas”,
talvez (o que é uma imagem poética?), mas acho que não é bem uma mistura
certeira, precisa, de prosa com poesia. E foi só esse conto, mesmo, para ver
que meu lance é mesmo explorar o poema e sua forma.
Amanda Vital - Qual poema escreveu quando
teve uma pedra no meio do caminho?
Amanda Vital - tio
esquivar-se das mãos: esquivar o corpo para os
lados
correr em torno da mesa da sala imaginar que aquela
volta era a última segurar o choro no abraço obrigado
tapar a janela lateral do banheiro com as roupas sujas
escolher o assento mais distante jantar evitando erguer
a cabeça passar os olhos por cada caroço de feijão ao
esperar todos se levantarem para arquitetar o segundo
exato de me salvar entre as pernas compridas de papai
me lembrar de não ler os gibis de bruços no sofá e de
nunca estar sozinha em qualquer espaço daquela casa
não correr o risco dos dedos perfurando o que restava
das partes intocadas sobre minha mudez tentar dormir
e sonhar a liberdade da pele no fim das férias de verão
correr em torno da mesa da sala imaginar que aquela
volta era a última segurar o choro no abraço obrigado
tapar a janela lateral do banheiro com as roupas sujas
escolher o assento mais distante jantar evitando erguer
a cabeça passar os olhos por cada caroço de feijão ao
esperar todos se levantarem para arquitetar o segundo
exato de me salvar entre as pernas compridas de papai
me lembrar de não ler os gibis de bruços no sofá e de
nunca estar sozinha em qualquer espaço daquela casa
não correr o risco dos dedos perfurando o que restava
das partes intocadas sobre minha mudez tentar dormir
e sonhar a liberdade da pele no fim das férias de verão
(Escrevi esse poema para ir me libertando aos
poucos desse trauma da infância. Libertar os monstros para tentar dominá-los.
Poesia como forma de vingança, talvez?)
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois
dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Amanda Vital - Os passarões passarão, e os
passarinhos, passarinho.
Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro
Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir
Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas
referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Amanda Vital - Eu sou da tribo dos
desgarrados e dos abertos. Sem protetores, sem panelinhas, sem grupos e sem
preferências de “tipos”. Tenho
aprendido muito enquanto editora-adjunta da Mallarmargens a sempre estar aberta à diversidade. Ler o texto
antes de ler quem o assina.
Quando leio,
procuro o que me apetece ler e busco referências no que me põe de joelhos. It's not personal it's literature!
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser
um poeta, militante de poesia?
Amanda Vital - Acredito que ser um poeta e
ser um militante de poesia podem ser duas coisas distintas. Você pode tanto ser
um poeta e escrever só para si, sem contribuir para a leitura de outros
autores, quanto ser um militante da poesia sem escrever uma única linha, mas
fazer mais pela divulgação de literatura do que esses primeiros.
Artur Gomes - Que pergunta não fiz que
você gostaria de responder?
Amanda Vital - Acho que sua entrevista está
excelente – não sei se acrescentaria mais alguma coisa. Só gostaria de
parabenizá-lo, Artur, pelo seu trabalho intenso de divulgação literária e pelo
seu trabalho como poeta, também. Você é imparável!
Fulinaíma MultiProjetos
portalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 -
whatsapp
Mallarmargens :
Obrigada, querido, pela entrevista! Uma honra enorme pra mim!
ResponderExcluirExcelente entrevista! Adorei.
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