Como
a maioria dos entrevistados até aqui, iniciamos o nosso contato através do
face. Mas não levou muito tempo para que viéssemos a nos encontrar fisicamente.
E foi uma noite pra ficar cravada nos dentes da memória: era 11 de abril de
2019 em La Taberna de Laura, Rua Xavier da Silveira, 34 - Copacabana onde
estava sendo lançada a Balbúrdia Poética, e Wanda Monteiro, além de nos brindar
com o seu magnífico repertório poético, soltou a voz cantando maravilhosamente
algumas pérolas da música popular
brasileira.
Wanda Monteiro, advogada,
escritora, uma amazônida nascida à margem esquerda do rio Amazonas, em
Alenquer, Pará, Brasil. A escritora foi Procuradora do Estado do Pará para
assuntos agrários e exerceu por muitos anos as atividades advocatícias.
Colabora com vários projetos de incentivo à leitura de seu país, seus textos
poéticos são publicados em importantes revistas literárias - impressas e
digitais veiculadas em várias regiões do pais, como Mallarmargem, Revista
Gueto, Acrobata, Diversos &Afins, Relevo, Lavoura, Zona da Palavra, Vício
Velho, Ruídos, LITERATURA BR, LITERATURA &Fechadura, DesEnredos,
InComunidades (Lisboa) . Tem seus poemas publicados nas antologias: Senhoras
Obscenas; Proyecto Sur Brasil, Sarau da Paulista; Mulherio de Letras/Lisboa e
na primeira e histórica publicação impressa da Revista Literária GUETO.
Obras publicadas: O BEIJO DA CHUVA, 2008, Ed Amazônia; ANVERSO, 2011, Ed
Amazônia; DUAS MULHERES ENTARDECENDO, 2015, Ed TEMPO _ em parceria com a
escritora Maria Helena Latinni; AQUATEMPO, 2016, Ed Literacidade; A LITURGIA DO
TEMPO E OUTROS SILÊNCIOS , 2019, Ed Patuá; AQUATEMPO AQUATIEMPO, 2020, Ed
Patuá.
Artur
Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Wanda
Monteiro - Comigo, esse
processo não tem um padrão, uma fórmula.
Apenas acontece. Sou uma pessoa
indisciplinada, não tenho uma rotina de escrita. Esse estado de poesia me acontece a qualquer
tempo -no dia após dia - desde que uma paisagem, um som, um cheiro, um gesto,
um mínimo e sutil movimento das coisas vivas despertem em mim a possibilidade
de construção de uma imagem poética.
E não há
padrão nesse processo. O que
há é
acuidade e agudeza dos sentidos e percepções que me fazem transver o
mundo e a realidade mediata e então, cruzar a fronteira para o campo da
linguagem . Esse é o chão do pensamento,
da ideia. É nesse espaço-tempo que começa o ato da
escrita. Mas, há uma exigência para que eu viva plenamente esse estado de
poesia no ato da escrita: a solidão e o
silêncio.
Artur
Gomes - Seu poema preferido?
Wanda
Monteiro - não tenho um poema
preferido. Isto seria reduzir demais a
riqueza da Poesia. Muitos poemas me arrebataram no decorrer de minha vida
Artur
Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Wanda
Monteiro - Tenho vários e eles vivem cedendo seus lugares aos outros
e outras. No momento, estão comigo : Sofhia Mello Breyner, Herberto Helder, Antônio
Ramos Rosa, Max Martins e Fernando Pessoa
Artur
Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque,
algo que o impulsione para escrever?
Wanda
Monteiro - Quando eu vou
escrever, gosto de preparar o espaço com livros de consultas, papéis de
rascunho e meus cadernos de manuscritos _ vez por outra, eu tenho um japamala
em uma das mãos e fico rolando as esferas entre os dedos à medida em que ouço o
ritmo das palavras. Eu escrevo à mão - nesse momento, como eu já disse , eu só preciso
de silêncio e solidão
Artur
Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Wanda Monteiro - Nada é definitivo em minha obra.
Artur
Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra
forma de linguagem com poesia?
Wanda
Monteiro - Contos em prosa poética - talvez.
Mas, entendo que há linguagem poética em todas as formas de Expressão da
Arte. Fui formada em dança contemporânea:
havia poesia em minha dança; já
fiz esculturas com muita poesia; eu também desenho e vejo um tanto de poesia
nos desenhos.
Artur
Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do
caminho?
Wanda Monteiro -
Quando meu pai morreu
O caminho era a própria pedra
Falei com meu pai e disse:
*
Pai
Hoje eu dei um beijo
na nuca nua da pedra
ela me contou que guarda
na eternidade
os sonhos que tu sonhaste
e os sonhos que não te deixaram sonhar.
Artur
Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise
virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Wanda Monteiro - Alguns
pensadores, futurólogos e filósofos estão dizendo que o mundo não será o mesmo.
Eu creio o mundo poderá não ser mais o mesmo.
Mas, a humanidade, certamente, não mudará e continuará vivendo de acordo
com sua natureza autofágica, vez que grande parte da humanidade deseja as
recompensas materiais de um sistema neo liberal capitalista cuja voraz
atividade predatória ameaça mais aos homens do que ao próprio planeta: as pandemias virais são a prova disso.
Pra citar Quintana eu
diria:
Muitos , decerto milhares, passarão.
Muito poucos - raríssimos - serão passarinhos.
Artur
Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e
jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele
traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Wanda Monteiro - Sou uma amazônida, nasci dentro do rio, na margem do rio
Amazonas no oeste do Pará . Sou do povo da floresta, vim de uma vida ribeira.
Sou de um planeta Água _ de um Verdevagomundo chamado Amazônia.
Artur
Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Wanda Monteiro - Sob
à perspectiva da crise viral:
Poetas sentem as dores do mundo.
Certamente, eles
estarão diante do abismo.
Sob à perspectiva crise política e na iminência de
implantação de um regime autocrático:
Poetas estão em iminente perigo...
Artur
Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Wanda Monteiro - Se eu acredito em verdades absolutas?
Responderia:
As verdades nunca são absolutas. Elas são, no
mínimo, obsoletas. Elas fazem e desfazem dos conceitos do bem e do mal, mas, pegam
pelo obscurantismo de sua lógica. Eu só tenho três verdades: Aline, André e Marcelo - meus filhos.
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