sexta-feira, 24 de abril de 2020

Wanda Monteiro - EntreVistas



Como a maioria dos entrevistados até aqui, iniciamos o nosso contato através do face. Mas não levou muito tempo para que viéssemos a nos encontrar fisicamente. E foi uma noite pra ficar cravada nos dentes da memória: era 11 de abril de 2019 em La Taberna de Laura, Rua Xavier da Silveira, 34 - Copacabana onde estava sendo lançada a Balbúrdia Poética, e Wanda Monteiro, além de nos brindar com o seu magnífico repertório poético, soltou a voz cantando maravilhosamente algumas  pérolas da música popular brasileira.

Wanda Monteiro, advogada,  escritora, uma amazônida nascida à margem esquerda do rio Amazonas, em Alenquer, Pará, Brasil. A escritora foi Procuradora do Estado do Pará para assuntos agrários e exerceu por muitos anos as atividades advocatícias. Colabora com vários projetos de incentivo à leitura de seu país, seus textos poéticos são publicados em importantes revistas literárias - impressas e digitais veiculadas em várias regiões do pais, como Mallarmargem, Revista Gueto, Acrobata, Diversos &Afins, Relevo, Lavoura, Zona da Palavra, Vício Velho, Ruídos, LITERATURA BR, LITERATURA &Fechadura, DesEnredos, InComunidades (Lisboa) . Tem seus poemas publicados nas antologias: Senhoras Obscenas; Proyecto Sur Brasil, Sarau da Paulista; Mulherio de Letras/Lisboa e na primeira e histórica publicação impressa da Revista Literária  GUETO. Obras publicadas: O BEIJO DA CHUVA, 2008, Ed Amazônia; ANVERSO, 2011, Ed Amazônia; DUAS MULHERES ENTARDECENDO, 2015, Ed TEMPO _ em parceria com a escritora Maria Helena Latinni; AQUATEMPO, 2016, Ed Literacidade; A LITURGIA DO TEMPO E OUTROS SILÊNCIOS , 2019, Ed Patuá; AQUATEMPO AQUATIEMPO, 2020, Ed Patuá. 

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Wanda Monteiro -  Comigo, esse processo não tem um padrão,  uma fórmula. Apenas acontece.  Sou uma pessoa indisciplinada, não tenho uma rotina de escrita.  Esse estado de poesia me acontece a qualquer tempo -no dia após dia - desde que uma paisagem, um som, um cheiro, um gesto, um mínimo e sutil movimento das coisas vivas despertem em mim a possibilidade de construção de uma imagem poética. 

E não há  padrão  nesse processo. O que há  é  acuidade e agudeza dos sentidos e percepções que me fazem transver o mundo e a realidade mediata e então,  cruzar a fronteira   para o campo da linguagem . Esse é o chão do pensamento,  da ideia.  É  nesse espaço-tempo que começa o ato da escrita. Mas, há uma exigência para que eu viva plenamente esse estado de poesia no ato da escrita:  a solidão e o silêncio.

Artur Gomes - Seu poema preferido?

Wanda Monteiro -  não tenho um poema preferido.  Isto seria reduzir demais a riqueza da Poesia. Muitos poemas me arrebataram no decorrer de minha vida

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Wanda Monteiro -  Tenho vários  e eles vivem cedendo seus lugares aos outros e outras. No momento, estão comigo : Sofhia Mello Breyner, Herberto Helder, Antônio Ramos Rosa, Max Martins e Fernando Pessoa

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Wanda Monteiro -  Quando eu vou escrever, gosto de preparar o espaço com livros de consultas, papéis de rascunho e meus cadernos de manuscritos _ vez por outra, eu tenho um japamala em uma das mãos e fico rolando as esferas entre os dedos à medida em que ouço o ritmo das palavras. Eu escrevo à mão -  nesse momento, como eu já disse , eu só preciso de silêncio e solidão

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Wanda Monteiro -  Nada é definitivo em minha obra.

Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Wanda Monteiro - Contos em prosa poética -  talvez.  Mas, entendo que há linguagem poética em todas as formas de Expressão da Arte. Fui formada em dança contemporânea:  havia poesia em minha dança;  já fiz esculturas com muita poesia; eu também desenho e vejo um tanto de poesia nos desenhos.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Wanda Monteiro -
Quando meu pai morreu
O caminho era a própria pedra
Falei com meu pai e disse:
*
Pai
Hoje eu dei um beijo
na nuca nua da pedra
ela me contou que guarda
na eternidade
os sonhos que tu sonhaste
e os sonhos que não te deixaram sonhar.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Wanda Monteiro - Alguns pensadores, futurólogos e filósofos estão dizendo que o mundo não será o mesmo. Eu creio o mundo poderá não ser mais o  mesmo.  Mas, a humanidade, certamente, não mudará e continuará vivendo de acordo com sua natureza autofágica, vez que grande parte da humanidade deseja as recompensas materiais de um sistema neo liberal capitalista cuja voraz atividade predatória ameaça mais aos homens do que ao próprio planeta:  as pandemias virais são a prova disso.

Pra citar Quintana  eu diria:
Muitos , decerto milhares, passarão. 
Muito poucos - raríssimos - serão passarinhos.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Wanda Monteiro - Sou uma amazônida,  nasci dentro do rio, na margem do rio Amazonas no oeste do Pará . Sou do povo da floresta, vim de uma vida ribeira. Sou de um planeta Água _ de um Verdevagomundo chamado Amazônia.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Wanda Monteiro - Sob à perspectiva da crise viral:
Poetas sentem as dores do mundo.
Certamente,  eles estarão diante do abismo.
Sob à perspectiva crise política e na iminência de implantação  de um regime autocrático:
Poetas estão em iminente perigo...

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Wanda Monteiro -  Se eu acredito em verdades absolutas?

Responderia:

As verdades nunca são absolutas. Elas são, no mínimo, obsoletas. Elas fazem e desfazem dos conceitos do bem e do mal, mas, pegam  pelo obscurantismo de sua lógica.  Eu só tenho três verdades:  Aline, André e Marcelo - meus filhos.


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