segunda-feira, 27 de abril de 2020

Sérgio de Castro Pinto - EntreVistas


Comecei a ter contato com a poesia de Sérgio de Castro Pinto, no ano 2000, quando ele venceu o II FestCampos de Poesia Falada com "camões/lampião".  Logo depois sua poesia foi publicada em uma das antologias com a seleção das 100 melhores poesia  do século 20. Desde então nunca mais  perdi sua poesia de vista, e como grande admirador,  leio e re-leio os  seus livros que tenho em mãos: "A Flor  do Gol" e "Folha Corrida", e em publicações as quais tenho acesso.

Em recente postagem na revista Mallarmargens além do conteúdo da sua poesia  me chamou a atenção essa sua  sua afirmação: "eu sou a pane e a interferência dos meus fantasmas".

E também essa  observação da Amanda Vital na entrevista que me concedeu, falando que  o seu poema preferido é:  

“Esta Lua”, do Sérgio de Castro Pinto. Por toda a beleza e a genialidade do Sérgio em escrevê-lo, pelo domínio absurdo das palavras. Esse poema é uma obra de arte: “esta lua turca cai feito uma luva/na praia da urca, na pedra da gávea (…)”.

Muita gente considera o poema da pedra, do Drummond, como o poema das suas vidas, aquele poema icônico,  emblemático, gravado na memória. O meu “poema da pedra” do Drummond é esse poema do Sérgio.

 Sérgio de Castro Pinto nasceu em João Pessoa, Paraíba, no ano de 1947. É professor titular aposentado do Departamento de Letras da Universidade Federal da Paraíba. Defendeu dissertação de mestrado e tese de doutoramento sobre Manuel Bandeira e Mario Quintana, respectivamente. Entre os seus livros de poesia figuram, entre outros, A Ilha na ostra, O Cerco da memória, A Flor do Gol o recente Folha corrida (1967-2017), poemas escolhidos, Editora Escrituras, São Paulo. Publicou alguns livros de ensaios, a exemplo de Longe daqui, aqui mesmoa poética de Mario Quintana (Editora Unisinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul, 2000), A Casa e seus arredores (Editora Manufatura, 2004) e O Leitor que eu sou (Editora Ideia, 2014, João Pessoa, Paraíba).  Ainda este ano lançará O Leitor que escreve.

 Artur Gomes - Como se processa seu estado de poesia?
    
Sérgio de Castro Pinto - Numa espécie de estado de sítio, com todos os sentidos em prontidão e com a alma em riste, mas plenamente cônscio de que

“nem sempre o poeta/ ronda o poema/ como uma fera a presa”/, pois, “às vezes, fera presa e acuada/ entre as grades do poema-jaula, / doma-o o chicote das palavras”. (“poeta x poema”, do meu livro “O Cerco da memória”)

Artur Gomes - Seu poema preferido?

Sérgio de Castro Pinto - Não é que seja o meu poema preferido, mas é um deles: “camões/lampião”, que, inclusive, obteve o primeiro lugar  no ano 200 no II  FestCampos de Poesia Falada de Campos de Goytacazes (Rio de Janeiro), tão bem coordenado por você, poeta. Esse poema, além de figurar em várias antologias aqui e no exterior, evoca os anos dourados de minha juventude, uma vez que o escrevi quando contava apenas vinte e um anos de idade.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Sérgio de Castro Pinto - Na minha cabeceira transitam muitos poetas, pois me tornei eclético, aprendi a conviver tanto com a “poesia do menos” de João Cabral de Melo Neto quanto com a poesia caudalosa de Augusto Frederico Schimdt. Na esteira de Manuel Bandeira, também aprendi a acolher os maus poetas, pois nestes, “mais do que nos bons, se acusa o que devemos evitar”. Portanto, longe de mim o comportamento excludente das vanguardas, sempre pródigas em alijar sumariamente os que não cumpriam à risca os seus breviários estéticos.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsiona para escrever?
        
Sérgio de Castro Pinto - Uma das pedras de toque é a rua, o corpo a corpo com a rua, com a “marca suja da vida”. Outra, a do gabinete, a pedra de toque da leitura, do corpo a corpo com a linguagem de autores com os quais dialogo, pois creio que um poema se inicia a partir do instante em que outro poema é dado como concluído. Aliás, comparo o poema a um bastão dessas corridas de revezamento, cujo atleta o passa a outro atleta e este a mais outro, mais outro, e assim sucessivamente, até o infinito.
          
Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro “Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz várias referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
          
Sérgio de Castro Pinto - Venho de João Cabral de Melo Neto, das vanguardas.  Adolescente, à poesia musical de Cecília Meireles se opôs a antilira de Cabral. E se opôs como uma pedra cuja difícil configuração estivesse a exigir um longo aprendizado. Tanto que, para apreendê-la melhor, removia-a para dentro dos meus poemas. 

Mas se principiava aí uma árdua “educação pela pedra”, fazia-o sem amargar a “angústia da influência” de que fala o crítico norte-americano Harold Blum. E tinha pelo menos um motivo para tanto: se o primeiro João Cabral não se mostrou imune às influências, por que eu haveria de sê-lo, contando menos de dezoito anos de idade? Estava em boa companhia, como de resto todos ou quase todos os da minha geração, pois dificilmente alguém conseguia passar incólume à personalidade marcante do poeta pernambucano.

Eu quero crer que neutralizei a presença de Cabral quando vi chegada a hora de “reinventar a seriedade pela zombaria”, quando passei a adotar o humor e a ironia como pontos de partida do meu discurso poético.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta militante, militante da poesia?
             
Sérgio de Castro Pinto - Quando, no meu caso, prestes a completar setenta e três anos de idade, ainda persevera em fazer poesia. A propósito, quando dos meus setenta anos, escrevi “o poeta septuagenário”,  poema que serve de epígrafe ao meu livro “Folha corridapoemas escolhidos” (1967-2017), Editora Escrituras, São Paulo, 2017.

o poeta
arrasta
os pés

e tropeça
nos versos
de pés
quebrados.

o poeta
não mais
se inspira.

o poeta
só inspira
cuidados.

                 
A respeito, numa palestra destinada a jovens estudantes, escrevi: “Benfazejos arroubos os da juventude, a soberba desmedida dos jovens, virtudes sem as quais teríamos nos extraviado dos caminhos sempre tortuosos e íngremes da poesia. A perseverança, hoje, talvez seja o vocábulo mais exato para substituir as efusões da juventude perdida. Perdida? Não, pois creio que ela ainda permanece na minha devoção à palavra, na minha profissão de fé na poesia! ”

Artur Gomes - Livro que considera definitivo na sua obra?
                 
Sérgio de Castro Pinto - Alguns poetas têm por hábito renegar o primeiro livro. Eu, não: o acolho e o prezo, pois do primeiro ao mais recente, todos integram um processo, uma trajetória que cabe ao público leitor e à crítica considerarem ascensional ou não. Só não gostaria que dissessem que o melhor da minha obra é “Gestos lúcidos”, meu livro de estreia, pois aí, ao invés de uma trajetória ascensional, teria cumprido um percurso francamente descensional.
                  
Difícil escolher um livro definitivo dentre os que escrevi. Quando muito, na poesia que me foi possível realizar, creio que alguns poemas se destacam, embora estejam longe de serem definitivos.

Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

                   
Sérgio de Castro Pinto - O meu conto “Cantilena” conquistou uma das premiações do Concurso Nacional de Contos do Paraná. À época, tinha vinte e quatro anos de idade. E quando recebi o resultado, não consegui conciliar o sono, tal a euforia que me tomou conta. Foi um caso típico de “insônia feliz”, para usar de uma expressão de Mário de Andrade.
                   
Pois bem. Eu, que até então somente cultivara a poesia, passei a investir no conto, gênero do qual era um leitor devoto, voraz e veraz. Aos poucos, porém, fui chegando à conclusão de que essa não era a minha praia. E que a premiação consistira num simples acidente de percurso, pois “Cantilena” guarda muito mais semelhança com a poesia do que com a ficção. Em última análise, é um conto poético, cheio de imagens, metáforas, alegorias, como bem disse o escritor paranaense e professor emérito de várias universidades europeias, Temístocles Linhares, em artigo publicado na revista “Letras”, volume 20, 1972, da Universidade Federal do Paraná:

“(...) a força dos novos que ingressam no gênero! O primeiro nome a mencionar é o do Sr. Sérgio de Castro Pinto, da Paraíba, autor já de dois livros de versos. Aqui ele continua poeta, mas poeta sensível aos objetos, que se manifesta sob a forma gustativa, através de uma sensibilidade específica e elaborada, em que entra uma ponta de sensibilidade estética, uma vibração de ‘todos os sentidos fundidos num só’”.

Temístocles Linhares foi um dos jurados do Concurso Nacional de Contos do Paraná, em 1971, ano em que conquistei um dos prêmios.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Sérgio de Castro Pinto - Para escrever, tenho que remover a pedra ou as pedras que obstruem o meu caminho. Só com o caminho livre e desimpedido é que consigo escrever.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: Você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Sérgio de Castro Pinto - Graúdo, destrambelhado, invejoso, fascistóide, o passarão pertence a uma fauna que jamais será extinta, pois ele sempre irá existir em todos os tempos e lugares, quer no contexto político, quer no literário, quer, ainda, no âmbito de toda e qualquer atividade humana. Diferentemente do poema de Quintana, cumpre aos passarinhos, num coro uníssono e mavioso, sentenciar: Passarão, não passarás! ”

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
                
Sérgio de Castro Pinto - Poeta, as perguntas foram excelentes. Agradeço a lembrança do convite para ser entrevistado.

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Um comentário:

  1. Excelente entrevista deste excelente poeta, Sérgio de Castro Pinto. Parabéns!

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