Ele é gaúcho de Jaguarão-RS, mas desde 1985 vive no Nordeste,
em João Pessoa, no Estado da Paraíba. Comecei a ter contato com a sua poesia,
no início do ano de 1983 em tempos de Mostra
Visual de Poesia Brasileira. Nossos primeiros contatos se deram através de
cartas, pessoalmente nos encontramos uma vez em Brasília, no ano de 2015,
durante a 37ª Feira do Livro, e nunca perdi de vista a sua poesia que leio diariamente através do face, e do seu livro a memória é uma espécie de cravo ferrando a estranheza das coisas, enquanto aguardo a chegada do Inventário do Pêssego.
QUINTANAVES
entre
os que passarão
e os que passarinho
passo a passo
de mansinho
Lau Siqueira nasceu em Jaguarão-RS e vive na Paraíba desde 1985. Publicou oito
livros de poesia, participou de diversos projetos literários e antologias. Tem
parcerias com diversos músicos da Paraíba, inclusive um disco com o compositor
Paulo Ró. Atualmente está aposentado e vive em isolamento progressivo desde
antes do Covid-19.
Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Lau
Siqueira - Nunca pensei nisso. Mas acho que não depende muito de
mim. Ser poeta, não foi uma decisão minha. Não foi uma escolha. Quando me
descobri poeta já era tarde demais pra mudar de ideia. Ser poeta é a minha
forma de existir, de ser gente. Então, o
meu estado de poesia é permanente.É a minha natureza e a minha convivência com
as palavras ou com as sensações que a vida oferece e que nem sempre são
decifráveis. É algo indomável. Meu estado de linguagem. Simplesmente me rendo.
Me permito. A intensidade tem naturalmente suas variáveis, mas o estado é
permanente. Céu nublado sobre o poente. Incêndio da íris no olhar que me
acolhe.
Artur Gomes - Seu poema preferido?
Lau
Siqueira - Tenho vários. Não consigo ser fiel neste caso. Mas, vamos
citar aqui Tabacaria, do Fernando
Pessoa. É perfeito. Define o gênio que foi Fernando Pessoa. Maiakovski tem
vários preferidos. João Cabral de Melo Neto, também.
Artur Gomes - Qual
o seu poeta de cabeceira?
Lau
Siqueira - Depende. Algumas vezes é Maiakovski. Noutras vezes Pessoa
ou Herberto Helder. Drummond, João Cabral e Murilo Mendes. Sempre Manuel
Bandeira. Sempre Oliveira Silveira. Gilka Machado, Hilda Hilst e Orides
Fontela. Augusto de Campos me faz perder o sono e o equilíbrio. Joan Brossa me
abala as estruturas, Mário Faustino...Todavia, atualmente, quem me descabela de
verdade é Sophia de Mello Breyner Andresen. Poerém, leio muito a poesia que a
juventude brasileira está fazendo. Especialmente a poesia que as mulheres estão
escrevendo. Muita gente boa na área. Amo demais a poesia africana de língua
portuguesa. Enfim... sem limites.
Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de
toque, algo que o impulsione para escrever?
Lau
Siqueira - O que sinto de verdade é que a poesia não precisa de mim
e sabe disso. A bandida sabe. Mas, simplesmente chega e se espalha. Eu é que,
muitas vezes, não consigo traduzí-la em palavras.Nem sempre ela quer acordo. Às
vezes não consigo passear pelos trigais e me perco nas beiradas, espremido nos
alambrados. Claro que a disciplina ajuda. Lidar com as palavras cotidianamente,
principalmente como leitor, torna o fazer poético algo natural.
Mas a poesia é absolutamente indomável.
Nossos encontros acontecem porque, escrever
pra mim é uma atividade de grande prazer e de permanente exercício. A poesia
chega naturalmente no que há de inesperado dentro dessa prática cotidiana. Por
exemplo, sempre durmo de janelas abertas. Hoje, quando acordei, dois pássaros
estavam na minha sala. A sensação de tê-los na minha morada foi muito maior que
qualquer poema que eu pudesse escrever naquele momento. No caso, a poesia bateu
asas e me deixou sem palavras.
Artur Gomes - Livro
que considera definitivo em sua obra?
Lau
Siqueira - Certamente o que ainda não publiquei. Publicar, pra mim,
não tinha e não tem muita importância. Escrever e ler sempre foi mais
importante. O exercício permanente com a palavra sempre me atraiu mais. Principalmente
quanto ao exercício do leitor que eu sou.
Digamos que o livro que hoje considero
importante, não foi decisão minha, mas da Laís Chaffe, amiga, editora e escritora
que conduziu tudo através da Editora Casa Verde. Foi quem me provocou a fazer O Inventário do Pêssego, que reúne boa
parte dos poemas publicados nos meus quatro primeiros livros. O mérito é todo da
Laís que, aliás, vem publicando meus livros desde 2011. Só por isso já posso
dizer que este Inventário é
candidato a definitivo. Só não sei se será eleito. Afinal, a urna do tempo é
imprevisível e irreversível.
Lau
Siqueira - No final dos anos 70 eu era muito ligado no movimento
Arte Correio, ou Arte Postal, como queiram. Mais como entusiasta mesmo, mas
também participava.
Acho que foi o movimento artístico mais
democrático que conheci. Recebi uma influência enorme de artistas incríveis
como Constança Lucas, Paulo Bruscky, Moacy Cirne, Hugo Pontes, Avelino de
Araújo, Samaral, etc. A Poesia Visual, o Poema Processo, a Poesia Concreta, as
vanguardas do final do século XIX e início do século XX me encantavam e me
influenciaram muito.
Acabei realizando algumas experimentações
neste sentido. Entretanto, nada que
pudesse considerar relevante. Pra mim, o prazer de experimentar era e é maior
que qualquer resultado e acho que isso foi importante na minha formação de
poeta, pois descobri algo imprescindível para a carpintaria cotidiana: a
ousadia.
Fodam-se os cartéis da poesia. Fodam-se os
padrões e os patrões da política literária. Perder os limites é sempre um
aprendizado forte. Poesia “é uma força
que nos alerta”. Até hoje acho a
imprevisibilidade o maior valor de um poema.
Surpreender num mundo sem máscaras é
desafiador. A poesia inventiva é o chá de cogumelo da literatura.
Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do
caminho?
Lau
Siqueira - Foram muitas pedras e certamente muitos poemas. Deixa ver
um mais recente aqui:
ESGRIMA
metade de mim
é um beco sem saída
caminho sem volta
traçado sem tropeço
lonjuras disfarçadas
desde o começo
ESGRIMA
metade de mim
é um beco sem saída
caminho sem volta
traçado sem tropeço
lonjuras disfarçadas
desde o começo
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa
crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Lau
Siqueira - Acho que não vai mudar muita coisa. Pelo menos não de
imediato e definitivo. A minha esperança é freireana. Vamos sim aprender com
esse momento. E logicamente, para muitos vai continuar sendo uma gripezinha, a
despeito da tragédia que já é real.
De minha parte, vou continuar lutando
contra o fascismo, lutando por liberdade, democracia, justiça e igualdade de
direitos. Desejo que tudo isso passe e que saibamos passarinhar melhor no
futuro, porque o espaço é livre pra voarmos coletivamente. Voar e pousar é uma
conjugação.
Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e
jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de
onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Lau
Siqueira - Ademir é um grande poeta e um amigo querido. Michel
Mafesoli, já escreveu sobre a tribalização do mundo. Mas eu creio que nunca tive tribo porque
preferia e prefiro aprender com tudo e com todos em todos os tempos, sem
limitações de espécie alguma. Ao mesmo tempo, lia Petrarca e Cummings.
O
contraditório sempre ensina muito. Neste sentido, aprender sempre significou ter
um olhar para os clássicos, mas também para a poesia marginal brasileira cujos
ícones como Chacal, Nícolas Behr e outros, merecem todo o meu respeito. Eu
habito uma solidão solidária que me permite deslocamentos entre as mais diversas
tribos e prefiro assim. Eu viajo, mas sempre volto pro mesmo lugar,
simbolicamente falando.
Esse lugar onde há uma ancestralidade me
aguardando e uma permissividade de voo que nunca me permite saber qual o
próximo pouso.
A verdadeira tribo é o mundo e suas
contradições, seus confrontos, seus enfrentamentos, seus delírios e suas delícias.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de
poesia?
Lau
Siqueira - Acho que não é muito diferente de tempos atrás, inclusive
de outras épocas. Lembro de uma frase de Homero, se não estou enganado, sobre as coroas de louros com as quais
condecoravam os poetas na antiguidade: “mal
servem para temperar o feijão”, dizia o poeta.
Acho que cada um tem lá suas preferências,
mas a militância poética me faz mais antifascista que já sou. A vida de alguns
poetas é bem controversa e polêmica. Alguns acabam encantados pelas luzes da
ribalta. São os insetos da poesia. Esses preferem as consagrações
institucionais, os reconhecimentos irreparáveis se é que me entendes.
Firmo minha posição cidadã, ser poeta é
minha digital neste mundo, nesta época pandêmica em que vivemos. Por isso
prefiro a companhia dos acreditam que “a
literatura é um direito humano”,
como Antônio Cândido.
Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de
responder?
Lau
Siqueira - Eu só faria um comentário final. Ou melhor: farei.
Desde 1985 moro no Nordeste, na Paraíba.
Viajo muito pelos sertões e me encanto com a presença da poesia nas mais
diversas formas. O Vale do Pajeú, por exemplo, segundo a Pesquisa Retratos da
Leitura no Brasil, é o lugar onde a poesia é mais popular que livro religioso.
Mas, isso não é tudo. Lá pros lados do Vale do Piancó se encontra, por exemplo,
um monumento dedicado ao poeta Inácio da Catingueira que era analfabeto e negro
em um regime escravista e que comprou sua liberdade com poesia.
O Nordeste é o reino da oralidade que a
cultura dita letrada, às vezes desconhece. Os cantadores, os cordelistas que
pouco são considerados pela nata wi-fi da poesia brasileira, são o sustentáculo
de um permanente estado de poesia. Este é, seguramente, um dos maiores
patrimônios da cultura brasileira. Isso tem uma força incrível. Por isso, viva
a poesia! Em todas as suas vertentes, extensões e principalmente, em todas as
suas vocações transformadoras, em todas as suas rupturas sempre tão necessárias.
Pra finalizar, cabe um merchanzinho? Praticamente 100% da minha obra poética publicada está nas mãos da editora Casa Verde. Caso seja do seu interesse, solicite maiores informações pelo email:
Pra finalizar, cabe um merchanzinho? Praticamente 100% da minha obra poética publicada está nas mãos da editora Casa Verde. Caso seja do seu interesse, solicite maiores informações pelo email:
casaverde@casaverde.art.br
Fulinaíma MultiProjetos
portalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 - whatsapp
Lau Siqueira, parabéns pela excelente entrevista. É sempre bom saber um pouco mais sobre quem admiramos. Grande abraço.
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