terça-feira, 21 de abril de 2020

Lau Siqueira - EntreVistas



Ele é gaúcho de Jaguarão-RS, mas desde 1985 vive no Nordeste, em João Pessoa, no Estado da Paraíba. Comecei a ter contato com a sua poesia, no início do ano de 1983 em tempos de Mostra Visual de Poesia Brasileira.  Nossos primeiros contatos se deram através de cartas, pessoalmente nos encontramos uma vez em Brasília, no ano de 2015, durante a 37ª Feira do Livro, e nunca perdi de vista a sua poesia que leio  diariamente através do face, e do seu livro a memória é uma espécie de cravo ferrando a estranheza das coisas, enquanto aguardo a chegada do Inventário do Pêssego. 

QUINTANAVES

entre
os que passarão

e os que passarinho

passo a passo
de mansinho

Lau Siqueira nasceu em Jaguarão-RS e vive na Paraíba desde 1985. Publicou oito livros de poesia, participou de diversos projetos literários e antologias. Tem parcerias com diversos músicos da Paraíba, inclusive um disco com o compositor Paulo Ró. Atualmente está aposentado e vive em isolamento progressivo desde antes do Covid-19.

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Lau Siqueira - Nunca pensei nisso. Mas acho que não depende muito de mim. Ser poeta, não foi uma decisão minha. Não foi uma escolha. Quando me descobri poeta já era tarde demais pra mudar de ideia. Ser poeta é a minha forma de existir, de ser gente.  Então, o meu estado de poesia é permanente.É a minha natureza e a minha convivência com as palavras ou com as sensações que a vida oferece e que nem sempre são decifráveis. É algo indomável. Meu estado de linguagem. Simplesmente me rendo. Me permito. A intensidade tem naturalmente suas variáveis, mas o estado é permanente. Céu nublado sobre o poente. Incêndio da íris no olhar que me acolhe.

Artur Gomes - Seu poema preferido?

Lau Siqueira - Tenho vários. Não consigo ser fiel neste caso. Mas, vamos citar aqui Tabacaria, do Fernando Pessoa. É perfeito. Define o gênio que foi Fernando Pessoa. Maiakovski tem vários preferidos. João Cabral de Melo Neto, também.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Lau Siqueira - Depende. Algumas vezes é Maiakovski. Noutras vezes Pessoa ou Herberto Helder. Drummond, João Cabral e Murilo Mendes. Sempre Manuel Bandeira. Sempre Oliveira Silveira. Gilka Machado, Hilda Hilst e Orides Fontela. Augusto de Campos me faz perder o sono e o equilíbrio. Joan Brossa me abala as estruturas, Mário Faustino...Todavia, atualmente, quem me descabela de verdade é Sophia de Mello Breyner Andresen. Poerém, leio muito a poesia que a juventude brasileira está fazendo. Especialmente a poesia que as mulheres estão escrevendo. Muita gente boa na área. Amo demais a poesia africana de língua portuguesa. Enfim... sem limites.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Lau Siqueira - O que sinto de verdade é que a poesia não precisa de mim e sabe disso. A bandida sabe. Mas, simplesmente chega e se espalha. Eu é que, muitas vezes, não consigo traduzí-la em palavras.Nem sempre ela quer acordo. Às vezes não consigo passear pelos trigais e me perco nas beiradas, espremido nos alambrados. Claro que a disciplina ajuda. Lidar com as palavras cotidianamente, principalmente como leitor, torna o fazer poético algo natural.

Mas a poesia é absolutamente indomável.

Nossos encontros acontecem porque, escrever pra mim é uma atividade de grande prazer e de permanente exercício. A poesia chega naturalmente no que há de inesperado dentro dessa prática cotidiana. Por exemplo, sempre durmo de janelas abertas. Hoje, quando acordei, dois pássaros estavam na minha sala. A sensação de tê-los na minha morada foi muito maior que qualquer poema que eu pudesse escrever naquele momento. No caso, a poesia bateu asas e me deixou sem palavras.

Artur Gomes  - Livro que considera definitivo em sua obra?

Lau Siqueira - Certamente o que ainda não publiquei. Publicar, pra mim, não tinha e não tem muita importância. Escrever e ler sempre foi mais importante. O exercício permanente com a palavra sempre me atraiu mais. Principalmente quanto ao exercício do leitor que eu sou.

Digamos que o livro que hoje considero importante, não foi decisão minha, mas da Laís Chaffe, amiga, editora e escritora que conduziu tudo através da Editora Casa Verde. Foi quem me provocou a fazer O Inventário do Pêssego, que reúne boa parte dos poemas publicados nos meus quatro primeiros livros. O mérito é todo da Laís que, aliás, vem publicando meus livros desde 2011. Só por isso já posso dizer que este Inventário é candidato a definitivo. Só não sei se será eleito. Afinal, a urna do tempo é imprevisível e irreversível.


 Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Lau Siqueira - No final dos anos 70 eu era muito ligado no movimento Arte Correio, ou Arte Postal, como queiram. Mais como entusiasta mesmo, mas também participava.

Acho que foi o movimento artístico mais democrático que conheci. Recebi uma influência enorme de artistas incríveis como Constança Lucas, Paulo Bruscky, Moacy Cirne, Hugo Pontes, Avelino de Araújo, Samaral, etc. A Poesia Visual, o Poema Processo, a Poesia Concreta, as vanguardas do final do século XIX e início do século XX me encantavam e me influenciaram muito.

Acabei realizando algumas experimentações neste sentido.  Entretanto, nada que pudesse considerar relevante. Pra mim, o prazer de experimentar era e é maior que qualquer resultado e acho que isso foi importante na minha formação de poeta, pois descobri algo imprescindível para a carpintaria cotidiana: a ousadia.

Fodam-se os cartéis da poesia. Fodam-se os padrões e os patrões da política literária. Perder os limites é sempre um aprendizado forte. Poesia “é uma força que nos alerta”.  Até hoje acho a imprevisibilidade o maior valor de um poema.

Surpreender num mundo sem máscaras é desafiador. A poesia inventiva é o chá de cogumelo da literatura.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Lau Siqueira - Foram muitas pedras e certamente muitos poemas. Deixa ver um mais recente aqui:

ESGRIMA

metade de mim
é um beco sem saída

caminho sem volta
traçado sem tropeço

lonjuras disfarçadas
desde o começo

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Lau Siqueira - Acho que não vai mudar muita coisa. Pelo menos não de imediato e definitivo. A minha esperança é freireana. Vamos sim aprender com esse momento. E logicamente, para muitos vai continuar sendo uma gripezinha, a despeito da tragédia que já é real.

De minha parte, vou continuar lutando contra o fascismo, lutando por liberdade, democracia, justiça e igualdade de direitos. Desejo que tudo isso passe e que saibamos passarinhar melhor no futuro, porque o espaço é livre pra voarmos coletivamente. Voar e pousar é uma conjugação.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Lau Siqueira - Ademir é um grande poeta e um amigo querido. Michel Mafesoli, já escreveu sobre a tribalização do mundo.  Mas eu creio que nunca tive tribo porque preferia e prefiro aprender com tudo e com todos em todos os tempos, sem limitações de espécie alguma. Ao mesmo tempo, lia Petrarca e Cummings.

 O contraditório sempre ensina muito. Neste sentido, aprender sempre significou ter um olhar para os clássicos, mas também para a poesia marginal brasileira cujos ícones como Chacal, Nícolas Behr e outros, merecem todo o meu respeito. Eu habito uma solidão solidária que me permite deslocamentos entre as mais diversas tribos e prefiro assim. Eu viajo, mas sempre volto pro mesmo lugar, simbolicamente falando.

Esse lugar onde há uma ancestralidade me aguardando e uma permissividade de voo que nunca me permite saber qual o próximo pouso.

A verdadeira tribo é o mundo e suas contradições, seus confrontos, seus enfrentamentos, seus delírios e suas delícias.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Lau Siqueira - Acho que não é muito diferente de tempos atrás, inclusive de outras épocas. Lembro de uma frase de Homero, se não estou enganado,  sobre as coroas de louros com as quais condecoravam os poetas na antiguidade: “mal servem para temperar o feijão”, dizia o poeta.

Acho que cada um tem lá suas preferências, mas a militância poética me faz mais antifascista que já sou. A vida de alguns poetas é bem controversa e polêmica. Alguns acabam encantados pelas luzes da ribalta. São os insetos da poesia. Esses preferem as consagrações institucionais, os reconhecimentos irreparáveis se é que me entendes.

Firmo minha posição cidadã, ser poeta é minha digital neste mundo, nesta época pandêmica em que vivemos. Por isso prefiro a companhia dos acreditam que “a literatura é um direito humano”, como Antônio Cândido.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Lau Siqueira - Eu só faria um comentário final. Ou melhor: farei.

Desde 1985 moro no Nordeste, na Paraíba. Viajo muito pelos sertões e me encanto com a presença da poesia nas mais diversas formas. O Vale do Pajeú, por exemplo, segundo a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, é o lugar onde a poesia é mais popular que livro religioso. Mas, isso não é tudo. Lá pros lados do Vale do Piancó se encontra, por exemplo, um monumento dedicado ao poeta Inácio da Catingueira que era analfabeto e negro em um regime escravista e que comprou sua liberdade com poesia.

O Nordeste é o reino da oralidade que a cultura dita letrada, às vezes desconhece. Os cantadores, os cordelistas que pouco são considerados pela nata wi-fi da poesia brasileira, são o sustentáculo de um permanente estado de poesia. Este é, seguramente, um dos maiores patrimônios da cultura brasileira. Isso tem uma força incrível. Por isso, viva a poesia! Em todas as suas vertentes, extensões e principalmente, em todas as suas vocações transformadoras, em todas as suas rupturas sempre tão necessárias.

Pra finalizar, cabe um merchanzinho? Praticamente 100% da minha obra poética publicada está nas mãos da editora Casa Verde. Caso seja do seu interesse, solicite maiores informações pelo email:
casaverde@casaverde.art.br

Fulinaíma MultiProjetos
portalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 - whatsapp 





Um comentário:

  1. Lau Siqueira, parabéns pela excelente entrevista. É sempre bom saber um pouco mais sobre quem admiramos. Grande abraço.

    ResponderExcluir

cidade veracidade

onde tudo é carnaval minha madrinha se chamava cecília nunca soube onde minha mãe a conheceu por muitos anos morou na rua sacramento ao la...