sexta-feira, 24 de abril de 2020

Adeilton Lima - EntreVistas


Nos conhecemos em Brasília, numa das minhas primeiras  idas convocado por Lilia Diniz. Desde então nosso diálogo pelo face e posteriormente pelo zap tem sido constante. Em 2016 ele me convidou para uma performance no lançamento do Transe Poéticas - I Festival de Brasília da Poesia Brasileira, na Sala Plínio Marcos. Em 2018 sob a sua coordenação o Festival foi realizado no Museu da República, e eu tive a felicidade de ser escalado numa noite onde se apresentaram também Mano Melo e Arnaldo Antunes. Adeilton, além de poeta é um grande ator, exímio intérprete de Artaud, Gogol, que não descanso enquanto não vê-lo encarnando esses dois monstros sagrados no palco do Teatro de Bolso, em Campos dos Goytacazes-RJ.

Adeilton Lima é ator e professor de literatura, teatro e cinema, com mestrado em teoria literária e doutorado em artes, pela Universidade de Brasília. Há 30 anos, atua em Brasília onde é conhecido pelo trabalho direcionado para a poesia e pelos solos de investigação teatral como A Conferência, de sua própria autoria, Diário de um Louco, de Nicolai Gogol e Para Acabar com o Julgamento de Deus, de Antonin Artaud, que acaba de completar 26 anos de estrada.  Estreou recentemente seu novo espetáculo Glauber Rocha, O Profeta do Delírio.  Lançou, em 2016, seu primeiro livro de poesias com o título "Sempre Diga Eu te Amo da Boca pra Dentro".

Artur Gomes -Como se processa o seu estado de poesia?

Adeilton Lima - Isso é bem relativo... Às vezes, pode ser de súbito, e acontece. Noutras, uma ideia guardada nos embornais da memória... Mas, sobretudo, seja lá qual o caminho ou processo, tudo vira contemplação, crítica social, reflexão existencial e autoconhecimento.

Artur Gomes - Seu poema preferido?

Adeilton Lima - Não há um preferido, mas várias preferências, memórias afetivas de tempos, contextos e amorosidades. Mas “Tabacaria”, de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, é muito significativo para mim, pois foi o primeiro texto que interpretei como ator de teatro.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Adeilton Lima - Autores fundamentais para mim: Fernando Pessoa, Antonin Artaud, Vinicius de Moraes e Carlos Dummond de Andrade. Florberla Espanca e Cora Coralina também.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Adeilton Lima - Acho que sempre fui conduzido pela inquietação existencial.

Artur Gomes -Livro que considera definitivo em sua obra?

Adeilton Lima - É sempre difícil identificar apenas um, mas sou uma pessoa antes e depois de Kafka, Machado de Assis e Artaud.

Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Adeilton Lima - Sou ator de teatro. Sempre procurei estabelecer esse diálogo, possibilita belos desafios e outras possibilidades estéticas.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Adeilton Lima - Meu livro “Sempre Diga Eu te Amo da Boca pra Dentro” é resultado de muitas pedras...


Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Adeilton Lima - Não há mais lugar neste mundo para quem não quer ouvir o conselho dos pássaros... Essa sabedoria ancestral está há muito tempo enviando mensagens. O sábio aprende a decodificá-las e a transformá-las numa cultura de paz e num mundo mais saudável.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Adeilton Lima - Minha tribo primeira é a minha ancestralidade, que se liga a uma ideia de sagrado e corresponde também a um plano espiritual, mas sem conotações religiosas no sentido tradicional. No mais, encontramos irmandades pela estrada, que muito enriquecem a caminhada.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Adeilton Lima - Não acredito numa poesia que não tenha alma, que não tenha nascido ou surgido com o desafio de encarar aquelas pedras no caminho...  Ser poeta é algo muito profundo e mais além do que escrever poesia ou textos em verso... Costumo dizer que há os poetas, mas há também os “egoetas”. O poeta vive com, pela e para a poesia, o “egoeta” é um farsante, geralmente ou meramente mercadológico, sem compromisso com nada, que jamais terá coragem para encarar um precipício. Ele estará sempre com um discurso como o de quem “acabou de inventar” a poesia. O poeta, este reinventa gravidades assim como não tem medo de cortar as próprias veias para alcançar outras profundezas com a mesma alegria dos desapegos tão necessários...

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Adeilton Lima Apenas agradeço pelo convite e pelo espaço. A poesia é caminho possível e necessário. Obrigado! Saravastê!

Transe Teatro

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