Não
sei se por acaso, acho que não. Nos conhecemos em 2018, no Espaço Cultural e
livraria Alpharrabio em Santo André-SP, da
minha querida, parceira, amiga e poeta Dalila Teles Veras, em noite de
lançamento do meu Juras Secretas. Ali mesmo naquela noite trocamos contatos e
pelo face dialogamos com AS nossas poéticas e nossas afinidades, com as
questões da oralidade, a poesia falada. Temos planos para uma Oficina de Teatro.Poesia, para depois dessa pandemia.
Paulo Dantas nasceu em Santa Luzia, sertão da Paraíba, em 1984,
e vive em São Bernardo do Campo, São Paulo, desde 2005. É poeta, professor e
pai do João Miguel, e é também autor de a butija dos dizer
(coleção Mimo, Alpharrabio, 2018) e da proposta poética do espetáculo Mundo
di Versos Incarnados, entre outros.
Artur
Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Paulo Dantas - A vida
me apresentou a poesia muito cedo. Na minha infância, nunca houve distinção
entre brinquedos e folhetos de cordel. Tudo se misturava e a sonoridade das
estrofes, que, muitas vezes, eram lidas aleatoriamente, criava uma atmosfera
que tornava a brincadeira mais divertida. Pela mesma época, aos sábados, meu
pai costumava me levar à feira onde eu via várias manifestações da cultura
popular. Era como se a poesia fosse inerente ao cotidiano e sempre se revelasse
de alguma forma.
Eu não sabia, mas tudo aquilo
estava se sedimentando na minha existência e tecendo um prumo que, mais tarde,
passaria a usar na construção de todos os caminhos. Guardo, deveras, muitas
lembranças dessa época e vem de lá a compreensão de que, independentemente de
qualquer situação, esse “estado” é
uma constante na vida de quem se deixa levar pelos encantos da poesia, seja
lendo ou escrevendo.
Artur
Gomes - Seu poema preferido?
Paulo Dantas - É
difícil demais pensar em, somente, um poema preferido. Existem alguns pelos
quais tenho uma afetividade muito grande e que sempre procuro para abraçá-los,
carinhosamente. São eles: as proezas
de João Grilo, do João Ferreira de Lima; idealização da humanidade futura, do Augusto
dos Anjos; a palavra mágica,
do Carlos Drummond de Andrade; à flor
do asfalto, do Tarso de Melo; bagagem,
da Dalila Teles Veras; entre tantos outros.
Artur
Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Paulo Dantas - Não há,
necessariamente, um poeta de cabaceira. Posso dizer que, além das gentes
mencionadas na resposta anterior, a vida seria bem complicada sem Manuel
Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Bertolt Brecht, Paulo Leminski, Patativa do
Assaré, Fernando Pessoa, Leandro Gomes de Barros, João Guimarães Rosa, Carolina
Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Mano Brown, Chico Buarque e mais um povo
que, foi num foi, aparece aqui por casa (sobretudo, e para minha felicidade,
amigas e amigos que andam por dentro dos meus abraços).
Artur
Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque,
algo que o impulsione para escrever?
Paulo Dantas - A
leitura sempre me apruma no rumo da escrita, sempre. Além de livros e poemas
avulsos, sou um leitor, talvez involuntário e até meio displicente, de imagens
e sonoridades do dia a dia. Essa matéria-prima é imprescindível à minha poesia.
Na maioria das vezes, ela se insinua através de um insight ou de um verso já
bastante lapidado.
Quando isso acontece, eu me
deixo levar pelos seus caprichos que, no início, são mais espontâneos, mas que
vão, devagarinho, engendrando uma dinâmica diferente e, por fim, terminam
desaguando numa labuta poética pesada; regada a pesquisas, mais leituras,
traquejos gramaticais, consultas ao crivo da oralidade etc. suíte número pixo, um poema que
escrevi recentemente, é um exemplo claro do processo citado.
Artur
Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Paulo Dantas - Estou
no início de uma bonita caminhada, mas, mesmo assim, sei que há duas coisas
definitivas no que venho construindo com a poesia.
Uma, é a reverência, constante,
à dona Ancestralidade; a outra, é a certeza de que
“[...] o poeta enfrenta
a morte quando vê o seu povo oprimido”
porque
“en la lucha de clases / todas las armas son buenas / piedras / noches /
poemas”
(Carolina Maria de Jesus e Paulo Leminski, respectivamente).
Artur
Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra
forma de linguagem com poesia?
Paulo Dantas - A
vivência das feiras, na infância e adolescência, e dos saraus, nos últimos dez
anos, compuseram uma verdadeira oficina de teatro e me inseriram no mundo da
oralidade de maneira muito forte. Sob essa influência, e em parceria com os
músicos Edu Guerra e Diego Marques, tive a oportunidade de construir e
apresentar o espetáculo mundo di
versos incarnados.
Nesse trabalho, um diálogo
entre música instrumental e poesia, eu transitava entre as declamações e a
expressão corporal; e tudo isso representou um aprendizado gigantesco. O
projeto teve início em 2016 e se estendeu até 2019; ano em que contamos com a presença
da artista plástica Tânia Turcato, ilustrando dizeres e pincelando afetividades.
Artur
Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do
caminho?
Paulo Dantas - A vida
severina coloca muitas pedras no meio do nosso caminho. Entretanto, a perda do
meu pai foi, sem dúvida,um penedo quase intransponível. Só consegui, de fato, me
organizar psicologicamente quando escrevi:
confluências
para Nem de Marciano-Peba, meu pai
(in memoriam)
e
para João Miguel, meu filho
meu pai guardava nas mãos grossas um tino de prumo
consertador de tristezas e confeccionava tigelas com
telhas
de barro e geometrias para banhar nosso limoeiro que
floria-se
meu pai acocava-se em cadeiras de bar e bancos de
igreja
co’a mesma serenidade que coloria joaninhas e
borboletas
e invernava cururus ou fumava cigarros olhando pro
céu
meu pai trazia da feira um saquinho com bombons de
mel
de abelha e um grande sortimento de sorrisos bem
contentes
embrulhados em bonitas canções de nelson gonçalves
meu pai luzia seu vulcabrás folheando a infância de
pé no chão
metido em divertidas corridas de jumento e
traquinagens tantas
até envolvendo paus-de-bosta e matutos namoradeiros
meu pai usava sempre um turbante de sonhos mas tinha
duas 32
carregadas de inteligências e não tinha medo de
lutas-labutas
diárias e as encarava de mangas arregaçadas e peito
aberto
meu pai uma vez pôde tirar um calhambeque do bolso
mas sempre
sentava-se no chão para brincar e ensinou-me a
remendar pneus
de bicicleta e sujar mãos de terra e de graxa e
devolver trocos errados
atrepado nas nossas lembranças vou aqui alinhavando
estes versos
como quem sente hoje os braços cangueiros
consertarem chorinhos
(e joão miguel crescerá à sombra de teus doiros rastros, meu pai)
Artur
Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise
virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Paulo Dantas - Existe
um projeto evidente de sucateamento e precarização das relações de trabalho, no
Brasil e no mundo. Muitos dos direitos históricos conquistados por
trabalhadoras e trabalhadores estão desaparecendo e, na maioria das vezes, nem
percebemos o quão desamparados nos encontramos.
Essa situação vem ganhando
força com a popularização das tecnologias de informação e comunicação,
resultado das investidas constantes, e cada vez mais fortes, das políticas que
corroboram os interesses do capital. Associada a essa questão, temos o mundo, de
maneira bastante acertada, mantendo-se em quarentena por ocorrência da COVID-19
e, consequentemente, as compras por aplicativo, entre outras relações virtuais,
alcançando índices cada vez mais elevados. Sobretudo, no que diz respeito à
exploração do trabalho, bem próxima a um novo formato de escravização.
Diante disso, se continuarmos tão
passivos, eu acho que quem passará serão os poucos direitos que ainda tivermos
quando nos livrarmos desta hecatombe, infelizmente. Sobre quem passarinho, sim,
será a poesia, passarinheira toda!
Haverá poesia depois do coronavírus,
certamente. Acredito que, quem souber agarrar-se a ela, de maneira bastante
sincera, atravessando ou não essa pandemia, passarinhará contente por todos os
dias que existirem.
Artur
Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e
jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele
traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Paulo Dantas - Eu
venho da morada de dona Escassez. Sou da tribo, insubordinada, que sorri como
se tivesse todos os dentes na boca. A poesia que parimos vem de longe. É rolê
pesado! Poesia que traz no peito memórias de terra e que é escrita, sempre, a
muitas mãos. Foi assim nas brenhas do sertão, é assim nas quebradas de São
Paulo. Das feiras e botecos às páginas, muros e redes sociais; uma amálgama de
diversas manifestações, neste balaio do
que compreendo por poesia.
Artur
Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de
poesia?
Paulo Dantas - Palmilhando os becos da memória, da
Conceição Evaristo, descobri que “os sonhos dão para o
almoço, para o jantar, nunca”. Acredito que a militância poética, em
todos as épocas, se construa no compromisso social e no enfrentamento dos
conflitos do nosso tempo, que, no nosso caso, não são poucos.
Para
que isso aconteça, é preciso arregaçar as mangas e encarar a realidade de
frente, aguerrido e com os pés bem fincados no chão. Não é, necessariamente,
uma questão de se privar da boniteza dos sonhos, mas de não se deitar à sombra
do deslumbre e findar caindo na arapuca da vaidade.
É
preciso escrever poesia com mãos de cavucar terra seca e de parar tantas
quantas forem as máquinas existentes, sempre que preciso.
Artur
Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Paulo Dantas -Eu gostaria
de falar sobre a necessidade de esgarçarmos, ao máximo, as fronteiras do que denominaram
poesia popular e poesia erudita. A minha história sempre me fez dialogar com a
poesia, simplesmente, sem que houvesse a precisão de criar divisões e despeitos.
Quando abrimos a caixa de ferramentas, nos deparamos com infindáveis
possibilidades diante de um poema. Podemos escolher o formato e, por
consequência, os recursos a serem utilizados (inclusive, a poesia!).
A fragmentação, na maioria dos
casos, não serve para outra coisa que não seja favorecer um lado, em total
detrimento do outro. A pergunta, no caso, teria que passar por essa questão que
considero bastante importante.
No mais, agradeço a oportunidade e fico
contente demais por trazer estes fraseados para o seu
espaço, e pela possibilidade de partilhar minhas vivências e devaneios com
outras gentes.
Um beijo, meu irmão!
Fulinaíma MultiProjetos
portalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 - whatsapp
Parabéns Paulo, Viva a poesia. Grande abraço
ResponderExcluirviva sempre a poesia, Luiz! abraço!
Excluiro cara é poesia, uma honra conhecer esse poeta...
ResponderExcluirCarriero, irmão, a honra é toda minha! admiro demais a sua arte. inclusive, quando quiser, podemos construir algo juntos. abraço!
ExcluirQue honra, que orgulho tenho em partilhar meus dias com tão brilhante companheiro. Salve, querido amigo!!! " Nada puede contener todo el sol en las banderas de la primavera invencible" (Pablo Neruda)
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