domingo, 26 de abril de 2020

Paulo Dantas - EntreVistas



Não sei se por acaso, acho que não. Nos conhecemos em 2018, no Espaço Cultural e livraria Alpharrabio em Santo André-SP,  da minha querida, parceira, amiga e poeta Dalila Teles Veras, em noite de lançamento do meu Juras Secretas. Ali mesmo naquela noite trocamos contatos e pelo face dialogamos com AS nossas poéticas e nossas afinidades, com as questões da oralidade, a poesia falada.  Temos planos para uma Oficina de Teatro.Poesia, para depois dessa pandemia. 

Paulo Dantas nasceu em Santa Luzia, sertão da Paraíba, em 1984, e vive em São Bernardo do Campo, São Paulo, desde 2005. É poeta, professor e pai do João Miguel, e é também autor de a butija dos dizer (coleção Mimo, Alpharrabio, 2018) e da proposta poética do espetáculo Mundo di Versos Incarnados, entre outros.



Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Paulo Dantas - A vida me apresentou a poesia muito cedo. Na minha infância, nunca houve distinção entre brinquedos e folhetos de cordel. Tudo se misturava e a sonoridade das estrofes, que, muitas vezes, eram lidas aleatoriamente, criava uma atmosfera que tornava a brincadeira mais divertida. Pela mesma época, aos sábados, meu pai costumava me levar à feira onde eu via várias manifestações da cultura popular. Era como se a poesia fosse inerente ao cotidiano e sempre se revelasse de alguma forma.

Eu não sabia, mas tudo aquilo estava se sedimentando na minha existência e tecendo um prumo que, mais tarde, passaria a usar na construção de todos os caminhos. Guardo, deveras, muitas lembranças dessa época e vem de lá a compreensão de que, independentemente de qualquer situação, esse “estado” é uma constante na vida de quem se deixa levar pelos encantos da poesia, seja lendo ou escrevendo.

Artur Gomes - Seu poema preferido?

Paulo Dantas - É difícil demais pensar em, somente, um poema preferido. Existem alguns pelos quais tenho uma afetividade muito grande e que sempre procuro para abraçá-los, carinhosamente. São eles: as proezas de João Grilo, do João Ferreira de Lima; idealização da humanidade futura, do Augusto dos Anjos; a palavra mágica, do Carlos Drummond de Andrade; à flor do asfalto, do Tarso de Melo; bagagem, da Dalila Teles Veras; entre tantos outros.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Paulo Dantas - Não há, necessariamente, um poeta de cabaceira. Posso dizer que, além das gentes mencionadas na resposta anterior, a vida seria bem complicada sem Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Bertolt Brecht, Paulo Leminski, Patativa do Assaré, Fernando Pessoa, Leandro Gomes de Barros, João Guimarães Rosa, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Mano Brown, Chico Buarque e mais um povo que, foi num foi, aparece aqui por casa (sobretudo, e para minha felicidade, amigas e amigos que andam por dentro dos meus abraços).

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Paulo Dantas - A leitura sempre me apruma no rumo da escrita, sempre. Além de livros e poemas avulsos, sou um leitor, talvez involuntário e até meio displicente, de imagens e sonoridades do dia a dia. Essa matéria-prima é imprescindível à minha poesia. Na maioria das vezes, ela se insinua através de um insight ou de um verso já bastante lapidado.

Quando isso acontece, eu me deixo levar pelos seus caprichos que, no início, são mais espontâneos, mas que vão, devagarinho, engendrando uma dinâmica diferente e, por fim, terminam desaguando numa labuta poética pesada; regada a pesquisas, mais leituras, traquejos gramaticais, consultas ao crivo da oralidade etc. suíte número pixo, um poema que escrevi recentemente, é um exemplo claro do processo citado.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Paulo Dantas - Estou no início de uma bonita caminhada, mas, mesmo assim, sei que há duas coisas definitivas no que venho construindo com a poesia.

Uma, é a reverência, constante, à dona Ancestralidade; a outra, é a certeza de que

“[...] o poeta enfrenta a morte quando vê o seu povo oprimido”

porque “en la lucha de clases / todas las armas son buenas / piedras / noches / poemas”

(Carolina Maria de Jesus e Paulo Leminski, respectivamente).

Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Paulo Dantas - A vivência das feiras, na infância e adolescência, e dos saraus, nos últimos dez anos, compuseram uma verdadeira oficina de teatro e me inseriram no mundo da oralidade de maneira muito forte. Sob essa influência, e em parceria com os músicos Edu Guerra e Diego Marques, tive a oportunidade de construir e apresentar o espetáculo mundo di versos incarnados.

Nesse trabalho, um diálogo entre música instrumental e poesia, eu transitava entre as declamações e a expressão corporal; e tudo isso representou um aprendizado gigantesco. O projeto teve início em 2016 e se estendeu até 2019; ano em que contamos com a presença da artista plástica Tânia Turcato, ilustrando dizeres e pincelando afetividades.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Paulo Dantas - A vida severina coloca muitas pedras no meio do nosso caminho. Entretanto, a perda do meu pai foi, sem dúvida,um penedo quase intransponível. Só consegui, de fato, me organizar psicologicamente quando escrevi:

confluências

para Nem de Marciano-Peba, meu pai
(in memoriam)
e
para João Miguel, meu filho

meu pai guardava nas mãos grossas um tino de prumo
consertador de tristezas e confeccionava tigelas com telhas
de barro e geometrias para banhar nosso limoeiro que floria-se

meu pai acocava-se em cadeiras de bar e bancos de igreja
co’a mesma serenidade que coloria joaninhas e borboletas
e invernava cururus ou fumava cigarros olhando pro céu

meu pai trazia da feira um saquinho com bombons de mel
de abelha e um grande sortimento de sorrisos bem contentes
embrulhados em bonitas canções de nelson gonçalves

meu pai luzia seu vulcabrás folheando a infância de pé no chão
metido em divertidas corridas de jumento e traquinagens tantas
até envolvendo paus-de-bosta e matutos namoradeiros

meu pai usava sempre um turbante de sonhos mas tinha duas 32
carregadas de inteligências e não tinha medo de lutas-labutas
diárias e as encarava de mangas arregaçadas e peito aberto

meu pai uma vez pôde tirar um calhambeque do bolso mas sempre
sentava-se no chão para brincar e ensinou-me a remendar pneus
de bicicleta e sujar mãos de terra e de graxa e devolver trocos errados

atrepado nas nossas lembranças vou aqui alinhavando estes versos
como quem sente hoje os braços cangueiros consertarem chorinhos
(e joão miguel crescerá à sombra de teus doiros rastros, meu pai)

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Paulo Dantas - Existe um projeto evidente de sucateamento e precarização das relações de trabalho, no Brasil e no mundo. Muitos dos direitos históricos conquistados por trabalhadoras e trabalhadores estão desaparecendo e, na maioria das vezes, nem percebemos o quão desamparados nos encontramos.

Essa situação vem ganhando força com a popularização das tecnologias de informação e comunicação, resultado das investidas constantes, e cada vez mais fortes, das políticas que corroboram os interesses do capital. Associada a essa questão, temos o mundo, de maneira bastante acertada, mantendo-se em quarentena por ocorrência da COVID-19 e, consequentemente, as compras por aplicativo, entre outras relações virtuais, alcançando índices cada vez mais elevados. Sobretudo, no que diz respeito à exploração do trabalho, bem próxima a um novo formato de escravização.

Diante disso, se continuarmos tão passivos, eu acho que quem passará serão os poucos direitos que ainda tivermos quando nos livrarmos desta hecatombe, infelizmente. Sobre quem passarinho, sim, será a poesia, passarinheira toda! 

Haverá poesia depois do coronavírus, certamente. Acredito que, quem souber agarrar-se a ela, de maneira bastante sincera, atravessando ou não essa pandemia, passarinhará contente por todos os dias que existirem.

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Paulo Dantas - Eu venho da morada de dona Escassez. Sou da tribo, insubordinada, que sorri como se tivesse todos os dentes na boca. A poesia que parimos vem de longe. É rolê pesado! Poesia que traz no peito memórias de terra e que é escrita, sempre, a muitas mãos. Foi assim nas brenhas do sertão, é assim nas quebradas de São Paulo. Das feiras e botecos às páginas, muros e redes sociais; uma amálgama de diversas manifestações, neste balaio do que compreendo por poesia.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Paulo Dantas - Palmilhando os becos da memória, da Conceição Evaristo, descobri que “os sonhos dão para o almoço, para o jantar, nunca”. Acredito que a militância poética, em todos as épocas, se construa no compromisso social e no enfrentamento dos conflitos do nosso tempo, que, no nosso caso, não são poucos.

Para que isso aconteça, é preciso arregaçar as mangas e encarar a realidade de frente, aguerrido e com os pés bem fincados no chão. Não é, necessariamente, uma questão de se privar da boniteza dos sonhos, mas de não se deitar à sombra do deslumbre e findar caindo na arapuca da vaidade.

É preciso escrever poesia com mãos de cavucar terra seca e de parar tantas quantas forem as máquinas existentes, sempre que preciso.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Paulo Dantas -Eu gostaria de falar sobre a necessidade de esgarçarmos, ao máximo, as fronteiras do que denominaram poesia popular e poesia erudita. A minha história sempre me fez dialogar com a poesia, simplesmente, sem que houvesse a precisão de criar divisões e despeitos. Quando abrimos a caixa de ferramentas, nos deparamos com infindáveis possibilidades diante de um poema. Podemos escolher o formato e, por consequência, os recursos a serem utilizados (inclusive, a poesia!).

A fragmentação, na maioria dos casos, não serve para outra coisa que não seja favorecer um lado, em total detrimento do outro. A pergunta, no caso, teria que passar por essa questão que considero bastante importante.

No mais, agradeço a oportunidade e fico contente demais por trazer estes fraseados para o seu espaço, e pela possibilidade de partilhar minhas vivências e devaneios com outras gentes. 

Um beijo, meu irmão!

Fulinaíma MultiProjetos 
portalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 - whatsapp






5 comentários:

  1. Parabéns Paulo, Viva a poesia. Grande abraço

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  2. o cara é poesia, uma honra conhecer esse poeta...

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    1. Carriero, irmão, a honra é toda minha! admiro demais a sua arte. inclusive, quando quiser, podemos construir algo juntos. abraço!

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  3. Que honra, que orgulho tenho em partilhar meus dias com tão brilhante companheiro. Salve, querido amigo!!! " Nada puede contener todo el sol en las banderas de la primavera invencible" (Pablo Neruda)

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