Nos conhecemos lá pelos idos dos anos 80, e desde
os anos de chumbo dialogamos poeticamente,
antes por cartas, hoje pelo face, Ziul
além de poeta, é um devorador de poesia. As últimas vezes em que nos
encontramos fisicamente foi no Congresso
Brasileiro de Poesia, em Bento
Gonçalves-RS. É um adepto sem dúvida do que podemos chamar de Todo Dia É Dia D Poesia Todo Dia. Muito
de seus poemas são verdadeiros quebra-cabeças, um grande lance de dados. Parceiro na busca incessante pela criação da palavra a nova. a que ainda não foi
desvirginada no branco do papel.
Ziul Serip é natural de Porto Alegre. Cursou Direito na
Universidade de Caxias do Sul ( UCS ). Reside em Tramandaí, RS. Poeta há mais
de 30 anos, foi vencedor do 1º. Prêmio
Prêmio Mauá de Literatura – Poesia/Porto Alegre - 1988, com “quadrantal”, seu primeiro livro,
publicado em 1989 pela Editora Cidade de Porto Alegre. Ali, o poeta se pôs a
alçar seus primeiros voos em espaços a um só tempo excitantes e turbulentos,
deixando-se encantar pela palavra, dela fazendo escrava sua lírica. Participou
de inúmeros encontros literários no RS, SC e SP. Em 2012, 2013 e 2014
participou das Antologias Poesia do
Brasil dos XX, XXI e XXII - Congresso Brasileiro de Poesia,
realizado em Bento Gonçalves/RS. Também participou em 2015, da Antologia “29 de abril – O verso da violência”,
pela Patuá. Possui poemas publicados em diversos sites, blogs e revistas
literárias, como Zunái, Caqui, Letras Vermelhas, Kazuá, Mallarmargens e
Germina. Publicou em 2017, pela Editora Córrego, selo Leonella, a plaquete “um fio de sol medita”.
Artur
Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Ziul
Serip - Escrever é uma necessidade funcional, quase fisiológica
para mim. Às vezes tento me desvencilhar da poesia, mas é algo impossível, pois
a palavra me des[a]fia, como se fosse uma convulsão. Tenho meus métodos de
criação. Organizo meus poemas a partir de um tema qualquer, procurando as
palavras certas para daí organizá-las em versos com ou sem rimas.
Após, desorganizo,
(des)construo e reconstruo os poemas todos. Levo o tempo que for necessário
para amadurecê-los. E nas palavras busco suas reentrâncias, seus subterrâneos,
as (im)possibilidades, exaurindo os signos, ouvindo suas sonoridades, seus
[b]ecos.
Faço isso com poemas
processos, poemas diversos, haikus, tankas e toda minha “proesia”. O engraçado nesse processo é que, passado algum tempo,
releio-os e quase sempre acrescento ou recolho palavras dos poemas. Creio que
nunca finalizo-os. É como se o poema ficasse em “suspensão”, ignorado à própria sorte.
Então, apresento-o ao leitor, mas não explico-o, pois
explicar a poesia não faz parte do processo. Não cabe ao poeta explicar o
poema. Cabe a ele, criá-lo. De modo geral é assim.
Artur Gomes - Seu poema preferido?
Ziul
Serip - Interessante para
mim é imaginar que não há um poema preferido, favorito, seja meu ou de outros
poetas. São tantos os poemas que – inclusive poemas teus – seria injusto citar
algum. Posso afirmar que o poema preferido é aquele que me causa orgasmo
plástico-visual, uma metamorfose-caos. E são muitos!
Artur
Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Ziul
Serip - A lista é extensa:
Mallarmé, Bashô, Issa, Buson e tantos outros japoneses; os poetas chineses;
Fernando Pessoa, Cruz e Souza, Augusto dos Anjos, Ezra Pound, E. E. Cummings,
Murilo Mendes, Herberto Helder, Oliverio Girondo, João Cabral de Melo Neto,
Manoel de Barros, Néstor Perlongher, Octávio Paz, Oswald de Andrade, Blanca
Varela, Mina Loy, o triunvirato – Augusto e Haroldo de Campos e Décio
Pignatari; Paulo Leminski, Hilda Hilst, Claudio Daniel, e inúmeros poetas
brasileiros contemporâneos. Não necessariamente nessa ordem. Mas um poeta
sempre está ao meu lado, dia e noite: Maiakóvski…
Artur
Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque,
algo que o impulsione para escrever?
Ziul
Serip - Bem, creio que sejam meus “fantasmas” sendo libertos para aterrorizar o leitor, o qual cria
novos fantasmas dentro de si. Instigá-lo, mesmo com acumulação de metáforas,
que podem atrasar sua compreensão do poema, mas impregná-lo de sentidos, sem
explicar. Mas que isto, contudo, não deixe e nem o leve a evitar a leitura.
Artur
Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Ziul
Serip - Minha obra editada é curta. São dois livros apenas. Na
verdade, um livro, “Quadrantal”, meu
primeiro – que você conhece –, o qual tenho imenso carinho, mas que não reflete
a minha poesia atual, amadurecida. Ele revela apenas os meus primeiros passos.
E uma plaquete: o poema “Um Fio de Sol Medita”.
Possuo outros 25 livros “prontos”
[pelo menos não me pertencem mais] para serem editados. Gosto muito de alguns, “Nakba – Flor da Ressurreição [Poemas para a Palestina] que na
verdade são 2 em 1: “Êxodo” e “Qiṭā’
Ġazzah”; “Cabeça-Labirinto”;
“Arame Farpado”, “Água Salobra”; “Cidade Exílio” e “Telhado
de Vidro {haikus]”. Estes,
talvez, se tornem definitivos em minha obra.
Artur
Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra
forma de linguagem com poesia?
Ziul
Serip - Produzo a prosa
poética, que quebra regras. Sou um quebrador de regras dentro da poesia e fora
dela, um “nonsense” e “anárquico”. Sou um adepto do
neologismo, de uma nova linguagem poética. Houve um momento em que tentei
enveredar para a crônica, mas nunca fui um bom contador de histórias. Escrever
contos foi outra tentativa frustrada. Embora texto de ficção, ou seja,
invenção, tudo nele precisa ser leve e frugal com muito equilíbrio, mas com
rigor na sua construção. Resolvi ficar somente com a poesia.
Artur
Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do
caminho?
Ziul
Serip - São vários, até porque são em momentos de crise que eu
consigo expressar-me de forma contundente. Há um poema, extenso, que fará parte
de uma antologia que o poeta Claudio
Daniel está organizando, "80
balas, 80 poemas", e também faz parte de um livro que estou
escrevendo, “Crisântemos Vermelhos”.
O poema se chama “este é o último poema
que escrevo sobre a morte”.
É sobre o fuzilamento pelo exército, de Evaldo dos Santos
Rosa e Luciano Macedo, ocorrido 2019 em Guadalupe, bairro do Rio de Janeiro.
Aquilo tudo me tocou profundamente, porque me veio à tona todos aqueles anos de
barbárie cometida pela ditadura militar, que você também atravessou. Abaixo, um
pequeno trecho do poema:
inventário:
sete
de abril
de dois
mil e dezenove
quatorze
e quarenta
automóvel
branco
subúrbio
pobre
família
negra “
..."é carro
de família. não tinha vidro fumê,foi execução!”
[n]o a
(r)[bí] trio: guadalupe
padroeira
da américa latina
rio de
janeiro brazil
terra
inquilina
uma
tarde de domingo
milicos
em patrulha
arqui-inimigos
máquinas-ferramentas
fagulhas
sem regras
famílias
negras
disparos
de fuzil:
oitenta!
“o
sangue espirrou todo no meu filho. e os militares rindo
de
mim. eu pedi gritando pra eles socorrerem,
e
eles não fizeram nada”
dois
mil e dezenove fenece
velhos
e duros anos regressam
cessam
a construção de alicerces
panorama:
dois feridos
–
famílias destruídas –
dois
corpos caídos
Evaldo
dos Santos Rosa
e
Luciano Macedo!
Evaldo
dos Santos Rosa
e
Luciano Macedo!
Evaldo
dos Santos Rosa
e
Luciano Macedo!
Evaldo
dos Santos Rosa
e
Luciano Macedo!
Evaldo
dos Santos Rosa
e Luciano
Macedo!
Evaldo
dos Santos Rosa
e
Luciano Macedo!
Evaldo
dos Santos Rosa
e
Luciano Macedo!
o
horror!
armas
em transporte?
o
cavaco a música
a cor
da [p] rosa
o papel
catador
a
morte! “
...o
exército acaba de matar duas famílias...”
há um
imenso nó na garganta
lágrima
que escorre
e se
agiganta “
...
é morador, porra!”
o sol
não brilha mais em seus rostos
o
sangue jorra no tapete do asfalto
nesse
imenso rio decomposto
sobre a terra em sobressalto
como
nos tempos das masmorras
cães de guardas sicários
vestidos de deboches
de mil estilhaços
fantoches
“...olha
o que eles fizeram, esses filhos da puta...”
Artur
Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise
virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho¿
Ziul
Serip - A poesia, esta
passará incólume. A crise que o ser humano atravessa não é de agora, é de
sempre. O ser humano é o seu próprio vírus. Sua permanência aqui é uma
incógnita, mas tudo leva a crer num “autocídio
coletivo”. Quanto aos passarinhos, bem, estes atravessarão os caminhos dos mistérios,
das trevas, da transmigração.
Artur
Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e
jornalista Ademir Assunção, afirma
que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de
onde vem, qual é a sua tribo?
Ziul Serip - Comecei
a escrever em meados dos anos 70 em Porto Alegre. A princípio, inspirei-me no
rock psicodélico, no heavy metal, nas letras surrealistas de Bob Dylan, Campos,
Pignatari, a poesia concreta, parnasianismo, simbolismo, surrealismo,
cubo-futurismo, modernismo, tropicalismo, neo-barroco. Vieram os poetas
brasileiros, latinos, russos, franceses, ingleses, irlandeses, americanos,
japoneses e toda uma horda de poetas das mais diferentes correntes.
Metáforas, aliterações, assonâncias, sinestesias, alegorias,
anagramas passaram a povoar meu[s] [uni]versos. Forma e fundo. Minha tribo é a
poesia como um todo, mas confesso: sou um poeta aturdido pela palavra, em
confusão, no aguardo da transformação. Estou sempre apto a ver e ouvir a
transformação da palavra, sua transposição ao papel, onde o olhar viaja em suas
imagens, sua transmigração.
A palavra me causa
excitação. Sou um inventor e ao mesmo tempo um poeta mentiroso. Minha poesia é
uma mentira!
Artur
Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de
poesia?
Ziul Serip - Um quebrador dessa
porra toda que aí está. Não sou o poeta que – como você e tantos outros que
muito admiro – sai às ruas e praças para dizer a poesia em alto e bom tom para
que todos ouçam. Sou o poeta calado, tímido, que odeia holofotes, que cria em
silêncio e destrói o sistema obscuro, através da palavra mais obscura
[im]possível. – forjar o ferro polir a pedra desaguar a água – sentir o porvir
[d]o que está por vir transmutar incêndios no olhar escolher este lugar céu
cinzento entre as lápides dos sepulcros silêncio em folhas semelhantes juncos
espantalhos murmúrios olhar as formas das madeiras úmidas ao vento em dobras de
luz – lâmpadas extintas explodem escalando-se em ecos –
Artur
Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Ziul
Serip -Com quantas palavras se faz um poema?
Resposta: Com uma, duas ou algumas palavras em
flores-cimento[s], eu responderia: sussurros de uma gaivota exausta
transbordando entre céu e mar ***
Fulinaíma
MultiProjetos
portalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 -
whatsapp
Nenhum comentário:
Postar um comentário