Lá
pelos idos dos anos de 1983 quando criei a Mostra Visual de Poesia Brasileira,
tomei conhecimento que existia no Brasil, um projeto de poesia com o título: Categuese Poética, criado pelo poeta
catarinense Lindolfo Bell. Dois anos
depois em 1985, por carta, recebo um grande relato sobre o projeto, escrito
pelo próprio Lindolfo Bell, que
relata a participação de Rubens Jardim nessa catequese.
Na época os contatos com os poetas fazíamos através dos
correios, e mesmo querendo saber sobre a
poesia do Rubens, não nos encontramos nessa década. O encontro veio como muitos
outros através do face, mais ou menos há uns 3 anos, e o Cesar Augusto de Carvalho
através do Sarau da Paulista e do Gente de Palavra Paulistano, proporcionou
os nossos encontros físicos, por assim dizer. Tenho com Rubens, algumas
afinidades: por exemplo a paixão pela oralidade, a satisfação de estar nos
Saraus, nos Encontros, nos projetos onde a poesia é dita em voz alta. E uma
outra, incomum para os dias atuais: fomos
tipógrafos. Profissão hoje inexiste
no Brasil, e nem sei se ainda existe em outra parte do planeta.
Rubens Jardim, 73 anos, jornalista e poeta. É autor de
quatro livros de poemas. O mais recente: Antologia
de Poemas Inéditos(2018). Publicou poemas em diversas antologias no Brasil
e no exterior. Integrou a Catequese Poética(1964-1968), participou da 1ª Bienal
Internacional de Poesia de Brasília(2008). É organizador do Sarau da Paulista e curador do Sarau Gente de Palavra. Pesquisou e
divulgou em seu blog, e em sites parceiros, durante 6 anos, a série AS MULHERES POETAS. que viraram 3
livros virtuais, acessados gratuitamente na plataforma do ISSUU.
Artur
Gomes -Como se processa o seu estado de poesia?
Rubens Jardim - Já disse algumas vezes --e em vários lugares - que escrevo a esmo
porque acredito no acaso e na inspiração. E a prova disso são os livros que
publiquei - Ultimatum(1966), Espelho Riscado(1978) Cantares da Paixão(2008), Fora da Estante(2012)e esta Antologia dePoemas Inéditos(2018) .
Todos
eles não foram projetados, pautados ou arquitetados. Sinto uma dificuldade
enorme em lidar simultaneamente com a razão e a emoção poética. Por isso o que
me guia sempre é a pulsação da palavra, o mistério da linguagem, uma espécie de
viagem por esse oceano de letras, sons e significados... Claro que a
espontaneidade da escrita não dispensa a vigilância e os cuidados com a
construção do poema. Mas poesia pra mim é mistério, alquimia. É a transformação
do indizível em dizível. É, enfim, fazer o milho virar pipoca!!!
Artur
Gomes - Seu poema preferido?
Rubens Jardim - Acho muito complicado esse troço de escolher um poema, um poeta, um
autor, um compositor, um filme, uma escultura, um desenho, uma música, uma
pintura. Mas vou tentar responder situando poetas que me encantaram em
diferentes períodos da minha vida. Alvares
de Azevedo marcou a minha adolescência junto com Manuel Bandeira - e seu lirismo impregnado pelo cotidiano, e sua
sabedoria simples, enxuta, exata.
Outros poetas que me provocaram espantos, sustos
e encantamentos: Rainer Maria Rilke,Fernando
Pessoa, Jorge de Lima, Drummond, Nietzsche, Neruda, Eliot, Pound, Saint-John
Perse, Cassiano Ricardo, Cabral, Mario de Andrade,Ferreira Gullar, Lindolf
Bell.
Artur
Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Rubens Jardim - Nunca consigo me afastar ou deixar longe de mim livros de Rilke, principalmente as Elegias de Duino; as obras completas de
Jorge de Lima e o Grande Sertão, Veredas, do Guimarães Rosa. São paixões que me
acompanham durante a vida inteira. E esses camaradas estabeleceram conexões
muitos intensas comigo. E essa proximidade é de tal ordem que já fui atrás
deles em Duino(onde Rilke iniciou as Elegias), em União dos
Palmares e Maceió (onde Jorge de
Lima nasceu e viveu) e em Cordisburgo
(onde nasceu Guimarães Rosa). Também
estive em Naumburg e Sils Maria
atrás de Nietzsche, esse poeta dos
aforismos do Zaratustra.
Artur
Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque,
algo que o impulsione para escrever?
Rubens Jardim - Em linhas gerais acredito que a gente escreve por
não aceitar o mundo como ele é. Aliás, acho que é isso que impulsiona qualquer trabalho
artístico: esse desejo de alterar e transformar o mundo. Na verdade, escrevo
pouco e sem nenhuma disciplina, método, ritual. Desde criança sou rebelde e indisciplinado.
E tem mais: não
consigo me filiar a essa ideia de que escrever poemas exige muito trabalho e
muita transpiração. Reconheço que poesia é um negócio difícil, complicado. Mas
comigo, pelo menos ,o andamento tem sido diferente. Já escrevi alguns sonetos e
um deles conquistou até uma certa notoriedade e elogios de gente versada no
assunto.
Confesso,
porém, não ter suado a camisa. Ele nasceu de parto normal, com algumas
contrações, é claro. Mas dispensando cesáreas, fórceps e outras intervenções
técnicas.
Artur
Gomes -Livro que considera definitivo em sua obra?
Rubens Jardim - Sou totalmente provisório e efêmero—mas estou até durando bastante.
Já emplaquei 7.3. Logo mais, em maio
ingresso no 7.4. Devo confessar, porém, um entendimento sério da minha relação
com a poesia: não tenho nem obra, imagine livro definitivo...
Artur
Gomes - Além da poesia em verso,já exercitou ou exercita outra
forma de linguagem com poesia?
Rubens Jardim - O mundo da oralidade me sequestrou muito cedo. E ainda estou
mergulhado nele. Gosto demais de assistir leituras públicas de poemas—e de
participar. Na origem disso enxergo minha tia Conceição. Ela era apaixonada por poesia, tinha um vasto repertório
de autores e declamava bem pra caramba.
Eu tinha uns 12 anos e ficava
completamente encantado quando ele recitava o Navio Negreiro, por exemplo. Atribuo a ela meu vínculo tão forte
com poetas, poemas e com a oralidade, é claro.
Em 1964, após o golpe militar,
fui assistir uma apresentação do poeta catarinense Lindolf Bell, no Teatro de Arena. Fiquei completamente arrebatado
pela qualidade dos poemas e pela forma teatral que ele incorporava a sua
declamação. Pouco tempo depois, em 1965, passei a fazer parte da Catequese Poética, movimento que ele
criou em maio de 64, em uma boate de São Paulo.
E a partir daí a oralidade nunca
me abandonou. Até hoje participo de saraus e leituras públicas de poesia. E faço
a coordenação do Sarau da Paulista(com
os camaradas César Augusto de Carvalho
e Claudio Laureatti) e a curadoria
do Gente
de Palavra Paulistano, com o mano Cesar.
Artur
Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do
caminho?
Rubens Jardim - Certamente não foram poucos. Um deles divido com vocês:
¡Que no quieroverla!
Quero que você viaje sempre
e se não quiser voltar – que não volte.
Busque outros programas
de preferência algum que seja mais extenso.
E vá visitar os teus museus
e viver nas regiões mais inóspitas:
que tal o Musée du Panthéon National Haïtien?
ou o Museu de Serra Leoa,
em Freetown?
Afinal essas viagens
são um imperativo do trabalho.
E Rodin já dizia: o trabalho é tudo.
Sem trabalho as pedras
continuariam pedras
e os trançados da vida
não estariam aqui
– no traço talhado.
O que importa é trabalhar
para transformar nosso olhar,
mudar a direção da alma
e viver na concentração do corpo.
Não dissipar nada.
Nem diluir o vinho.
Nem preservar a esquálida integridade
dos medos e do pouco pão
dividido.
Resguardar apenas as funduras de ser
habitante dos precipícios
e dos despenhadeiros,
neblina da minha alma,
entroncamento de caminhos.
Não, eu não quero me habituar às tuas partidas
nem às vestimentas cotidianas.
Também não quero trajes apertados
nem sininhos no pescoço.
Sei que a vida é contínua queimação
de etapas,
de imagens
clareiras.
Questões sempre postas
nas mesas
nas camas
– e onde a resposta?
Perguntas dissolvem-se em soluções
retilíneas.
Mas se as retas não existem
e se já não existem os júbilos e as celebrações
o que fazer com essa angústia:
chamar Kierkegaard?
Ou afinar os ouvidos para ouvir Holderlin
e a solidão absoluta de Rainer?
Claro que a vida não é só proximidade.
encontro
desencontro
reencontro.
Faz parte da vida esse capinar sozinho
Faz parte da vida esse capinar
Faz parte da vida
Faz parte
Faz
E o que é que eu fiz
diante de você naquela tarde
de desorientadas navegações,
bússolas quebradas que retornam
retorcidas
caminhos da minha alma
em agonia
(se não fossem os meus erros
se não fossem os teus)
se não fossem
se não
se
Não, não há nenhum touro em minha frente.
Também não há nenhuma arena em minha memória.
Mas por que meu relógio permanece parado
alas cinco en punto de la tarde?
Pura coincidência de um verso
que a-tingiu meu universo
de vermelho
vermelho como la sangre de Ignacio
sobre la arena
Ou como tuas unhas pintadas
que eu não quero ver
que eu não quero ver
o aceno de tuas mãos
em
mais nenhuma despedida.
Artur
Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise
virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Rubens Jardim - Sinto uma dificuldade enorme em romper com as marcas profundas que Sartre imprimiu em minha alma quando
disse essa frase: o homem é uma paixão
inútil. Apesar disso, mantenho sempre aberta uma janela para a esperança—e não
desisto de lutar a favor de uma sociedade mais igualitária e fraterna. Estou,
como a maioria dos meus amigos poetas e escritores, absolutamente horrorizado
com o baixo nível dessa “jente” que
está aí dando as cartas e comandando o país. Mas temos e mantemos um
compromisso de luta e resistência: tudo isso haverá de passar e, se Deus
quiser, nós passarinhos!!!
Artur
Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e
jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele
traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Rubens Jardim - Infelizmente,
minha tribo - que não é indígena - foi sendo dizimada. Do grupo da Catequese Poética já foram embora daqui
por morte Lindolf Bell, Iracy Gentile, Luiz Carlos Mattos, Erico Max Muller,
Iosito Aguiar, Reni Cardoso. Dos que ainda estão vivos, quase todos dedicam-se
a outras atividades.
Sou
o único a insistir nessa batalha que já me consumiu mais de 50 anos de
convivência com poetas de várias gerações e em vários lugares do Brasil.
Costumo dizer que continuo fazendo Catequese
Poética –mas desde o advento da internet, fazendo também catequese poética
eletrônica. E o testemunho mais legítimo de que estou pairando fora de qualquer
tribo veio de um livro-surpresa feito em minha homenagem pela Editora Patuá, ano passado. Participaram
mais de 70 poetas de gerações diversas e de diferentes regiões do Brasil.
A
maioria estava presente na Patuscada
em festa programada para festejar todos os poetas homenageados pelo Gente de Palavra Paulistano. Só que na
hora h esses amigos queridos me aprontaram o prêmio mais lindo da minha vida:
esse livro-homenagem. A surpresa e a emoção foi gigantesca e eu chorei soluçado
que nem criança durante bom tempo.
Artur
Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de
poesia?
Rubens Jardim - Otávio Paz,
poeta mexicano premiado com o Nobel ,em 1990, escreveu que o
“poeta moderno não
tem lugar na sociedade porque, efetivamente, não é ninguém. E isto não é uma
metáfora: a poesia não existe para a burguesia nem para as massas
contemporâneas”.
Portanto,
ser um militante da poesia é combater esse quadro contribuindo para alterá-lo
nem que seja quase que imperceptivelmente.
Artur
Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Rubens Jadim - Como terminará a luta entre Bolsonaro e Moro?
Resposta - Não tenho a resposta,
mas estou feliz com essa briga. Espero que as pessoas percebam que nenhum dos
dois é flor que se cheire...
FulinaímaMultiProjetos
portalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268
- whatsapp
Entrevista deliciosa com esse cara formidável: Rubens Jardim. Pena que não soube nem fui convidado pra merecida homenagem a você, meu amigo. A sua humanidade poética vem da sua simplicidade, quase humilde, totalmente perceptível em sua poesia e nessa entrevista. Você é grande! Abraços fraternos
ResponderExcluir