Ele é um verdadeiro caboclo amazônico, índio de alguma tribo
Macapá. Poeta que não satisfeito apenas com a poética na palavra, se embrenha
nos meandros da poesia sonora para nos mostrar um pouco mais da sua inquietude
filosófica. Nos conhecemos primeiramente, através do face, depois vieram os
encontro no Congresso Brasileiro de Poesia, em Bento Gonçalves-RS, e em alguns
deles escapadas, para noitadas de churrasco no galpão Gaúcho do Pedro Junior
Fontoura. Alguns encontros também em Cabo Frio promovidos por Jiddu Saldanha.
No último deles fiz este registro em vídeo e quem quiser conferir é só clicar
no link. https://www.youtube.com/watch?v=TtmFucOymkk&t=25s
Herbert
Emanuel - 57 anos, é amapaense, poeta e professor de filosofia, com
vários livros de poemas publicados, com traduções para o castelhano e catalão.
Apresenta-se também como poeta performático, com poesia sonora, em vários
encontros de literatura e poesia por este Brasil afora. É integrante do
Tatamirô Grupo de Poesia e do Pium Filmes - Movimento do Cinema Possível em
Macapá.
Artur
Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Herbert
Emanuel - Meu processo de criação poética é altamente transpirado. Meus
poemas quando os crio passam necessariamente por uma quarentena forçada (como
esta que estamos passando agora). Se
resistirem sãos, se não sucumbirem às repetidas leituras, eles passam a ser
poemas possíveis de serem publicados. Sempre tive uma preocupação
ético-estética com a linguagem, que aprendi com um dos meus mestres queridos, o
poeta Mário Faustino. Não desejo, de
modo algum, inflacionar o mercado da má-poesia. Todo poeta que se preze tem de
ter essa responsa.
Artur
Gomes - Seu poema preferido?
Herbert
Emanuel - Meu? ou de outros poetas? Se for meu,
não tenho um
preferido. Tenho um que gosto no momento, pois define um pouco o que penso da
poesia e do poeta, que está no meu livro ainda inédito “Pele de Papel”. Cito-o aqui:
a
pele que habito
despe-se
das outras que já tive
ofídico
ofício
trocar
de pele
carece
a todo poeta
que
se preze
senão
perece
cobra
sobre a própria cova
De outro poeta, o “Pulso
das Palavras”, de Maiakóvski, é um dos meus preferidos. E pelas mesmas
razões acima. Cito-o também aqui:
Sei o pulso das palavras a sirene das palavras
Não as que se aplaudem do alto dos teatros
Mas as que arrancam caixões da treva
e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro
Às vezes as relegam inauditas inéditas
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia
Sei o pulso das palavras parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios alma carcaça
Sei o pulso das palavras a sirene das palavras
Não as que se aplaudem do alto dos teatros
Mas as que arrancam caixões da treva
e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro
Às vezes as relegam inauditas inéditas
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia
Sei o pulso das palavras parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios alma carcaça
Artur
Gomes - Qual o seu poeta
de cabeceira?
Herbert
Emanuel - Não tenho um único. Minha cabeceira é ampla, posso citar
alguns: Mário Faustino, Fernando Pessoa, Orides Fontela, Stela do Patricínio,
Max Martins, Paul Celan, Mallarmé, Maiakósvisk,entre outros.
Artur
Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque,
algo que o impulsione para escrever?
Herbert
Emanuel - Minha pedra de
toque é sempre o espanto, a perplexidade provocada interior a mim mesmo ou
exteriormente: um acontecimento, um fato político, social, uma paisagem, uma
flor, um pássaro ou uma pedra que surjam inesperadamente no meu caminho, um
aroma, um sonho repentino, um amor que começa ou acaba.... Poemas são
espantografias da linguagem.
Artur
Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Herbert
Emanuel - Não tenho um livro
que considero definitivo. Mas tenho muito apreço pelo meu primeiro livro “Nada ou Quase Uma Arte”, com
apresentação, inclusive, do poeta gaúcho Carlos
Nejar. Acho este livro muito bem estruturado, firme no seu propósito de habitar
poeticamente a linguagem, apesar de ter sido o primeiro. Há um outro livro que
gosto muito, foi feito em parceria o querido amigo poeta, mímico, artista
visual curitibano Jiddu Saldanha, um
livro de haicais intitulado “Do
Crepúsculo ao Outro Dia”. É um livro, como disse o poeta
Carlos Nejar, que escreveu o
prefácio, que dança.
Artur
Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra
forma de linguagem com poesia?
Herbert
Emanuel - Sim. Tenho me dedicado aos poemas-canções e à poesia
sonora. Em relação à poesia sonora,
resolvi dedicar-me há pouco tempo. Decidi, depois dos 50 (risos) tornar-me um
poeta performático, amplificando, sonorizando o poema, usando, além da própria
voz, as chamadas plataformas sonoras
secundárias: samples, processadores vocais, sintetizadores, etc.. Tenho me
divertido muito fazendo isto, principalmente com o Tatamirô Grupo de Poesia, do qual faço parte, e com a minha
parceira de arte e vida Adriana Abreu,
que é declamadora, atriz e diretora do Grupo.
Ano passado, circulamos com o poema sonoro
“PALAVR(ARMA)DURA” por 11 estados do Brasil, do norte ao sul, por dois projetos
do Sesc – o Amazônia das Artes e o Arte da Palavra. Foi uma experiência muita
rica, belos e bons encontros de poesia sonora.
Artur
Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do
caminho?
Herbert
Emanuel -Não escrevi um poema, mas vários. Meu livro RES foi escrito depois de um longo
tempo assombrado pela pedra da impossibilidade de escrever novamente alguma
coisa que se aproveitasse, que valesse a pena ser escrito. O receio de que a
fonte tivesse secado para sempre. Aí escrevi RES e ele me livrou da pedra naquele momento.
Artur
Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise
virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Herbert
Emanuel - Se não mudarmos radicalmente nossa maneira de viver neste
mundo, se não reinventarmos outros modos de existência – não patriarcal-
falocrático-especicista- eurocêntrico-neocolonial-necroliberal-capitalista
-, todos passaremos e não haverá nem passarinhos
pra cantar a história humana e não-humana deste belo planeta chamado Terra.
Artur
Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e
jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele
traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Herbert
Emanuel - Sou um mundano, do mundo, pertenço a tribos nômades, dos
confins do Amapá, da Amazônia aos topos da África. Mas um poema meu talvez
responda melhor à tua pergunta:
de algum lugar
tudo
a partir de um apelo vermelho do corpo
e
a necessidade de passar o tempo fora dos trilhos
ouvir
mais e falar menos
é
o que os meus olhos me pedem agora
uma
canção anterior a tudo convém
águas
calmas, mas também flash
de
ruídos em minhas pálpebras
o
branco silêncio das planícies
mas
também as densas entranhas
desta
floresta de vozes
triunfos
da alegria, mas também
palavra
derrotada, línguas em ruínas
o
que digo vem da terra
o
que repito vem do mar
uma
voz anterior à palavra me saúda
eu
sou quem sou, animal, nu
com
ossos, sons e membranas
meu
corpo imerso em argila
é
fogo, é água vermelha
é
barro deste rio que abandono
mas
que insiste em permanecer comigo
à
deriva, dentro e acima de mim,
até
onde vou
até
onde sou
Artur
Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de
poesia?
Herbert
Emanuel - Penso que outro poema
meu também responda à tua pergunta:
mira
bem
no
centro
e dispara
e dispara
a
bala
da
palavra
o
som
que
reverbera
dentro
sangue
espesso
na
página
Vivemos tempos sombrios. A poesia tem de se tornar uma voz,
um clamor para o incêndio e a insurreição, com alegria e cólera ao mesmo tempo.
Fulinaíma MultiProjetos
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