sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Dinovaldo Gilioli - EntreVista

 

Intervenção poética 
no Museu de Londrina/PR.

Conheci Dinovaldo Gilioli lá pelo idos dos anos de 1980, fez parte de um seleto  grupo de amigos poetas, que de alguma forma foram os responsáveis pela difusão da Mostra Visual de Poesia Brasileira, entre eles: Uilcon Pereira, Hygia Calmon Ferreira, Gabriel de La Puente, Ronaldo Werneck, Joaquim Branco, Cesar Augusto Carvalho, Dalila Teles Veras, Luis Avelima, Celso de Alencar, Hugo Pontes, Moacy Cirne, Aricy Curvello, Leila Miccolis, Ziul Zerip, Tanussi Cardoso, Ricardo Pereira Lima, Zhô Bertholini, Rubervam Du Nascimento  e Paulo Brusky. Hygia Ferreira o chamava carinhosamente de Dino.

Nosso meio de comunicação era os CORREIOS e a correspondência se dava além das cartas, através de cartões postais, envelopoemas, arte posta e cadernos de poesia, muitos deles produzidos através de colagens impressas em xerox ou em serigrafia. Dino me leva a um momento emblemático da minha produção poética, que além da virada do olhar para a poesia social, foi um tempo em que todos nós poetas, naquele momento estávamos buscando outras plataformas para a divulgação de poesia, nossa ou de poetas mergulhados nos mesmos objetivos.  

 


Dinovaldo Gilioli, natural de Leópolis/PR, 1957, morou em Curitiba e reside atualmente em Florianópolis/SC. É formado em Ciências Contábeis, com especialização em Realidade Brasileira e pós graduação em Dinâmica dos Grupos. Na diretoria de cultura do Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis – Sinergia e como ativista cultural coordenou concursos de conto e poesia promovidos pelo Sinergia, e várias atividades nas áreas de dança, teatro e música. 

Foi um dos vencedores do 5º concurso de poesia Helena Kolody no Paraná e de outros concursos literários em diversos estados, com a inclusão de seus poemas em mais de 20 antologias. Publicou sete livros: Fragmentos (edição do autor, 1982/85), Hálito de Água (Fundação Cultural de Curitiba,1989), Borboletas no Varal e Canção para Acordar Peixes (Editora Letras Contemporâneas, 1996/97), Sindicato e Cultura (Sinergia/Editora Insular, 2007), Cem poemas (Editora da UFSC, 2008) e Inventário de Auroras (Editora Costelas Felinas, 2018/19).

Possui artigos e crônicas em jornais e revistas do Brasil, principalmente alternativos. Foi editor da revista Pantanal, publicada pela Elase, divulgando trabalhos de poetas e contistas de todo país. Realizou com os artistas plásticos Carlos Alberto Schneider e Marcelo Pagliarim as exposições Arte e Poesia e O Silêncio Arde, respectivamente; expondo em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e no Paraná.

 Artur   Gomes  -  Como se processa o seu estado de poesia?

Dinovaldo Gilioli - Escrevo muito pela observação ao meu redor, o que acontece no mundo é matéria para o poema. Meu estado de poesia também se exacerba das leituras, da prática da escrita, do exercício permanente, do aprendizado constante ao beber das mais variadas fontes.

Artur   Gomes  -  Seu   poema preferido?

Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

 Dinovaldo Gilioli  - Tenho vários preferidos, mas ficarei num só pra não alongar.

 RAIZ

 cansei de flores e caules

         folhas e galhos

         frutas e cascas

              - eu quis -

 

                  agora

                  quero

                    raiz

                   (e ad

                jacências)

 o sumo da seiva da essência

 Eduardo Sterzi (do livro "na virada do século", organização de Claudio Daniel e Frederico Barbosa, Landy Editora, 2002.

Artur   Gomes  - Qual o seu poeta de cabeceira?

Dinovaldo Gilioli  - Não tenho poeta de cabeceira, têm poemas que dá vontade de ficar com eles na casa inteira e andar por aí a tiracolo.

 XII

 Te quero aberta florindo

Rindo todos os risos

Chorando todas as mágoas,

Te quero em azul e malva,

Corrente de areia e água

Te quero assim,

Vinda num manto liso

Nascendo de todos os risos

Morrendo dentro de mim.

 

Leila Echaime

 

 Poema

 Toda a carne

eu te dedico.

 

A do corpo

a que como.

 

Todas dedico

meu amor

à tua fome.

 

Renata Pallottini

 

 Ofício

 Que o poema

fale por si.

 

Que os poemas

deem a si mesmos

algum significado.

 

Que os poemas nos

deixem dormir

cada um prum lado.

 

Que os poemas nos

cobrem menos,

andamos tão atarefados.

 

Que não exijam demasiado,

que tenham em si a leveza

daquele dia em que eu sorria.

 

Por que poemas?

volta e meia me perguntam.

 

(Eu me faço essa pergunta todo dia).

 Marcelo Labes

 Artur  Gomes  -  Em seu  instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Dinovaldo Gilioli - Não! Tudo ao meu redor ou distante, pode ser até uma faísca, é uma pista para o poema. Mantenho meu olhar atento na vida, em seus movimentos, em suas idas e vindas. O terreno fértil pode estar também nas leituras, na conversa mole, ou num papo sério ou até nos impropérios. Às vezes o poema vem cheio de mistérios, cheio de firulas; noutras se entrega por inteiro, feito um amor derradeiro. Escrever é uma forma de exorcizar silêncios!

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?


  - Dos meus, nenhum. De outros, bebo sempre. Uma obra que me toca é o "Livro dos Abraços", de Eduardo Galeano. No entanto, a palavra está posta a mesa, dela me sacio com a fome de um leitor curioso, de um escritor consciente que pouco sabe, que muito precisa aprender e estar desprendido do seu umbigo.

 Artur Gomes  - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Dinovaldo Gilioli  - Dois projetos: Arte e poesia em movimento e O silêncio arde, com os artistas plásticos Carlos Alberto Schneider e Marcelo Pagliarim; respectivamente. Junção da arte plástica com a poesia num mesmo espaço. Essas exposições de quadros, instalações e objetos circularam por Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. No RS, na cidade de Nova Prata, a exposição "arte e poesia..." participou da abertura de uma das edições do Congresso Brasileiro de Poesia, idealizado pelo jornalista e escritor Ademir Antonio Bacca.

Tenho alguns escritos que também podem ser considerados o que se convencionou chamar de prosa poética. Fiz (faço) intervenções com a poesia, como a "exposichão", numa das edições do Belô Poético, em Belo Horizonte/MG, organizado pelos escritores Rogério Salgado e Virgilene Araújo.

 Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

 Dinovaldo Gilioli  - Vários. O mais recente, foi quando o Brasil atingiu o vergonhoso marco de 100 mil mortes pela covid-19 (pandemia do coronavírus).

 

 Aos que ficam

 

o corpo está inerte

não se pode tocá-lo

 

um corpo que parte

parte os que ficam

 

sem um adeus de perto

sem um último olhar

sem um abraçar

 

vai o corpo levado

pelas mãos pesadas

da morte

 

fica entre nós

o melhor do corpo

aquilo que não acaba

 

fica o que tem sentido

o que encharca a vida

 

vai o corpo

        fica a alma

                na parede

                   da memória

 Artur   Gomes -  Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Dinovaldo Gilioli  - Espero que passem todos os fascistas, os fundamentalistas, os cínicos moralistas, os fanáticos de todas as espécies. Que possamos vislumbrar uma luz, hoje esfumaçada por tanta mentira deslavada. Espero que passem os chamados "homens de bem", esses que não passam; isso sim, de bem hipócrita! Que passarinhe a democracia,  com justiça social e não só o direito de falar, de se expressar. O de ter comida pra comer, de ter casa pra morar, de ter terra pra plantar (não pra especular), de ter; enfim, vida digna pra todos e todas!

 Artur   Gomes  -   Escrevendo  sobre   o  livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Dinovaldo Gilioli  - Não pertenço a nenhuma tribo, no que se refere a alguma escola literária, a algum estilo de escrita, algum grupo. Aliás, por falar em tribo, uma referência especial e, mais do que isso, gratidão a todos os indígenas, cuidadores e cuidadoras do planeta terra, da natureza. Claro que entendo a fala do Ademir Assunção.

Partimos de algum território, de algum lugar já caminhado. Por ele seguimos, desviamos, pegamos atalhos, refazemos, mas sem deixar de reconhecer o que aprendemos com os que passaram, com os que estão aqui.

Caramba são tantos, tantas referências e vou ficar só no Brasil; um celeiro de escritores e artistas de primeira: Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Paulo Leminski, Cruz e Sousa, Mário Quintana, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, José Paulo Paes, dentre outros.

Da safra contemporânea: Mano Melo, Tanussi Cardoso, Marceli Becker, Leila Míccolis, Marco Vasques, Alice Ruiz, Artur Gomes, Lindolf Bell, Astrid Cabral, Iacyr Anderson Freitas, Eliakin Rufino...

Artur Gomes  - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Dinovaldo Gilioli - É não se deixar alienar, não se encapsular no ego, na soberba do título de escritor, poeta. É se posicionar sempre em defesa da vida, da liberdade. É se relacionar, partilhar a palavra poética. Se completar no outro, na outra, na perspectiva do nós, de desatar os nós que aprisionam os indivíduos. É exercitar a escrita na perspectiva do estímulo do senso crítico, da criatividade, do despertar para a sensibilidade. O ato de escrever deve contribuir para elevar a vida a sua condição mais humana. Que a vida criativa suplante o sufoco da vil sobrevivência, que preencha o oco do acúmulo de coisas imprestáveis para o anúncio da aurora.

Artur   Gomes  -  Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

 Dinovaldo Gilioli - Nenhuma. Agradeço a oportunidade e finalizo:

 

  escrevo com a

      palavra gasta

      e não gasto o

  gosto de escrever

 

Fulinaíma MultiProjetos

portalfulinaima@gmail.com

(22)99815-1268 – whatsapp

www.goytacity.blogspot.com

EntreVistas

www.arturgumes.blogspot.com

8 comentários:

  1. Susto gostoso esse reencontro com a palavra e a poética do Dinovaldo Gilioli. Uma satisfação enorme tê-lo entre os poetas com quem trocava cartas escritas na minha olivete (ele escrevia às vezes à mão, eu tbm) e rotineira troca de livros. Tenho em lugar especial da minha biblioteca os livros q me enviou, muitos dos quais ilustra essa bela entrevista. Trouxe-os comigo da distanter-e-sina, de onde nos correspondíamos. Estão comigo agora em São Paulo. Abraços

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Rubervam Du Nascimento, que belezura de reencontro guiado pelas mãos da poesia. Bom saber de você e dos tempos do aerograma, dos nossos manuscritos. Fraterno abraço!

      Excluir
  2. Parabéns! Excelente currículo e obras! Sucesso crescente, sempre! Abraços.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Grato pela leitura, Beth. A partilha da palavra poética ajuda na aproximação dos seres humanos, além de avivar a alma para os sonhos. Fraterno abraço!

      Excluir
  3. DINOVALDO sempre foi um excelente poeta, muito coerente com o seu olhar o mundo e os homens, inscritos em sua poesia, lírica, generosa, solidária e libertária. Uma poesia com a voz do seu tempo. Parabéns pela bela entrevista, e muito honrado pela citação ao meu nome, junto a tão ótimos poetas. Grande abraço

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tanussi, sempre generoso com os seus pares. Taí uma referência para o meu trabalho. Um poeta que nos encharca a alma com os seus escritos e nos incita a pensar criticamente. Um poeta que nos inquieta. Fraterno abraço!

      Excluir
  4. Uma honra ter vc na minha lista do face e do whats, Dino. Só tenho a agradecer pelo muito que tenho a aprender. Excelente currículo, excelente entrevista.
    Parabéns a vc e ao Artur.

    ResponderExcluir
  5. Sigamos Lou, encharcando sonhos. Os dias andam áridos demais! Que a palavra poética continue ajudando na aproximação, na partilha dos seres humanos, ainda que de forma virtual. Grato pelo generoso retorno. Abraços!

    ResponderExcluir

cidade veracidade

onde tudo é carnaval minha madrinha se chamava cecília nunca soube onde minha mãe a conheceu por muitos anos morou na rua sacramento ao la...