Meu contato com o Carvalho Junior no face começa em 2017, imediatamente descobri ser ele também um admirador de Macunaíma. Aos poucos fui tomando pé da sua poesia, forte, densa e podemos até dizer Absurda, “cipoadas entre as folhagens da malícia” como ele mesmo acrescenta ao título do seu livro O Homem-tijubina – Editora Patuá 2019. Já afirmei e volto a repetir meu amor, esse projeto EntreVistas tem me oferecido a oportunidade de conhecer um pouco mais fundo essa nação imensa de poetas brasileiros.
Carvalho Junior - Ao caminhar insatisfeito com o estado de mesmice que tenta o tempo inteiro nos lançar dentro de uma arapuca, sou logo projetado para o que se poderia chamar de estado de poesia. Eu não saberia viver fora dele, pois não conseguiria respirar sem esse movimento contínuo de cismas. Penso, quase que obsessivamente, em poesia, na linha de um verso voando sobre e além da página. Como naquele verso de W. H. Auden, sinto o verso como “uma doença especial do ouvido”. Digo, em um poema do meu novo livro, a ser oportunamente publicado, que “ouvido é quintal”. Assim sendo, o meu caminho se elabora nessa rede de assuntamentos (ou de assustamentos). (risos)
Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Carvalho Junior - São muitos(as) os(as) poetas com os(as) quais convivemos. Há os(as) que nos marcam em fases diferentes da vida. Quintana e Leminski foram dois figuraças que estudei e gosto muito. Vou citar dois nomes que, hoje, me entortam para valer e fico em êxtase ao lê-los, em meio a tantos outros: Szimborska e Murilo Mendes.
Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Carvalho Junior - O que me faz escrever é essa necessidade relatada de caminhar refletindo sobre o caminho. O parto de um poema, que é um outro corpo meu, é sempre um mistério, não se submete a um ritual, a uma fórmula ou receituário. Eu faço muitas anotações de ideias e em algum momento burilo, uso a faca do açougue do meu pai para cortar a carne do texto e a máquina de costura da minha mãe para cingir a ferida do verso.
Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Carvalho Junior - Se eu puder já falar em obra, depois de alguns livros publicados, digo que ela está em construção. Dos meus livros publicados, os dois últimos são os que mais gosto do resultado. Com no “No alto da ladeira de pedra” (2017) e “O homem-tijubina & outras cipoadas entre as folhagens da malícia” (2019), conforme algumas avaliações críticas, há uma virada ascendente na minha escrita. Estou trabalhando arduamente em um projeto novo.
Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Carvalho Junior - Venho experimentando e tentando melhorar nas leituras/performances dos meus textos e de outros escritores. Um diálogo com a música, com a atuação, na busca de uma pulsação do poema além da página de livro.
Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?
Carvalho Junior - A grande maioria deles têm alguma ligação umbilical com as pedras, os espinhos e as adversidades. Os poemas latejam debaixo da pele e têm, geralmente, a explosão do carnegão de seu furúnculo pela potência da dor. Há um dístico que o escrevi dentro dos olhos, com a alma toda dolorida.
Diz o texto:
“lágrima é eufemismo da dor,/ caco de vidro é chorar para dentro.”.
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Carvalho Junior - A crise em que estamos imersos é tão complexa que é muito difícil fazer qualquer previsão. O negacionismo, o relativismo geral, a burrice e o preconceito institucionalizados pelo necrogoverno bolsonarista... é tudo muito triste, representa mais do que passos para trás, pois os passos que estão sendo dados no país, atualmente, rumam para um turvo poço. Tenho esperança de dias mais claros, em que as janelas se abram para a luz do conhecimento e da cultura nas suas mais várias manifestações. Que as feiuras das forças antipoéticas não avancem e o afeto voe alto como um condor.
Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Carvalho Junior - Sou filho do Maranhão, carrego as marcas de um chão que possui rica tradição literária e o segredo da palavra tem uma continuidade. Agrada-me essa ideia de família, é uma perspectiva interessante. Se puder me dizer de uma família, sou do mesmo ramo de Antonio Aílton, de Luiza Cantanhêde, de Neurivan Sousa, de Déo Silva, de José Chagas, de Lucy Teixeira... seja pela origem ou por certo jogo de afinidades literárias. No entanto, a tribo vai muito além de uma dúzia de nomes.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Carvalho Junior - A militância que me empolga é a que atua em favor de uma democratização da leitura. Não sou de nenhuma forma avesso à realização de saraus, de rodas de debates e leituras em praças públicas, de eventos que façam ecoar as sementes da palavra. Sou conhecido no meu estado tanto pela produção literária como por certo ativismo que busca agregar, construir pontes entre escritores das mais variadas origens. Como costumo brincar, o poeta camelô é o que me emociona verdadeiramente. Por outro lado, o poeta bibelô me dá uma preguiça. (risos)
Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Carvalho Junior - Se eu acredito na inspiração ou na transpiração, no verso medido ou no verso desmedido... ?
(risos) Pura provocação. A entrevista foi ótima. Um grande abraço de poesia e afetividade deste vosso amigo.
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