em que em Bento Gonçalves
não havia nostalgia
embriagávamos de vinho
e respirávamos
poesia
quando tenso
o poema penso
fio suspenso no
AR
quando teso
o poema preso
peixe surpreso no
MAR
tempo poético
o tempo
é o senhor
dos meus ponteiros de músculos
relógio oculto no in consciente
o tempo
nos olhos daquela viagem
a paisagem
caminho das pedras
o cenário
vale dos vinhedos
o tempo
guarda em segredo
como uma jura secreta
na íris dos olhos dela
na face da noite
na retidão clara do dia
como uma concha na areia
o tempo
mar de espumas
sargaço algas noturnas
a carne do corpo também
o vinho do tempo na boca
e a língua dizendo amém
*
re-invento a palavra cláudia
na lavra que ela mais gosta
pode ser que seja vento
jogo brisa tempestade
dama de espade fogo
re-invento a palavra lobo
muito mais que liberdade
amor desejo saudade
onde quer que lá esteja
a palavra que deseja
onde eu mais possa criar
re-invento a palavra pedra
xangô oxum na mesma água
se alimentando das algas
que re-inventamos no mar
o lugar da memória
ou metalírica antropofágica
em são pedro de alcântara
não foi apenas um nome
entre os casarões coloniais
do século dezenove
moveram o pulso no impulso
na sala do bistrô
ela me mata a fome
feijão tropeiro no prato
no prato feijão tropeiro
a língua no espírito santo
experimenta a pimenta
pimenta do espírito santo
na língua um novo tempero
mágica metáfora fábula primeira
no pavio da lamparina
faíscas claras da gema
entre os pelos daquela menina
no fogo meta poema
vai queimar a carne inteira
um goytacá em curitba
atravesso
esta cidade
transversais e paralelas
bicho avesso
sigo em frente
quero uma cerveja
em qualquer bar
daqui a pouco
um bife sujo
pode ser boca maldita
na rua 24 horas
comer um quibe
um grão de bico
eu sei que fico zhôo
eu sei que fico zen
eu sei que nada fico
mesmo ao lado tudo down
mesmo assim não desespero
toco na língua um rock and roll
só fico mesmo quando quero
obs.: poema escrito em 2005 durante uma temporada que passei na casa do Helio Letes.
Artur Gomes
bandeira nacional
com palavras
sons
navalhas
imagens
versos
inauguro o monumento
no planalto central
araçá azul
domingo no parque
vapor barato
mal secreto
pérola negra
construção
cabeça
poema concreto
arte
poesia
teatro
cinema
pós poema
terra em transe
tropicália
grande sertão
veredas
vidas secas
memórias do cárcere
parangolés
hélio oiticica
artur bispo do rosário
bacurau
seja herói seja marginal
exu cabra da peste oxente
hoje acordei
com uma vontade da porra
de trepar na goiabeira
talvez assim quem sabe
ela me chame de jesus
e tire ele da cruz
ou quem sabe bacurau
para acabar com os karkamanos
ou quem sabe bakuri
ou talvez até quem sabe
ela me chame
de exu cabra da peste
um punk alucinado
do nordeste coreano
Pastor de Andrade
"a primavera"
eu
a de coração delicado
venho vos anunciar
a primavera:
ela chega com cheiros
cores, flores, amores
tecidos vastos e variados
encantamentos e canções
poesia no calor do vento
muitas frutas e frutos
raízes e essência
de um trabalho bem realizado
a primavera
é a mãe do Amor
Cristiane Grando
“O Facebook me trouxe de volta essa análise de João Batista
de Brito sobre o meu poema e novamente me emocionei.”
Lau Siqueira
viver é delicado
argumento de samba
sentimento de fado
Poetas se alimentam de pequenas grandes alegrias.
-
LENDO LAU
Adoro poemas curtos. Um dos que gosto muito é este do Lau
Siqueira, que diz tanto com tão poucas palavras. Com apenas três versos,
conceitua a vida, ou ao menos um dos seus impasses, e o faz de modo original,
ardiloso, irônico, cativante e até engraçado. Mas não tão simples assim.
Viver é delicado
Argumento de samba
Sentimento de fado
Propõe um impasse existencial, mas de um modo que não é tão
referencial como aparenta. Queiramos ou não, há, por trás de sua superfície, um
contexto abstrato inegável, ao menos para o leitor mais atento. Refiro-me
àquele princípio essencial em arte (qualquer arte, da pintura à poesia, da
música à arquitetura), o de que forma e conteúdo se equivaleriam e seriam
indistintos e inseparáveis. O que os teóricos chamam de linguagem motivada, em
detrimento do discurso arbitrário, por exemplo, da fala comum.
O que ocorre aqui? O eu lírico explica a perigosa delicadeza
do viver a partir de um contraste - e não de uma equivalência - entre forma e
conteúdo. Um contraste irresoluto. Como se a vida fosse uma obra artística
praticamente irrealizável. Na forma, a vida seria um enredo (argumento) de
escola de samba, como se sabe, sempre pra cima, alegre, apoteótico,
apologético... No conteúdo, porém, a emoção contida nesse enredo seria de
melancolia, nostalgia, tristeza, como soe acontecer nesse gênero musical chamado
fado.
Uma pitada a mais de ironia está na agradável sonoridade do
poema. Sinta como o esquema rimático o fecha como se fechasse uma caixinha de
surpresa: as rimas externas (em /ado/) amarrando o início ao fim, e as internas
(em /mento/) selando tudo. Ou seja, estruturalmente é tudo bonitinho, porém, o
resultado (conceitual) é, ainda bem, absurdo.
E tem mais. Como o termo usado não é “enredo”, e sim,
“argumento”, ninguém escapa de um intertexto óbvio que é o do cinema, uma vez
que este segundo termo é próprio da área cinematográfica, com o sentido de
resumo de um roteiro de filme, a ser ou não aprovado pela produção. Claro, isso
em nada modifica a tese do poema – ao contrário, a enriquece - que agora pode
ser formulada, digamos, assim: a vida é um filme com um argumento de final
feliz, e um conteúdo de tragédia.
Qual das duas leituras escolher? A da escola de samba ou a do
cinema? Como estamos lidando com poesia, nem uma nem outra isoladamente, mas
sim, as duas ao mesmo tempo. Em poesia, como se sabe, a recepção não é
produzida por conceitos, mas por efeitos, e o efeito poético – em si, único -
sempre advém de um impasse conceitual. Aqui, o impasse da vida também é o
impasse do poema.
Se porventura fôssemos teimosos e ainda andássemos atrás de
conceitos, seria o caso de se dizer que a vida é um filme-samba com a emoção
unhappy de um fado. Mas, deixemos os conceitos de lado, e leiamos – ou melhor,
sintamos – o efeito do poema. Efeito absurdo, assim como a vida o é.
Ao meio desse jogo semiótico, claro, o leitor é convidado a
somar o seu próprio contributo emocional. Como não? E aí vêm os devaneios sobre
os nossos projetos frustrados, sonhos que não vingaram, em suma, sambas que
viraram fados, filmes com finais traiçoeiros. Ou, a depender da linha tímica do
leitor, fados que deram em samba, happy ends que se sobrepuseram à tragédia. Ou
ainda, terceira opção, a que coincide com o textualmente proposto – o contraste
irresoluto, assim como contrastiva e irresoluta é a vida.
A propósito de brevidade textual, Lau Siqueira formula, em outro poema, a pergunta “Por que escrevo poemas curtos?” e responde: “eu ando em busca do silêncio”. Enquanto ele não chega lá, lucramos nós.
"Muito boa a Sextas Poéticas. O livro da Sexta do poeta Artur Gomes, também homenageado, é muito interessante, a começar pelo título, "Itabapoana Pedra Pássaro Poema", gostoso de se ler. Assim como "Cracatoa", que dedicou a Tanussi, e faz um trato com a palavra." ( Poeta SYLVIA GRABOIS)
CRACATOA
para Tanussi Cardoso
esse poema
é um trato com a palavra
sem existencialismo
cansei dos ismos pós concreto
cansei o tempo não é reto
esse poema
é um trato com a palavra
sem objeto direto ou indireto
substantivo abstrato
cansei o tempo é o batom
de Margareth em meu retrato
poemaa do livro indicado pela Sextas Poéticas dessa semana: ITABAPOANA PEDRA PÁSSARO POEMA: poesia alquimia bruxaria (Litteralux, 2025), contato do autor: fulinaima@gmail.com
DO RELATÓRIO DO AMOR
“Como todas as grandes criações do homem,
o amor é duplo:
é a suprema ventura e a desgraça suprema”.
Octavio Paz, em “A dupla chama – amor e erotismo”
o amor:
farol sem luz na estrada
voz enrugada de fantasma
sons de canções fatigadas
jogos de palavras surradas
o amor:
testamento que escreve a vida
para perpetuar o fim
tatuagem (ou sangramento)
a riscar no corpo o efêmero do sim
o amor:
a beleza da vida e da morte
feito a pérola dentro da ostra
a urgência da cura e do corte
feito ferida grudada na crosta
o amor:
a doce violência da sorte
do mel afogando a mosca
(Tanussi Cardoso, em O Tempo Sobre os Telhados (Abra Cultural, Islas Canarias, Espanha).
O que não escrevi, calou-me.
O que não fiz, partiu-me.
O que não senti, doeu-se.
O que não vivi, morreu-se.
O que adiei, adeus-se.
(Affonso Romano de Sant'Anna - 1937-2025)
"AGORA"
É hora
de amolar a foice
e cortar o pescoço do cão.
— Não deixar que ele rosne
nos quintais
da África.
É hora
de sair do gueto/eito
senzala
e vir para a sala
— nosso lugar é junto ao Sol.
ADÃO VENTURA
poema do livro A Cor da Pele
SONETO DO AMOR
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma…Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.
Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas…
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.
E em duas bocas uma língua…, – unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.
Depois… – abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada…
Deixa a Vida exprimir-se sem
disfarce!
José Régio
Arte: Roberto Ferri
por César Augusto de
Carvalho
Esse poema de Diego Mendes Sousa para mim é uma filosofia de vida. Está no livro A Borda do Mar De Rialta, recém lançado. O livro está dividido em duas seções: na primeira se enaltece a alegria do viver e, em especial, a do viver piauiense; já na segunda surgem os temas ligados à vida e morte, perdas e sofrimentos. Enfim, somos humanos!
TransPoÉticas
Coletânea de Poetas Vivos
mudança
com eu posso esconder
quando a tristeza é quem me vê
quando a própria vai além
e me leva de refém
de forma crua , uma mudança nua
com pessoas que eu não conheço
visões que eu não me lembro
cheiros que eu não conheço
listas que eu não fui membro
caminhos que eu não andei
corações que nunca amei
nostalgia que me deixa leve
por palavras vãs
que me trazem paz
do furacão que me desfaz
e que cresce, cresce e cresce
me corrói e me destrói
e me leva
cada vez mais para o centro
e eu não dou um passo
não faço um movimento
não grito por ajuda
não choro e nem pergunto
de quem foi a culpa
E mesmo ainda temendo e tremendo
do tremendo vazio
que se faz aqui dentro
procuro alívio nas brechas do sentimento
tentando controlar tudo o que ainda
dói
e como dói.
Yasmin Armaroli
Obs.: Yasmin é uma menina de 13 anos que conheci ontem na
minha noite dos 77 no Carioca Bar, é estudante do Colégio Estadual João Pessoa,
em Campos dos Goytacazes-RJ, deu tio Eduardo Armaroli e sua mãe Renata
Armaroli, sãos os proprietários do Carioca Bar, que fizeram questão que ela fosse ontem me conhecer. Com este
poema ela ganhou o Festival de Poesia do C. E. João Pessoas.
Artur Gomes
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