quinta-feira, 28 de agosto de 2025

TransPoÉticas - Coletânea de Poetas Vivos

me lembro de um tempo

em que em Bento Gonçalves

não havia nostalgia

embriagávamos de vinho

          e respirávamos poesia

 

quando tenso

o poema penso

fio suspenso no

AR

 

quando teso

o poema preso

peixe surpreso no

MAR

 

tempo poético

 

o tempo

é o senhor

dos meus ponteiros de músculos

relógio oculto no in consciente

 

o tempo

nos olhos daquela viagem

a paisagem

caminho das pedras

o cenário

vale dos vinhedos

 

 o tempo

guarda em segredo

como uma jura secreta

na íris dos olhos dela

na face da noite

na retidão clara do dia

como uma concha na areia

 

o tempo

mar de espumas

sargaço algas noturnas

a carne do corpo também

o vinho do tempo na boca

e a língua dizendo amém 

* 

                     re-invento a palavra cláudia

na lavra que ela mais gosta

pode ser que seja vento

jogo brisa tempestade

dama de espade fogo

 

re-invento a palavra lobo

muito mais que liberdade

amor desejo saudade

onde quer que lá esteja

a palavra que deseja

onde eu mais possa criar

 

re-invento a palavra pedra

xangô oxum na mesma água

se alimentando das algas

que re-inventamos no mar

 

o lugar da memória

ou metalírica antropofágica

 

em são pedro de alcântara

não foi apenas um nome

entre os casarões coloniais

do século dezenove

moveram  o pulso no impulso

 

na sala do bistrô

ela me mata a fome

feijão tropeiro no prato

no prato feijão tropeiro

a língua no espírito santo

experimenta a pimenta

pimenta do espírito santo

na língua um novo tempero

 

mágica metáfora fábula primeira

no pavio da lamparina

faíscas claras da gema

entre os pelos daquela menina

no fogo meta poema

vai queimar a carne inteira

 

um goytacá em curitba

 

atravesso

esta cidade

transversais e paralelas

bicho avesso

sigo em frente

 

quero uma cerveja

em qualquer bar

daqui a pouco

um bife sujo

pode ser boca  maldita

na rua 24 horas

 

comer um quibe

um grão de bico

eu sei que fico zhôo

eu sei que fico zen

eu sei que nada fico

 

mesmo ao lado tudo down

mesmo assim não desespero

toco na língua um rock and roll

só fico mesmo quando quero

 

obs.: poema escrito em 2005 durante uma temporada que passei na casa do Helio Letes. 


Artur Gomes 

bandeira nacional

 

com palavras

 sons

navalhas

imagens

versos

inauguro o monumento

no planalto central

 

araçá azul

domingo no parque

vapor barato

mal secreto

 

pérola negra

construção

cabeça

poema concreto

 

arte

poesia

teatro

cinema

pós poema

 

terra em transe

tropicália

grande sertão

veredas

vidas secas

memórias do cárcere

 

parangolés

hélio oiticica

artur bispo do rosário

bacurau

 

seja herói seja marginal

 

exu cabra da peste oxente

 

hoje acordei

com uma vontade da porra

de trepar na goiabeira

talvez assim quem sabe

ela me chame de jesus

e tire ele da cruz

 

ou quem sabe bacurau

para acabar com os karkamanos

ou quem sabe bakuri

 

ou talvez até quem sabe

ela me chame

de exu cabra da peste

um punk alucinado

do nordeste coreano

 

Pastor de Andrade 

"a primavera"

 

eu

a de coração delicado

venho vos anunciar

a primavera:

 

ela chega com cheiros

cores, flores, amores

tecidos vastos e variados

encantamentos e canções

poesia no calor do vento

 

muitas frutas e frutos

raízes e essência

de um trabalho bem realizado

 

a primavera

é a mãe do Amor

 

Cristiane Grando

“O Facebook me trouxe de volta essa análise de João Batista de Brito sobre o meu poema e novamente me emocionei.”

 

Lau Siqueira

 

viver é delicado

argumento de samba

sentimento de fado

 

Poetas se alimentam de pequenas grandes alegrias.

-

LENDO LAU

Adoro poemas curtos. Um dos que gosto muito é este do Lau Siqueira, que diz tanto com tão poucas palavras. Com apenas três versos, conceitua a vida, ou ao menos um dos seus impasses, e o faz de modo original, ardiloso, irônico, cativante e até engraçado. Mas não tão simples assim.


Viver é delicado

Argumento de samba

Sentimento de fado


Propõe um impasse existencial, mas de um modo que não é tão referencial como aparenta. Queiramos ou não, há, por trás de sua superfície, um contexto abstrato inegável, ao menos para o leitor mais atento. Refiro-me àquele princípio essencial em arte (qualquer arte, da pintura à poesia, da música à arquitetura), o de que forma e conteúdo se equivaleriam e seriam indistintos e inseparáveis. O que os teóricos chamam de linguagem motivada, em detrimento do discurso arbitrário, por exemplo, da fala comum.

O que ocorre aqui? O eu lírico explica a perigosa delicadeza do viver a partir de um contraste - e não de uma equivalência - entre forma e conteúdo. Um contraste irresoluto. Como se a vida fosse uma obra artística praticamente irrealizável. Na forma, a vida seria um enredo (argumento) de escola de samba, como se sabe, sempre pra cima, alegre, apoteótico, apologético... No conteúdo, porém, a emoção contida nesse enredo seria de melancolia, nostalgia, tristeza, como soe acontecer nesse gênero musical chamado fado.

Uma pitada a mais de ironia está na agradável sonoridade do poema. Sinta como o esquema rimático o fecha como se fechasse uma caixinha de surpresa: as rimas externas (em /ado/) amarrando o início ao fim, e as internas (em /mento/) selando tudo. Ou seja, estruturalmente é tudo bonitinho, porém, o resultado (conceitual) é, ainda bem, absurdo.

E tem mais. Como o termo usado não é “enredo”, e sim, “argumento”, ninguém escapa de um intertexto óbvio que é o do cinema, uma vez que este segundo termo é próprio da área cinematográfica, com o sentido de resumo de um roteiro de filme, a ser ou não aprovado pela produção. Claro, isso em nada modifica a tese do poema – ao contrário, a enriquece - que agora pode ser formulada, digamos, assim: a vida é um filme com um argumento de final feliz, e um conteúdo de tragédia.

Qual das duas leituras escolher? A da escola de samba ou a do cinema? Como estamos lidando com poesia, nem uma nem outra isoladamente, mas sim, as duas ao mesmo tempo. Em poesia, como se sabe, a recepção não é produzida por conceitos, mas por efeitos, e o efeito poético – em si, único - sempre advém de um impasse conceitual. Aqui, o impasse da vida também é o impasse do poema.

Se porventura fôssemos teimosos e ainda andássemos atrás de conceitos, seria o caso de se dizer que a vida é um filme-samba com a emoção unhappy de um fado. Mas, deixemos os conceitos de lado, e leiamos – ou melhor, sintamos – o efeito do poema. Efeito absurdo, assim como a vida o é.

Ao meio desse jogo semiótico, claro, o leitor é convidado a somar o seu próprio contributo emocional. Como não? E aí vêm os devaneios sobre os nossos projetos frustrados, sonhos que não vingaram, em suma, sambas que viraram fados, filmes com finais traiçoeiros. Ou, a depender da linha tímica do leitor, fados que deram em samba, happy ends que se sobrepuseram à tragédia. Ou ainda, terceira opção, a que coincide com o textualmente proposto – o contraste irresoluto, assim como contrastiva e irresoluta é a vida.

A propósito de brevidade textual, Lau Siqueira formula, em outro poema, a pergunta “Por que escrevo poemas curtos?” e responde: “eu ando em busca do silêncio”. Enquanto ele não chega lá, lucramos nós.

 

"Muito  boa a Sextas Poéticas. O livro da Sexta do poeta Artur Gomes, também homenageado, é  muito interessante,  a começar pelo título, "Itabapoana Pedra Pássaro Poema", gostoso de se ler. Assim como "Cracatoa",  que dedicou a Tanussi, e faz um trato com a palavra." ( Poeta SYLVIA GRABOIS)

CRACATOA

para Tanussi Cardoso

 

esse poema

é um trato com a palavra

sem existencialismo

cansei dos ismos pós concreto

cansei o tempo não é reto

esse poema

é um trato com a palavra

sem objeto direto ou indireto

substantivo abstrato

cansei o tempo é o batom

de Margareth em meu retrato

 

poemaa do livro indicado pela Sextas Poéticas dessa semana: ITABAPOANA PEDRA PÁSSARO POEMA: poesia alquimia bruxaria (Litteralux, 2025), contato do autor: fulinaima@gmail.com

DO RELATÓRIO DO AMOR

 

“Como todas as grandes criações do homem,

o amor é duplo:

é a suprema ventura e a desgraça suprema”.

Octavio Paz, em “A dupla chama – amor e erotismo”


o amor:

farol sem luz na estrada

voz enrugada de fantasma

 

sons de canções fatigadas

jogos de palavras surradas

 

o amor:

testamento que escreve a vida

para perpetuar o fim

 

tatuagem (ou sangramento)

a riscar no corpo o efêmero do sim

 

o amor:

a beleza da vida e da morte

feito a pérola dentro da ostra

 

a urgência da cura e do corte

feito ferida grudada na crosta

 

o amor:

a doce violência da sorte

do mel afogando a mosca

 

(Tanussi Cardoso, em O Tempo Sobre os Telhados (Abra Cultural, Islas Canarias, Espanha).

 O que não escrevi, calou-me.

O que não fiz, partiu-me.
O que não senti, doeu-se.
O que não vivi, morreu-se.
O que adiei, adeus-se.


(Affonso Romano de Sant'Anna -
1937-2025)

"AGORA"  

 

É hora

de amolar a foice

e cortar o pescoço do cão.

— Não deixar que ele rosne

nos quintais

da África.

É hora

de sair do gueto/eito

senzala

e vir para a sala

— nosso lugar é junto ao Sol.

 

ADÃO VENTURA

poema do livro A Cor da Pele

SONETO DO AMOR

 

Não me peças palavras, nem baladas,

Nem expressões, nem alma…Abre-me o seio,

Deixa cair as pálpebras pesadas,

E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,

Nossas línguas se busquem, desvairadas…

E que os meus flancos nus vibrem no enleio

Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua…, – unidos,

Nós trocaremos beijos e gemidos,

Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois… – abre os teus olhos, minha amada!

Enterra-os bem nos meus; não digas nada…

Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

 

José Régio

Arte: Roberto Ferri

por César Augusto de  Carvalho

Esse poema de Diego Mendes Sousa para mim é uma filosofia de vida. Está no livro A Borda do Mar De Rialta, recém lançado. O livro está dividido em duas seções: na primeira se enaltece a alegria do viver e, em especial, a do viver piauiense; já na segunda surgem os temas ligados à vida e morte, perdas e sofrimentos. Enfim, somos humanos!


               TransPoÉticas

       Coletânea de Poetas Vivos

 

mudança

 

com  eu posso esconder

quando a tristeza é quem me vê

quando a própria vai além

e me leva de refém

de forma crua , uma mudança nua

com pessoas que eu não conheço

visões que eu não me lembro

cheiros que eu não conheço

listas que eu não fui membro

caminhos que eu não andei

corações que nunca amei

nostalgia que me deixa leve

por palavras vãs

que me trazem paz

do furacão que me desfaz

e que cresce, cresce e cresce

me corrói e me destrói

e me leva

cada vez mais para o centro

e eu não dou um passo

não faço um movimento

não grito por ajuda

não choro e nem pergunto

de quem foi a culpa

E mesmo ainda temendo e tremendo

do tremendo vazio

que se faz aqui dentro

procuro alívio nas brechas do sentimento

tentando controlar tudo o que ainda

dói

e como dói.

 

Yasmin Armaroli

 

Obs.: Yasmin é uma menina de 13 anos que conheci ontem na minha noite dos 77 no Carioca Bar, é estudante do Colégio Estadual João Pessoa, em Campos dos Goytacazes-RJ, deu tio Eduardo Armaroli e sua mãe Renata Armaroli, sãos os proprietários do Carioca Bar, que fizeram questão  que ela fosse ontem me conhecer. Com este poema ela ganhou o Festival de Poesia do C. E. João Pessoas.

 

Artur Gomes

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Artur Gomes Fulinaimagens

https://fulinaimagens.blogspot.com/

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