Caminho da Paz vencedora do Festival de Música de São Fidélis-RJ - 1974
CAMINHO DA PAZ
(Artur Gomes/Paulo Ciranda)
lá por onde vim, o sol nasceu
e a sua luz, foi quem me aqueceu
lá a luz da noite era manhã
toda claridade era mente sã
as estrelas, as estrelas
deram bênção sobre mim
as estrelas, as estrelas
eram versos de onde vim
sim, quando criança, lá me perdeu
uma doce mão, lá me esqueceu
e hoje eu me encontro vendo crescer
assim eu me entendo, quando a escrever
as estrelas, as estrelas
são leituras que encontrei
navegantes criaturas
nos seus versos caminhei
e hoje sei que o poeta já escreveu
e sendo o poeta, nunca esqueceu
o amor de quem tanto é capaz
e eu sei do caminho que é minha paz
as estrelas, as estrelas
são leituras que guardei
e hoje mesmo, nas estrelas
e no amor me conquistei
Deusas de Marfim
Minha primeira parceria com Paulo Ciranda. Deusas de Marfim foi inspirada em Angélica, minha primeira sereia que conheci no acampamento em Guaxindiba no carnaval de 1974. Nosso namoro fugaz acontecia nos bosques e florestas próximos ao acampamento. Teve sua primeira publicação no Jornal do Comércio, que era editado por Edgard Coelho dos Santos, pai do nosso querido amigo Hélio de Freitas Coelho.
DEUSAS DE MARFIM
ruas e florestas
estrelas incendiárias
bosques e serestas
luas imaginárias
ruas e florestas
céus inavegáveis
bosques e serestas
vozes inconsoláveis
cegas que não olharam
surdas que não ouviram
umas que enxotaram
outras que consumiram
ruas e florestas...
ecos que se fecharam
egos que emudeceram
janelas que não se abriram
portas que se bateram
ruas e florestas...
ouvidos que não ouviram
olhos que escureceram
bocas que não amaram
do amor se esconderam
ruas e florestas...
Artur Gomes/Paulo Ciranda / 1974
(Nos encontramos na rua 21 de abril e você me deu um recorte de jornal com esse poema, melodiei e assim começamos nossa parceria...
Abraços - Ciranda)
Por Krishnamurti Góes dos Anjos
Poeta maldito é termo utilizado para referir poetas que constroem uma obra “rebelde” mesmo em face do que é aceito pela sociedade, considerada como meio alienante e que aprisiona os indivíduos nas suas normas e regras. Rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, geralmente, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída.
A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características dos poetas malditos. Filiam-se a essa tradição nomes (com as variantes óbvias de estilo e época) como os de Gregório de Mattos, Augusto dos Anjos, Paulo Leminski, Álvares de Azevedo, Jorge Mautner, Waly Salomão dentre outros, sem falar no trio mais conhecido mundialmente da “parafernália” poética: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
O ator, produtor, videomaker e agitador cultural que é Artur Gomes acaba de lançar “Juras secretas”, reunião de 100 poemas a maior parte deles sobejando a temática do amor visto na perspectiva de paixão avassaladora. Mas há também, aqui e ali a presença, sempre em perspectiva ousada e radical, de poemas que vão do doce e suave sentido do amor, ao cruel, do libidinoso, à poesia de cunho social sempre expressando indignação, desobediência e transgressão. Com efeito o homem é uma metralhadora giratória a espalhar e espelhar aquilo, que nos vai por dentro e que guardamos em “segredo” de estado. Com a palavra o poeta:
Jura de número 34
porque te amo / e amor não tem pele / nome ou sobrenome / não adianta chamar / que ele não vem / quando se quer / porque tem seus próprios códigos / e segredos/mas não tenha medo / pode sangrar pode doer / e ferir fundo / mas é a razão de estar no mundo / nem que seja por segundo / por um beijo mesmo breve / por que te amo / no sol no sal no mar na neve
Jura 63
não sei se escrevo tanto / não sei se escrevo tenso / um fio elétrico suspenso / com tanta coisa no Ar / não sei se olho em teu olho / para encontrar a entrada / da porta da tua casa / onde a palavra estiver / não sei se pinto um Van Gogh / ou escrevo um Baudelaire
Jura 69
há muito tempo / não morro mais aqui / minha cidade é desbotada / há muito perdeu o brilho / na minha voracidade o sol é claro / e a arte que preparo / é o tiro que disparo / é a arma que engatilho.
Jura 70
meto meus dedos cínicos / no teu corpo em fossa / proclamando o que ainda possa / vir a ser surpresa / porque meu amor não tem essa / de cumer na mesa / é caçador e caça mastigando na floresta / todo tesão que resta desta desta pátria indefesa / ponho meus dedos cínicos / sobre tuas costas / vou lambendo bostas / destas botas neo burguesas / porque meu amor não tem essa / de vir a ser surpresa / é língua suja e grossa / visceral ilesa / pra lamber tudo que possa / vomitar na mesa / e me livrar da míngua / desta língua portuguesa.
Com efeito, forçoso concordar com Tanussi Cardoso, em Posfácio ao livro, que a poesia de Artur Gomes é “uma poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de palavras”.
Artur Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
Leia mais em www.secretasjuras.blogspot.com
Graças
à Polícia Federal, vivemos uma semana incomum, dessas que mereceriam registro
em ata como patrimônio da vida pública. A sequência de revelações foi de tirar
o fôlego de mergulhador de águas profundas: Malafaia, afinal, encontrou a rola
que Boechat lhe prescrevera anos atrás; o sempre cortês Eduardo Bananinha
brindou o próprio pai com um educadíssimo VTNC, gesto que a crônica familiar há
de registrar como prova de afeto filial; e descobriu-se que Jair aplicou trinta
milhões de reais, de modo impecavelmente legal, em CDI nos últimos dois anos.
Não foi o bastante, pois a PF apurou que, além desse investimento limpíssimo,
ele recebeu quarenta e quatro milhões de reais em sua conta pessoal, quase
metade por PIX, enquanto Bananinha e Carluxo, mais industriosos, somaram oito
milhões em ganhos próprios. O filho chocolateiro ficou à margem dessa partilha.
Foi, porém, num acesso de fúria pueril, que Bananinha protagonizou o episódio
de maior densidade política. Ao ser acusado de sua imaturidade evidente, reagiu
com um zap-zap que fez tremer a moldura da foto oficial no salão da família:
“Você falaria isso do Temer?”
O Brasil, sempre disposto ao riso, amanheceu coberto de memes, de norte a sul,
sem perceber o essencial. O esperneio infantil não foi simples reflexo de
defesa, mas confissão. Como bom psicanalista de botequim, como todo
brasileiro-raiz, vejo aí um ato falho, daqueles em que a alma fala antes que o
dedo consiga digitar. Num átimo, Bananinha entregou que Michel Temer é o
símbolo, o ícone, a inspiração do projeto golpista. O nome escapou não por
descuido, mas porque estava ali, na superfície, pronto para emergir: Temer, o
homem a ser seguido, o guru supremo do golpe. O verdadeiro mito.
O que salta desse lapso babananeiro é cristalino: sem o golpe de 2016 não
haveria a tentativa de golpe de 2022 a 2025, sim, 2025. A tentativa não cessou;
prossegue altiva, incólume, avançando como se nada houvesse acontecido. Não se
trata de metáfora nem de paranoia conspiratória, mas de linha reta, sequência
lógica, fato incontornável.
Basta lembrar que, em 2023, o TRF-1 arquivou o processo das supostas “pedaladas
fiscais”, reconhecendo que pedalada alguma existiu. O álibi jurídico que serviu
de pretexto para derrubar Dilma Rousseff esfarelou-se por completo,
revelando-se encenação tosca, embora eficaz. O revólver que matou a democracia
foi identificado, periciado e reconhecido como verdadeiro, mas os dedos que
puxaram o gatilho seguem intactos, impunes, conspirando nas sombras do poder.
Golpe dado, Michel Temer foi o síndico perfeito da grande liquidação nacional.
Em menos de dois anos, executou com eficiência implacável todo o cardápio
exigido pela Faria Lima e, sobretudo, por Washington. Rasgou a legislação
trabalhista, golpeou as aposentadorias, esvaziou políticas públicas vitais como
o SUS e o Bolsa Família e, ainda mais, sequestrou o orçamento com o teto de
gastos, mecanismo de austeridade tão cruel quanto inútil, concebido para
asfixiar qualquer projeto de desenvolvimento.
Das mais profundas catacumbas do neoliberalismo entreguista, trouxe de volta
Pedro Parente para completar a obra, doar a Petrobrás, entregar o pré-sal e
atrelar o preço dos combustíveis brasileiros ao humor das bolsas internacionais
de petróleo. Parente, que no governo FHC já havia transferido ao capital
privado a parte mais rentável do setor elétrico, a distribuição, regressou com
louros, repetindo o método, exibindo o mesmo desprezo pelo interesse público e
o amor unilateral pelos interesses dos endinheirados.
Para os Estados Unidos, Temer entregou tudo o que estava na pauta e foi além,
trabalhando ativamente para encarcerar Lula, retardar a integração Sul-Sul e
destruir qualquer projeção autônoma do Brasil no continente, tratado em
Washington sem disfarces como “nosso quintal”. Se ainda não o é, Temer merece
ser celebrado em feriado nacional como o “Funcionário do Século dos EUA”.
Não por acaso, seus sócios políticos no exitoso golpe, os donos de partidos
Gilberto Kassab, Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto, os operadores Eduardo
Cunha e Arthur Lira e a ala fardada sempre disponível, embarcaram todos no
governo Bolsonaro. Surpreendentemente, ou talvez sem qualquer surpresa, são
exatamente os mesmos personagens centrais na tentativa de golpe comandada por
Bolsonaro. Também não podemos deixar de fora os financiadores, principalmente o
rentismo da Faria Lima e o ogronegócio; tampouco os sustentadores jurídicos
Brasil afora, ancorados em instâncias inferiores altamente fascisto-militantes.
Por sorte ou destino, o Supremo, que foi vacilante no golpe de 2016, tem sido
atualmente fiador e garantidor da democracia.
Bolsonaro é um serial criminal, dono de uma ficha policial tão vasta que
poderia preencher volumes encadernados. Há motivos de sobra para vê-lo atrás
das grades: crimes de genocídio na pandemia, corrupção miúda e repulsiva,
quarenta e quatro milhões de reais que brotaram em sua conta em apenas três anos,
além de uma coleção de imóveis comprados a dinheiro vivo. Mas, alvíssaras, será
preso apenas por tentativa de golpe.
Enquanto isso, os que de fato derrubaram um governo legítimo, mergulhando
milhões de brasileiros na miséria e saqueando o Estado em favor de interesses
estrangeiros, permanecem livres, elegantes, circulando com naturalidade por
coquetéis, lamentavelmente não-molotovs, entre Brasília e Miami.
Enquanto os agentes do golpe de 2016 não forem julgados e punidos, a democracia
brasileira continuará sendo um castelo de cartas à mercê do vento. Temer e seu
exército de conspiradores são o verdadeiro núcleo do problema. Bolsonaro não é
causa, mas consequência. Não é arquiteto, mas pedreiro de obra pronta. Sem
punir 2016, não haverá paz democrática.
Prender Bolsonaro sem tocar em Temer e seus cúmplices é como condenar o ladrão
de galinhas e condecorar o assaltante do Banco Central. É chamar de justiça o
que não passa de encenação, deixando o crime original intacto, pronto para ser
repetido.
No fim das contas, a frase de Bananinha vale mais do que qualquer relatório da
Polícia Federal: “Você falaria isso do Temer?”
Sim, Eduardo. Falaremos. E esperamos ser ouvidos. Falaremos até que o país
desperte e compreenda que, sem extirpar o golpe de 2016 e seus beneficiários,
nenhuma eleição, nenhum Lula, nenhum Xandão, nenhuma prisão, nenhum PIX
apreendido salvará a democracia.
Edward
Magro
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