sábado, 8 de agosto de 2020

Marcelo Atahualpa - EntreVistas

 

Conheci Marcelo Atahualpa em novembro de 2019, no XXI FestCampos de Poesia Falada, que foi realizado no Auditório do Liceu de Humanidade de Campos e ele foi o segundo colocado na categoria autor com a poesia A Meus Deuses Profanos. Tenho acompanhado suas crônicas pelo face, sobre suas vivências e reflexões sobre as condições em que vivemos nesse  brasil pandemônico.

Marcelo Atahualpa é poeta, dramaturgo, professor, ator e diretor teatral. Formou-se em Teoria Teatral pela Unirio em 2010. De 2011 a 2016 atuou como professor e coordenador do Curso Técnico de Artes Dramáticas da Escola Municipal de Artes Maria José Guedes – EMART, em Macaé. Em 2017 foi professor de teatro no Centro de Formação Artística de Rio das Ostras. Em 2018 participou do projeto “Terças Autorais” no espaço Utopias, em Macaé. Em 2019 criou o Encontro Poético Musical Energia, Energia, no Bar do Jorginho, projeto que continuou tocando em 2020 e que se encontra agora repaginado sendo transmitido online em virtude da pandemia do novo coronavírus.

    Em sua trajetória como autor ganhou diversos prêmios nos festivais macaenses de poesia (na primeira década desse século) e, mais recentemente, em 2019, ficou em segundo lugar no  ( FestCampos  De Poesia Falada) em Campos, com o poema “A meus deuses profanos”.

 Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

 Marcelo Atahualpa  - Creio que seja um estado de escuta. Mais do que de fala. Há um poema de Drummond que eu gosto muito é o “A Procura da Poesia”. Drummond diz: “Penetra surdamente no reino das palavras. /Lá estão os poemas que esperam ser escritos. / Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intacta.” E escrevo nesses momentos em que pareço momentaneamente surdo ao ruidoso mundo das coisas e pessoas, mas escuto ou percebo um algo que está para ser dito. 

 Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Marcelo Atahualpa  - Não sei dizer. Isso é algo que se move. 

 Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira? 

 Marcelo Atahualpa  - Minha cabeceira é movediça. Rs.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Marcelo Atahualpa  - Infelizmente as dores motivam mais. Rs. É como o dito “Ostra sadia não produz pérola”. Mas, embora haja um favorecimento do estado criativo quando este é estimulado por acontecimentos traumáticos, creio que passei a ser poeta quando os escritos perderam um tom excessivamente auto confessional das agendas escolares de um adolescente e ganharam formas / densidades que extrapolavam a auto confissão. Passei a ser poeta quando tais escritos tinham valor poético ou estético também para quem não tivesse vivido tais experiências. É como se ganhassem vida própria. Valor próprio.

Ainda em “A Procura da Poesia” Drummond diz: “Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro são indiferentes. (...) O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.”   

 Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

 Marcelo Atahualpa - “Humano, demasiado humano”, de Nietzsche. E “A Insustentável Leveza do Ser”, de Milan Kundera. 

 Artur Gomes - Além da poesia em verso  já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia? 

Marcelo Atahualpa  - Atualmente me dedico a escrever as “Crônicas do Poetuber”. Minha primeira experiência no terreno da prosa. São relatos de experiências vividas por mim como Uber. A primeira que escrevi venceu recentemente o festival de contos e crônicas online FOCO, que se deu via Instagram no perfil da ciamc.16 de teatro. O título se chama “Alice no País das Armadilhas” e é um relato de uma viagem que fiz a uma passageira trans onde faço de certa forma um paralelo entre a exposição constante à violência vivida por ela e a exposição vivida por mim enquanto motorista de aplicativo. Segue o link: 

 Mas também tenho uma série de experimentos de poemas em prosa. Esses experimentos se deram antes da minha fase de produção de crônicas. Talvez eu estivesse ali, intuitivamente, preparando-me para. 

 Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Marcelo Atahualpa  - Mais fácil seria perguntar qual escrevi sem pedras. Rs. Usando a imagem das pedras, parece que o poema é um modo que encontrei de proferir injúrias após topadas. E haja mindinho! Rs. Mas para citar um (e não parecer evasivo) há o poema “Recônditos”. Escrevi durante a vivência de uma decepção amorosa. Nesse poema em prosa eu faço uma analogia entre a persistência dos sentimentos dos quais queremos nos libertar e a persistência das pragas que habitam recônditos onde nem sempre supomos existir vida.

 Durante a realização do FESTIM – Poesia ao vídeo, nesse ano de 2020, também via instagram, o ator Marcelo Gonçalves fez uma leitura belíssima desse poema na página do festival promovido pelo amigo e produtor Aldebaran Bastos. Segue o link:  

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

 Marcelo Atahualpa  - Não tenho grandes esperanças a esse respeito. E nem creio que seja uma boa depositarmos fé numa espécie de “ordem natural das coisas que apagará/sujará a memória dos maus e fará depois emergir uma lembrança boa em torno dos bons.” Duas citações pra ilustrar essa minha preocupação. Uma é “Os mortos não estão em segurança”, de Walter Benjamin. Outra é “O teatro existe para provar que não somos livres e a qualquer momento o céu pode cair sobre nossas cabeças.”, de Antonin Artaud.

 Quer dizer... por que os mortos não estão seguros? Porque a memória a respeito deles depende dos que seguem vivos. E isso no país que anistiou torturadores é muito problemático. Já a citação de Artaud refere-se a um estado de alerta a que a arte deve sempre nos colocar. Há uma falsa sensação de segurança em nosso modo de vida. Parece que por termos dominado a natureza, habitado todos os continentes e inventado aplicativos de relacionamento e de entrega de comida, vivemos num mundo onde somos servidos. Mas isso é muito ilusório. Digo, se há um ano atrás alguém nos dissesse que um vazamento de óleo atingiria quase toda a costa do Brasil, que atingiríamos recordes de desmatamento na Amazônia e que um vírus mortal se espalharia matando mais de 90 mil brasileiros, tudo sem resposta minimamente séria do poder público e nenhuma autoridade seria responsabilizada... nós acreditaríamos? Então... é possível duvidar de alguma coisa em se tratando do porvir?   Estamos ameaçados. De extinção e de esquecimento.

 Desculpa não ser, à primeira vista, positivo como a pergunta parece desejar que eu seja. Mas se posso extrair algo positivo da minha visão pessimista é: o primeiro passo pra mudar uma realidade é teateá-la, reconhecê-la. E necessitamos reconhecer: Precisamos fazer mais por nossa sobrevivência enquanto espécie e pela memória de tanto sacrifício vivido em prol da construção do frágil e mau urdido tecido social sobre o qual repousamos.      

 Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Marcelo Atahualpa  - Eu forjei meu espírito poético numa confraria macaense chamada Samba Choro e Poesia. Há muitos anos que funciona na Associação de Capoeira do Mestre Dengo, mas os confrades já se reuniram em diversos outros espaços. Trata-se de um grupo de músicos e poetas que se reúnem aos sábados para tocar choro e samba. Lá pro fim do dia, quando já estão todos bem animados e bêbados é que costuma haver mais brecha para inserções poéticas. São sábados incríveis. Depois do Samba Choro e Poesia participei de uma experiência num espaço chamado Utopias. Uma clínica de psicologia que abriu um bar à noite e abrigou diversas ações culturais alternativas por um bom tempo.

Fazíamos ali o “Terças Autorais”. Eu, a poeta e jornalista Monica Braga e o músico Jorge Benze, figura talentosíssima e ímpar que já tocou com Aldir Blanc. Era um ambiente intimista. Uma semipenumbra, uma coisa meio Taberna. Depois disso, criei o Sarau Energia, Energia que acontece toda segunda feira no Bar do Jorginho. Toda segunda temos um poeta e um músico convidados. No segundo bloco sempre rola microfone aberto.

 Então... feita essa breve introdução... rs... minha tribo está onde tem gente interessada em tomar algumas e compartilhar uns escritos batendo um bom papo e ouvindo boa música.   

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Marcelo Atahualpa  - Talvez seja o ato de afirmar existências. Eu afirmo que existo quando escrevo (apesar de todos aqueles que desejam meu apagamento). Eu afirmo que Alice existe quando escrevo sobre ela (apesar dos que desejam o apagamento dela). E tem também o fato de que algumas experiências passam e não são vistas “a olho nu”. Daí vem o poeta com uma lente de aumento e evidencia o que não suspeitávamos. Ou suspeitávamos, mas não queríamos.  

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Marcelo Atahualpa  - Nada me vem à mente agora. Mas obrigado pelas perguntas feitas. Bom saber que há quem queira saber. E sigamos, amigo, nessa militância de existir e dar existência.

 Ah! Cabe aqui dois pequenos “jabás”. Rs.

 

1)               O link da rádio Gente Lesa no Instagram. É lá onde toda segunda feira às 20h fazemos Encontro Poético Musical  Energia, Energia Online:

https://www.instagram.com/radiogentelesa/

 

2)             O link da minha página de poesias no FB.

 

https://www.facebook.com/Atahualpoeta

 

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