Em 1975, fui a Santa Maria Madalena, participar da Comissão Julgadora do Festival de Poesia Falada, lá conheci Eurídice Hespanhol. Em 1976 voltei naquela bela cidade serrana e tornamos a nos encontrar. Vivemos uma longa história que estará contada no livro Da Nascente A Foz Um Rio de Palavras. Depois de um hiato de vários anos sem nos vermos, voltamos a nos re-ver pelos Saraus de Poesia nas Noites Cariocas.
Eurídice Hespanhol - Escreve e veste sua alma de poemas desde menina. Nasceu em Santa Maria Madalena e é de lá que traz na mochila ventos, ventres e naves de poesia. Mãe de três filhos, avó de 2 netos, professora de Língua portuguesa e Literatura, pedagoga, pesquisadora, membro do GEPCEB ( grupo de pesquisa sobre os impactos dos conservadorismos na Educação Brasileira -UFF) e do GESDI (Grupo de Estudos sobre gêneros e sexualidade nos diversos espaços e tempos dos cotidianos -UERJ). Fundadora do movimento poetas sem fronteiras; coordenadora dos Salões poéticos da AABB desde 2007; autora de Lírios no deserto e Jabuticabas; diretora na UBE(União Brasileira de escritores/RJ e AJEB(Associação de jornalistas e escritoras do Brasil/RJ), membro da APPERJ. Participação em diversas antologias; premiação de poemas e contos.
Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Eurídice Hespanhol - Às vezes surge do nada, como quem quer correr e alcançar um sonho. Outras, chega emoldurado numa ideia que passa dias e dias sobrevoando a mente e só sossega quando pousa no papel. Às vezes acordo com poesia, para a poesia, no silêncio da noite, grávida de versos. Pode surgir num momento de graça ou de desgraça ou mesmo num instante vazio de explicações, mas em estado de poesia. Muitas vezes o instante é pleno de paz e mesmo assim, um sentimento surge, arrebatado por um certo impulso poético, um desassossego que pode abrir a porta de um tempo fora do tempo, à parte.
Mas penso que o estado de poesia nasce, s0bretudo, das imagens retidas pela atenção desvairada de um poeta desatento.
Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Eurídice Hespanhol - Eu vou citar um poema que foi premiado no concurso Francisco Igreja da APEERJ, muitas pessoas tem me pedido cópia esse trabalho:
A razão do poema
Do que é feito o poema?
Barro de essência invisível?
Nuvem de tons arcoirizados?
Elementos dispersos
pelo poeta magnetizados?
Ou densa identidade
de expressão incontida?
O poema é amante
sentimento levitante
viagem santa e atrevida
Pulso de um sonho em prece,
aborto, parto, indulgência
O poema é muito mais que poema
o poema é resistência!
Eurídice Hespanhol- Jabuticabas, 2012.
Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Eurídice Hespanhol - O meu poeta de cabeceira não é constante.
Em minha cabeceira já dormiram: Cecilia Meireles, por muito tempo; Manoel Bandeira e Thiago de mello; Márcia Leite, a mulher da escrita forte e doce ao mesmo tempo; Larissa Lorete, leio e releio sempre; já passaram pela minha cabeceira Auta de Souza e Francisca Julia; Fernando Pessoa; Ana Cristina César; Olga Savary; Cora Coralina; Adélia Prado; Florbela; Hilda Hilst; Clarice; Conceição Evaristo. No momento estou apaixonada pela moçambicana Paulina Chiziane que me foi apresentada pela grande poeta e amiga Cecy Barbosa Campos. E são muitos nomes, e ainda serão muitos.
Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Eurídice Hespanhol - Nada em especial. Um dia, parei o carro na rua para não interromper um pardalzinho tomando banho de areia. Já saí da calçada para não atrapalhar as filas das formigas carregadeiras em seu belíssimo processo de trabalho e força. Já parei estática diante de plantas floridas e a mudez delas me diziam sobre o encantamento das cores. Já bati autos papos poéticos com meu gato. Já me envolvi em abraços com pessoas a quem devo tanto dos meus dias, que seria muito difícil não me emocionar ao falar delas. Já morri em tantas mortes... Acho que a pedra de toque que me impulsiona são as experiências que me comovem, as imagens que me marcam, aquilo que um dia renascerá no sol da memória para transformar-se em poema.
Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra¿
Eurídice Hespanhol - Não há ainda um livro definitivo. Não sei se um dia haverá.
Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia¿
Eurídice Hespanhol - A Poesia está para o mundo assim como a flor do capim está para a plantação de capim vista na montanha. A diferença é que quando está florido, o capim deixa de ser capim para ser uma dança ao vento. As hastes das flores tornam-se bailarinas de um grande e imenso balé montanhês, encantadas pela música dos ventos. Se pensarmos em tantos balés que podem ser produzidos por uma simples brisa, podemos dizer que há poesia em todas as coisas. Assim, experimentamos poesia e construímos imagens poéticas o tempo todo.
De forma literária, já envolvi poesia em contos e crônicas, relatos de experiência, histórias pra crianças ainda não editadas.
Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho¿
Eurídice Hespanhol - Vários, me lembro deste que vou postar abaixo, estava em Ubatuba e está pedra, à beira da praia, me tocou profundamente, parei para ver como as ondas batiam sobre a superfície da mesma, os traços que o bater das ondas foram esculpindo na pedra, mantive um diálogo com esta imagem por um bom tempo, fotografei e:
Liquidez sobre pedras
Esculpida dádiva
Que nos braços d’água
expõe-se, expositiva
Adornada e entregue
aos dedos/ondas
Liquidez de sal e sol
ao som do oceano.
Límpida, marcada e banhada
Ininterruptamente ao longo das eras
Rocha incólume, inerte
forma viva de cinzelamentos
ao comando das ondas
sob mãos de espuma
Completa incompletude
sob a ação indomável do tempo
Ininterruptamente...
Eurídice Hespanhol
In “Aos pés das águas”, foto tirada por Eurídice em: Praia do Lázaro e Domingas Dias. Ubatuba, S.P.)
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho¿
Eurídice Hespanhol - Eu espero que passe um certo senhor grosseiro de modos banais que chamam de messias e passarinho será a arte, a manifestação sublime que pode refazer a alegria e lenir sofrimentos. Sim, a mesma arte tão mal falada há bem pouco tempo e tão bem sentida e necessária em todos os tempos, principalmente em tempos de pandemia.
Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Eurídice Hespanhol - Minha tribo reside na oca dos corações dos amigos, nas aldeias de poesia da minha Santa Maria Madalena. Eu gosto de estar em todo lugar onde a poesia me convide a visitar tantos queridos.
O poeta Flávio Dórea escreveu um verso assim: “Por favor, me internem em saraus” ...
É por aí...
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Eurídice Hespanhol - Em toda época, acredito que ser poeta sempre foi inevitável para quem sente essa necessidade, porque escrever poesia é imperioso. E em tempos onde a vida é desrespeitada, mais imperioso se torna fazer da arte um veículo de resistência e amor pelas causas humanas.
E em todos os tempos, a poesia se fez, foi escrita, foi falada, o poeta não desiste porque é o que o completa diante de tantas e infinitas incompletudes.
Eu tenho um poema que diz assim:
“Ser poeta é parar o tempo/ e decifrar na palavra/ a pressa do pensamento/ no sopro da criação”. (Versos do poema “Escreva” de minha autoria).
Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Eurídice Hespanhol - Meu querido Artur,
Nenhuma pergunta a mais, está perfeito!
Sou realmente muito grata por ter amigos como você. Somos parte da poesia do mundo.
Somos atravessados pelas poetas e pelos poetas que cruzam nossos caminhos. Nesse atravessamento, colhemos frutos, guardamos sementes, brincamos de esperança, amamos. E que bom que os caminhos se encontram! Gratidão hoje e sempre!
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