Retomando o projeto Entre/Vistas
que realizei durante o período da pandemia
de 2019 a 2022 entrevisto hoje o poeta/escritor Cléber
Pacheco
Cleber Pacheco tem livros publicados em diversos gêneros: romance, novela, conto, poesia, teatro e crítica literária. Tem textos publicados nos Estados Unidos, Índia, Portugal, Canadá, Reino Unido.
Artur Gomes – como se processa o seu “estado de poesia”?
Cleber Pacheco - É sempre difícil explicar qualquer coisa quando se fala em poesia uma vez que ela possibilita um uso muito próprio da lingua-gem justo porque é algo que se situa além da linguagem. Ainda acredito em inspira-ção. Assim sendo, ela pode brotar de um instante qualquer, do inesperado, de uma imagem, de uma palavra ouvida ao acaso ou até mesmo de acordar à noite para anotar versos que afloram praticamente por si mesmos. Para mim é um estado de atenção, de percepção que encontra, revela ou cria um modo outro de conhecer ou explorar tudo o que existe.
Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Cleber Pacheco - Gosto muito dos clássicos e meu poema preferido é, penso eu, um dos mais impressionantes de todos os tempos: o Inferno de Dante Alighieri. Intensidade, expressividade, densidade, tudo o que diz respeito ao sofrimento humano está ali, além de mitologia, história, política, filoso-fia, religião, etc. Trata-se de um feito im-pressionante.
Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Cleber Pacheco -Na verdade não tenho um só. Um deles é Dante, evidentemente, mas gosto muito de Baudelaire, Fernando Pessoa, Emily Dickinson, Augusto dos Anjos. Varia conforme o momento que estou vivendo.
Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Cleber Pacheco - Tenho muita facilidade para criar projetos de livros. Muitas vezes a partir de um poema percebo que ele pode ser o “mote” para um livro inteiro. Os temas dos livros vêm de um momento de epifania, como se eles tivessem vida própria ou ficassem incubados durantes anos para, subitamente, aflorarem por si mesmos. Não raro acontece de virem ideias para vários livros ao mesmo tempo e uma ideia geral para os poemas vai surgindo. Escrever, para mim, não é algo angustiante. Pelo contrário, é um instante de descobertas e de alegria.
Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Em poesia posso afirmar que é A Rosa Mística, onde alcancei o equilíbrio entre objetividade e subjetividade.
Cleber Pacheco -Em prosa considero O Terceiro Dia uma das melhores coisas que já fiz, tanto pela densidade quanto pela síntese e expressividade do texto.
Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Cleber Pacheco - Posso dizer que minha prosa é bastante poética, então já escrevi romances muito ligados a esse tipo de linguagem. A poesia me ensinou a dizer apenas o essencial. Fora isso, nunca tentei utilizar outros meios para expressá-la.
Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?
Cleber Pacheco - Creio que o mais contundente deles é um poema que escrevi em inglês intitulado You’re bleeding? Às vezes escrevo alguns poemas em outros idiomas porque gosto de explorar as possibilidades expressivas de uma outra língua. Este poema específico foi escrito pensando na doença e perda da minha mãe, uma experiência muito difícil para mim.
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Cleber Pacheco - Penso que ainda é cedo para dizer. Só o tempo fará a triagem, determinando quem realmente fica e passa a fazer parte do cânone e quem será esquecido.
Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Cleber Pacheco - Em termos de literatura brasileira creio que fazem parte da minha tribo os poetas João Cabral de Melo Neto, Cecília Meireles, Augusto dos Anjos. Aprendi muito com eles, cada um com seu estilo próprio: capacidade de dizer muito com pouco, musicalidade, ritmo, abordagem de questões existenciais. Poetas estrangeiros já citei alguns anteriormente e poderia acrescentar Camões, referência obrigatória para quem escreve poesia em língua portuguesa.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Cleber Pacheco - Ser poeta é ser resistência, é uma recusa a entregar-se ao mundo alienado, dormente, “prático”, preocupado apenas com questões imediatas. Ser poeta é sempre ir além do que foi pré-determinado e aceito pela maioria, é um modo único de compreender a existência e de se abrir para possibilidades infinitas.
OBLIVION
Esqueci os sons das palavras,
como consultar dicionários,
os nomes das borboletas.
Hoje vigoram ruídos,
os mergulhos dos afogados,
a estridência dos espectros.
Será preciso reconstituir
a ingenuidade da ortografia,
os resquícios dos pergaminhos,
a criação do alfabeto.
Só então poderei nomear
as flores fecundadas no silêncio.
Cleber Pacheco
Para conhecer mais a poesia de Cleber Pacheco visite as sessões Múltiplas Poéticas no s blogs fulinaímicos
www.fulinaimagens.blogspot.com
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