Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim
Retomando o projeto Entre/Vistas
que produzi durante o período pandêmico de 2019 a 2022 entrevisto hoje o
poeta/escritor Cleber Pacheco
OBLIVION
Esqueci os sons das palavras,
como consultar dicionários,
os nomes das borboletas.
Hoje vigoram ruídos,
os mergulhos dos afogados,
a estridência dos espectros.
Será preciso reconstituir
a ingenuidade da ortografia,
os resquícios dos pergaminhos,
a criação do alfabeto.
Só então poderei nomear
as flores fecundadas no silêncio.
Cleber Pacheco -
Artur
Gomes – como se processa o
seu “estado de poesia”?
Cleber
Pacheco - É sempre difícil explicar qualquer coisa quando se fala
em poesia uma vez que ela possibilita um uso muito próprio da lingua-gem justo
porque é algo que se situa além da linguagem. Ainda acredito em inspira-ção.
Assim sendo, ela pode brotar de um instante qualquer, do inesperado, de uma
imagem, de uma palavra ouvida ao acaso ou até mesmo de acordar à noite para
anotar versos que afloram praticamente por si mesmos. Para mim é um estado de
atenção, de percepção que encontra, revela ou cria um modo outro de conhecer ou
explorar tudo o que existe.
Artur
Gomes - Seu poema
preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Cleber Pacheco - Gosto
muito dos clássicos e meu poema preferido é, penso eu, um dos mais
impressionantes de todos os tempos: o Inferno de Dante Alighieri. Intensidade,
expressividade, densidade, tudo o que diz respeito ao sofrimento humano está
ali, além de mitologia, história, política, filoso-fia, religião, etc. Trata-se
de um feito im-pressionante.
Artur
Gomes - Qual o seu poeta
de cabeceira?
Cleber Pacheco -Na verdade não tenho um
só. Um deles é Dante, evidentemente, mas gosto muito de Baudelaire, Fernando
Pessoa, Emily Dickinson, Augusto dos
Anjos. Varia conforme o momento que estou vivendo.
Artur
Gomes - Em seu
instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para
escrever?
Cleber
Pacheco - Tenho muita facilidade para criar projetos de livros. Muitas
vezes a partir de um poema percebo que ele pode ser o “mote” para um livro
inteiro. Os temas dos livros vêm de um momento de epifania, como se eles
tivessem vida própria ou ficassem incubados durantes anos para, subitamente,
aflorarem por si mesmos. Não raro acontece de virem ideias para vários livros
ao mesmo tempo e uma ideia geral para os poemas vai surgindo. Escrever, para
mim, não é algo angustiante. Pelo contrário, é um instante de descobertas e de
alegria.
Artur Gomes - Livro
que considera definitivo em sua obra?
Em poesia posso afirmar que é A
Rosa Mística, onde alcancei o equilíbrio entre objetividade e subjetividade.
Cleber
Pacheco -Em prosa considero O Terceiro Dia uma das melhores coisas
que já fiz, tanto pela densidade quanto pela síntese e expressividade do texto.
Artur
Gomes - Além da poesia em
verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Cleber
Pacheco - Posso dizer que minha prosa é bastante poética, então já escrevi
romances muito ligados a esse tipo de linguagem. A poesia me ensinou a dizer
apenas o essencial. Fora isso, nunca tentei utilizar outros meios para
expressá-la.
Artur
Gomes - Qual poema escreveu
quando teve uma pedra no meio do caminho?
Cleber
Pacheco - Creio que o mais contundente deles é um poema que escrevi
em inglês intitulado You’re bleeding? Às
vezes escrevo alguns poemas em outros idiomas porque gosto de explorar as
possibilidades expressivas de uma outra língua. Este poema específico foi
escrito pensando na doença e perda da minha mãe, uma experiência muito difícil
para mim.
Artur
Gomes - Revisitando
Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem
passarinho?
Cleber Pacheco - Penso que ainda é cedo para
dizer. Só o tempo fará a triagem, determinando quem realmente fica e passa a
fazer parte do cânone e quem será esquecido.
Artur
Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e
jornalista Ademir Assunção afirma que cada poeta tem a sua
tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua
tribo?
Cleber Pacheco - Em termos de literatura brasileira creio que fazem parte da minha tribo os poetas João Cabral de Melo Neto, Cecília Meireles, Augusto dos Anjos. Aprendi muito com eles, cada um com seu estilo próprio: capacidade de dizer muito com pouco, musicalidade, ritmo, abordagem de questões existenciais. Poetas estrangeiros já citei alguns anteriormente e poderia acrescentar Camões, referência obrigatória para quem escreve poesia em língua portuguesa.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta,
militante de poesia?
Cleber Pacheco - Ser poeta é ser resistência, é uma recusa a entregar-se ao mundo
alienado, dormente, “prático”, preocupado apenas com questões imediatas. Ser
poeta é sempre ir além do que foi pré-determinado e aceito pela maioria, é um
modo único de compreender a existência e de se abrir para possibilidades
infinitas.
Jean-Michel Basquiat
*
Múltiplas Poéticas
NASCIMENTO
DA PALAVRA
Elas surgem do nada.
Da solidão, da sombra.
Ou do útero da linguagem?
Rubens
Jardim
(escrito
em fevereiro de 2012
O Erotismo
é uma das bases do conhecimento de nós mesmos, tão indispensável quanto a
poesia.
Anaïs Nin
Carl Jung
Estou fazendo este post pra esclarecer dúvidas que ficaram sobre o post
anterior. Embora eu falasse nele sobre a morte, alguns amigos queridos acharam
que eu falava de amor.
O post anterior foi inspirado no seguinte poema
que fala de amor e morte de Federico Baudelaire - eterônimo (penso eu) do Poeta
Artur Gomes:
ainda penso nela
quase piro
quase morro
sem ninguém
pra pedir socorro
nem um freudiano por aqui
pra me socorrer
vão me deixar morrer
nem marisa vieira
mayara ou bruna
muito menos jurema
cabloca de iracema
que amparou o dinamite
tanto faz que eu chore
tanto faz que eu pire
tanto faz que eu grite
posso morrer de ócio
posso morrer de cio
posso morrer de gripe
elas não estão nem aí
pro meu palpite
posso cheirar o bem-me-quer
ou mesmo as flores do mal
posso até dançar de buda
nesse próximo carnaval
Federico Baudelaire
leia mais aqui
https://fulinaimagemfreudelerico.blogspot.com/
Estou fazendo este post pra esclarecer dúvidas que ficaram sobre o post
anterior. Embora eu falasse nele sobre a morte, alguns amigos queridos acharam
que eu falava de amor.
O post anterior foi inspirado no seguinte poema
que fala de amor e morte de Federico Baudelaire - eterônimo (penso eu) do Poeta
Artur Gomes:
ainda penso nela
quase piro
quase morro
sem ninguém
pra pedir socorro
nem um freudiano por aqui
pra me socorrer
vão me deixar morrer
nem marisa vieira
mayara ou bruna
muito menos jurema
cabloca de iracema
que amparou o dinamite
tanto faz que eu chore
tanto faz que eu pire
tanto faz que eu grite
posso morrer de ócio
posso morrer de cio
posso morrer de gripe
elas não estão nem aí
pro meu palpite
posso cheirar o bem-me-quer
ou mesmo as flores do mal
posso até dançar de buda
nesse próximo carnaval
Federico Baudelaire
leia mais aqui
https://fulinaimagemfreudelerico.blogspot.com/
Este poema me lembrou um outro de Vinícius de
Moraes que também fala de amores e morte. A música ideal pra acompanhá-lo seria
"Refém da Solidão" de Baden Powel e Paulo César Pinheiro, porém eu
preferi rimar Vinícius com ele mesmo e e optei por uma dele com Edu Lobo. O
curioso é que ambos são parceiros de Baden e Paulo César Pinheiro.
Pra concluir, posto aqui a música "Refém da
Solidão" como forma de fazer justiça e pra lembrar aos amigos que, segundo
Fernando Pessoa (o rei dos eterônimos) "o poeta é um fingidor". Eu
não consigo ser poeta, contudo fingidor é mais fácil.
Assim sendo, devo dizer que este espaço digital é
de comunicação de dramas que me comovem. Ou seja, são meus e me emocionam quase
sempre por empatia e não por ontologia.
Os amigos são tão companheiros que nos impelem
filosofar.
Hélio Gomes
Albert Holland
deu na telha vou te fazer
um van gog na orelha
Artur Gomes
O Homem Com A Flor Na Boca
Um Canibal Tupiniquim
por Fernando Andrade | escritor e jornalista
Um homem cita um poema de nome. O músico já usou a cítara para musicar este poema pelo nome. Tudo já foi transformado, o poema para canção, a rima comeu a melodia e fez troça e troca de nome. Mas o poema do livro O homem com a flor da boca, da editora Penalux, nos devolve este país, do samba, do riso piada, Leminski, a força do ato canibalista de deglutir o que veio antes da poesia concreta, até a letra da canção de Luiz Tatit. Artur Gomes fez das suas, com tanta fome, comeu a maioria dos poemas que leu na vida e canibalizou e carnavaliza referências, citações, humor de longa estrada, ou beira de bar, trabalhando com gume de faca afiada e o lume de um pôr do sol em Ipanema, lembrando Vinícius.
São poemas bons para musicar tanto na solidão de um violão, quanto, atravessada por uma voz tenor, sax soprano. E não falta sexo, sacanagem, tesão, nas palavras das palavras num atravessamento em plena Quarta feira de cinzas, no resultado do carnaval. O desbunde da bunda, o levante dos órgãos, a gíria, e a menina com fio da linha escrita, carregando anedotas, fábulas e circos. O poeta não faz gênero, ele é macho, e fêmea, Simone, em segundo sexo. São poemas para emprestar ao amigo que está com fone de ouvido se atentar para a prosódia do verso, para quem sabe não copiar e transformar Amor em flor na boca.
poesia
I
chegas a mim
como uma égua assanhada
não quer saber do meu carinho
só quer saber de ser trepada
II
eu te penetro
em nome do pai
do filho
do espírito santo
amém
não te prometo
em nome de ninguém
terra
amada de muitos sonhos
e pouco sexo
deposito a minha boca
nu teu cio
e uma semente fértil
nos teus seios como um rio
Artur Gomes
Suor & Cio – MVPB Edições - 1985
https://personasarturianas.blogspot.com/
O ator, produtor, videomaker e agitador cultural Artur Gomes acumula uma bagagem de 50 anos de carreira com prêmios nacionais e internacionais em teatro, música, literatura e artes gráficas. Gomes poderia se filiar na tradição literária dos chamados poetas malditos, como comumente e simplistamente nos referimos àqueles autores que constroem uma obra “rebelde” em face do que é aceito pela sociedade, vista como meio alienante que aprisiona os indivíduos em normas e regras. Tais autores rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída. A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características de tais sensibilidades poéticas, que no Brasil já vem de longe com um Gregório de Mattos e ganhou impulso e seguidores com o famoso trio da “parafernália” rebelde: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
Já tivemos oportunidade de observar em outras obras do autor, que suas construções poéticas seguem sempre renovadas para cima em matéria de criatividade, elencando uma variada diversidade temática que aborda, sempre em perspectiva ousada e radical, desde o doce e suave sentido do amor, ao cruel da relação amorosa, flertando com o libidinoso, e questões existenciais que expressam indignação, desobediência e transgressão.
É que, explica ele: “arde em mim / um rio / de palavras / corpo lavas erupção / mar de fogo / vulcão”. Outra faceta do autor, digna de nota, é a criação de vários heterônimos como sejam Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè ou Gigi Mocidade, talvez a mais irreverente de todos, porque fala a bandeiras despregadas, sem papas na língua. “Muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro outras vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro”.
E aqui temos afinal, mais uma obra desse múltiplo e incansável poeta que caminha com uma flor na boca, símbolo universal de amor, de paz e beleza. A ele não importa verdadeiramente por quais meios: “se sou torto não importa / em cada porta risco um ponto / pra revelar os meus destroços / no alfabeto do desterro / a carnadura dos meus ossos”.
É poética que, para além de perquirir as dores e delícias da condição humana em si, envereda pelo viés de nossa condição social sempre ultrajada. Encontramos um poema que nos pergunta: “quem se alimenta / dessa dor / desse horror / desse holocausto // desse país em ruínas / da exploração dessas minas / defloração desse cabaço // quem avaliza o des(governo / simboliza esse fracasso?”
Artur Gomes segue sua árdua caminhada, agora com o poderoso concurso da maturidade que lhe chega. Segue emprestando sua voz aos deserdados, aos desnutridos, aos que têm sede, aos que têm fome, ou aos que morrem assassinados nos guetos, nos campos, nas cidades por balas de fuzil, desse país que tarda em referendar a cidadania.
Krishnamurti Góes dos Anjos - Escritor e crítico literário.
Leia mais no blog www.fulinaimagens.blogspot.com
O Homem Com A Flor Na Boca com o livro e a caneta nas mãos - Sarau Cultural - As Multiliguagens no Palácio - Ocupação Poética - Palácio da Cultura - Campos dos Goytacazes-RJ - foto : Antônio Filho
Lançamento em São Paulo dia 29 de novembro no Sarau Gente de Palavra -
absinto
impossível
te sentir mais do que já sinto
Artur Gomes
O Homem Com A Flor Na Boca
leia mais no blog
Artur Gomes
O Homem com A Flor Na Boca
Poética, política e memória
Escrever prefácio para um livro de Artur Gomes é um desafio prazeroso. Desafiante é mergulhar no universo imagético e político que sempre compôs sua poética. Este O Homem Com A Flor Na Boca : Deus Não Joga Dados acrescenta o substrato memorialístico ao seu repertório formando a tríade que sustenta o livro temática e formalmente. Meu primeiro contato com a poesia de Artur se deu nos anos 80 por intermédio de seu livro Suor & Cio, obra cuja temática estava em consonância com as reflexões suscitadas pelas “comemorações” do centenário da Abolição da Escravatura em 1988. A partir daí, acompanhei suas criações tanto impressas quanto performáticas, pois Artur não é poeta apenas de livros e silêncios das salas de estares, livrarias e bibliotecas, mas também dos bares, ruas e praças que são do poeta como o céu é do condor.
Poucos poetas contemporâneos expressam tão bem as principais bandeiras do Modernismo de 22 quanto esse vate pós-moderno. Sua poesia é política, antropofágica, nonsense, musical, polifônica e sobretudo intertextual, além de dotada de uma brasilidade corrosiva, avessa ao nacionalismo acrítico que se tem espraiado pela ex-terra de “Santa cruz”.
Neste livro estão todas essas marcas do poeta às quais acrescento o caráter memorialístico. Nele, Artur não apenas rememora antigos poemas por meio de alusões, paráfrases e paródias como traz para seus versos passagens assumidamente biográficas, se apropriando, em alguns momentos, do gênero diário.
Estão contidos nessas memórias seus vários heterônimos: Gigi Mocidade, Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè, Federika Bezerra, Federika Lispector. Diferente do que ocorre com o poeta português Fernando Pessoa, a heteronímia em Artur não se manifesta menos na autoria do que no tecido ficcional. Suas diferentes personas emergem dos poemas para a realidade das redes sociais, interagem entre si, com o poeta e os leitores.
É Gigi Mocidade, por exemplo, que carrega a bandeira do espírito subversivo com seu grito “Irreverência ou morte”, já nas primeiras páginas do livro, e a epígrafe de Federico Baudelaire “escrevo para não morrer antes da morte” anuncia a intenção memorialística. Sócrates, no seu diálogo com Fedro na obra de Platão, argumenta que a escrita seria a morte da memória, mas o que seria de todo o repertório literário não fosse essa invenção humana? Quais mentes suportariam tantos signos produtores de imagens cujos sentidos transcendem às vezes a razão? A escrita não se tornou a morte da memória, mas impossibilitou a morte dos poetas eternizados nas páginas dos livros e memórias dos leitores.
poema 10
meus caninos
já foram místicos
simbolistas
sócio políticos
sensuais eróticos
mordendo alguma história
agora estão famintos
cravados na memória
Nesses oito versos, o autor nos apresenta metalinguisticamente seu percurso poético até este livro que não é uma obra dedicada ao passado. O presente político do Brasil (des) norteia o poeta que não deixa de atacar com sua lira de peçonha os problemas que nunca deixaram de afligir estas paragens desde o suposto grito de Cabral.
poema 12
tem algo de errado
nessas estatísticas de mortes
dessa pandemia
multipliquem 60.000 X 10
e ainda não vai ser exato
o número de cadáveres
empilhados nos campos de concentração
que dá um nome ao país
que ainda nem era uma nação
A verve surrealista do poeta se manifesta principalmente nos poemas narrativos protagonizados por personagens intertextuais como “macabea” (alusão evidente à conhecida protagonista de A hora da estrela de Clarice Lispector) e alter egos – lady gumes – parodísticos do próprio autor.
Em FULINAIMAGEM 14 o tom de diário se instaura com inscrição de data do acontecimento rememorado e transborda na escrita de si em que se revela o papel que a poesia e o teatro desempenham na escritura de seu trajeto como autor: “a minha relação poesia teatro poesia é visceral vital para o que escrevo como quem encena a necessidade do corpo como expressão”. Artur Gomes, este homem com a flor na boca, anda a espalhar o veneno agridoce de sua poesia, numa obra em que não há fronteiras entre o artista, o cidadão, o personagem, o eu poético, a obra. Seu livro não é um objeto, mas um produto interno e nada bruto. A obra é sempre muito maior que o livro, pois este, matéria assim como o homem, finda. A obra, esse totem que se pode cultuar no altar da memória, está sempre presente. E é disso que o poeta fala: do tempo presente, do homem presente, da vida presente. Parafraseando Drummond, com O Homem Com A Flor Na Boca, “não nos afastemos, não nos afastemos muito”, vamos de mãos dadas com a poesia de Artur.
Adriano Carlos Moura
Professor de Literatura – IFFluminense, Campos dos Goytacazes-RJ – Poeta, Ator, Dramaturgo
Os Tortes Tecem Considerações
O ator, produtor, videomaker e agitador cultural Artur Gomes acumula uma bagagem de 50 anos de carreira com prêmios nacionais e internacionais em teatro, música, literatura e artes gráficas. Gomes poderia se filiar na tradição literária dos chamados poetas malditos, como comumente e simplistamente nos referimos àqueles autores que constroem uma obra “rebelde” em face do que é aceito pela sociedade, vista como meio alienante que aprisiona os indivíduos em normas e regras. Tais autores rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída. A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características de tais sensibilidades poéticas, que no Brasil já vem de longe com um Gregório de Mattos e ganhou impulso e seguidores com o famoso trio da “parafernália” rebelde: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
Já tivemos oportunidade de observar em outras obras do autor, que suas construções poéticas seguem sempre renovadas para cima em matéria de criatividade, elencando uma variada diversidade temática que aborda, sempre em perspectiva ousada e radical, desde o doce e suave sentido do amor, ao cruel da relação amorosa, flertando com o libidinoso, e questões existenciais que expressam indignação, desobediência e transgressão. É que, explica ele: “arde em mim / um rio / de palavras / corpo lavas erupção / mar de fogo / vulcão”. Outra faceta do autor, digna de nota, é a criação de vários heterônimos como sejam Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè ou Gigi Mocidade, talvez a mais irreverente de todos, porque fala a bandeiras despregadas, sem papas na língua. “Muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro outras vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro”.
E aqui temos afinal, mais uma obra desse múltiplo e incansável poeta que caminha com uma flor na boca, símbolo universal de amor, de paz e beleza. A ele não importa verdadeiramente por quais meios: “se sou torto não importa / em cada porta risco um ponto / pra revelar os meus destroços / no alfabeto do desterro / a carnadura dos meus ossos”. É poética que, para além de perquirir as dores e delícias da condição humana em si, envereda pelo viés de nossa condição social sempre ultrajada. Encontramos um poema que nos pergunta: “quem se alimenta / dessa dor / desse horror / desse holocausto // desse país em ruínas / da exploração dessas minas / defloração desse cabaço // quem avaliza o des(governo / simboliza esse fracasso?” Artur Gomes segue sua árdua caminhada, agora com o poderoso concurso da maturidade que lhe chega. Segue emprestando sua voz aos deserdados, aos desnutridos, aos que têm sede, aos que têm fome, ou aos que morrem assassinados nos guetos, nos campos, nas cidades por balas de fuzil, desse país que tarda em referendar a cidadania.
Krishnamurti Góes dos Anjos - Escritor e crítico literário.
e ela vai pintando
o homem com a flor na boca
com seus pincéis de aquarela
poema que só é possível
pelas lentes dos olhos dela
as formigas trepam devagarinho
como carregassem folhas gigantes
A Rosa Vermelha do Povo
para Drummond, Darcy Ribeiro, Brizola e Oscar Niemayer in Memória
a rosa de Hiroshima ainda fala
a rosa de Hiroshima ainda cala
Frida e seus cabelos de aço
Picasso pintou Guernica
e quando os generais de Franco
lhe perguntaram:
- foi você quem fez isso:?
ele prontamente respondeu
- não, foram vocês que fizeram.
Cartola um dia me disse
que as rosas não falam
simplesmente as rosas exalam
o perfume que roubam de ti
Agora trago a Rosa Vermelha do Povo
para clarear esse Templo escuro
quem poderá viver nesse presente?
quem poderá prever nosso futuro?
nem Zeus nem o diabo que os carregue
eu quero um reggae um arte lata
a vida é muito cara nada barata
eu sou Drummundo Curumin - no fundo
Tupã Rebelde não pede arrego
poesia é pra tirar o teu conforto
poesia é pra bagunçar o teu sossego
educação gramatical
ela tem um travessão
atravessado
na frente da palavra quero
me diz: espera
não por falta de desejo
tenho medo de dois pontos:
os seus olhos os seus beijos
pra onde você quer me levar
de tudo que a exclamação possa engendrar
respondo:
coloco vírgulas ponto e vírgulas
reticências qualquer outro sinal
abro parênteses
(os meus poemas nunca vão ter ponto final)
Bolero Blue
beber desse conhac em minha boca
para matar a febre nas entranhas
entre dentes - indecente é a forma
que te como bebo ou calo
e se não falo quando quero
na balada ou no bolero
não é por falta de desejo
é que a fome desse beijo
furta qualquer palavra presa
como caça indefesa
dentro da carne que não sai
Teatro do Absurdo
o quarteto da hipotenusa
versus o quadrado do quarteto
da hipotenusa a musa no quadrado
do retrato fosse apenas fotografia
mas não sendo hipotenusa
somente musa algaravia
uma palavra mais que estrada
sendo musa multivia
me levou nessa jornada
para fora da bahia
todos os santos mar aberto
no abismo a fantasia
de querer musa entretanto
muito mais que poesia
A flor dos meus delírios
tem cheiro de poesia
relâmpagos de Iansã
incêndio no meio dia
Netuno em polvorosa
me disse em verso e prosa
que ela vem com o frescor da maresia
e eu serei o seu Ogum
anjo da guarda e companhia
hoje mesmo distante
essa preamar me incendeia
ondas espumas explodem na areia
tempestades trovoadas ventania
e nem sei se estando perto
calmaria
tirar leite das pedras
plantar flores no deserto
talvez seja esta a minha sina
colher a lírica
na argamassa do concreto
metáfora
meta dentro
meta fora
que a meta desse trem agora
é seta nesse tempo duro
meta palavra reta
para abrir qualquer trincheira
na carne seca do futuro
meta dentro dessa meta
a chama da lamparina
com facho de fogo na retina
pra clarear o fosso escuro
6 outubro - 2022
a mulher dos sonhos
voltou ontem
sedenta faminta insaciável
esgotou-me
à última gota
mesmo vazio
me senti um tanto cheio
nem foi delírio loucura
porque vi no meu e-mail
o nome da criatura
Em 1995 no Centro Cultural Maria Antônia, na USP, em cia da minha querida amiga Silvia Passareli, assisti uma encenação de Cacá de Carvalho, com texto de Pirandello que me pegou da medula ao osso. A plateia era de 40 pessoas apenas e Cacá circulava entre nós com a sua energia pulsante magnética. O texto era um fragmento de uma trilogia que ele deu o nome de O Homem Com A Flor Na Boca. E a ele, Cacá de Carvalho, dedicamos este livro.
chamaram-me atrevido
o fonema entrou pelos ouvidos
como um raio de Iansã
Eva nem percebeu
a serpente no espelho
a mordida na Maçã
Mas a gente lança
tenta –
em arte tudo se inventa
Eu tenho flores
com a língua atravessada em cada canto da boca
Dê Líricas
bebo teus olhos atlânticos
e tua voz portuguesa
como quem bebe no Tejo
saudades de Lisboa
caminho com os teus passos
em direção ao poema do desassossego
Florbela Espanca Alberto Caieiro Fernando Pessoa
ressignificar eis o verbo
no poema do absinto
o sentido mais concreto
ou mesmo o abstrato
na argamassa do absurdo
Baudeléricas Bordelíricas
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