Helena Arruda, é uma dessas grandes descobertas que esse projeto EntreVistas tem me proporcionado. A conheci, entre amigos, no face, logo depois no instagram quando ela me enviou uma linda e emocionada mensagem sobre a entrevista com Igor Fagundes. Logo depois levei poesia dela para página da Balbúrdia Poética e a convidei para este bate papo que segue.
Helena Arruda nasceu em Petrópolis, RJ. É mestra e doutora em Literatura Brasileira (UFRJ). Poeta, contista, ensaísta, pesquisadora e revisora, é autora dos livros Interditos – poemas (2014); Mulheres na ficção brasileira – ensaios (2016), ambos pela Editora Batel; Corpos-sentidos (prelo, Editora Patuá) e A mulher habitada [ou: cadernos do fim dos dias], ainda sem editora. Publicou também em antologias, entre as quais: Elas escrevem; Moedas para um barqueiro (Andross, 2011); Por detrás da cortina; Amor sem fim (Beco dos Poetas, 2012); A literatura das mulheres da floresta (Scortecci, 2013); Hoje é dia de hoje em dia: literatura brasileira do século XXI (Multifoco, 2013); Rio dos bons sinais (CMD, 2014); O protagonismo feminino (Scortecci, 2016); Escritor profissional (Oito e Meio, 2016); Mulherio das Letras (Costelas Felinas, 2017); Mulherio das Letras (Mariposa Cartonera, 2017); Tabu (Oito e Meio, 2017); Casa do Desejo (Patuá, 2018); Mulherio das Letras (Edição do Autor, 2018); Mulherio pela Paz (Edição do Autor, 2018); Ficção e travessias: uma coletânea sobre a obra de Godofredo de Oliveira Neto (7Letras, 2019); Ato Poético (Oficina Raquel, 2020); Ruínas (Patuá, 2020). A autora foi ainda publicada nas revistas eletrônicas, Gueto, Ruído Manifesto, Ser MulherArte e Bibliofilia Cotidiana. Sobre seu processo de escrita, é possível acessar o blog www.comoeuescrevo.com/helena-arruda. Helena faz parte do Coletivo Mulherio das Letras, desde a sua inauguração, em João Pessoa (2017). É membro do corpo editorial da Revista Topus – espaço, literatura e outras artes, da UFTM. Suas pesquisas acadêmicas estão relacionadas a temas como descolamentos territoriais (deambulações, migrações), personagens femininas, autoria feminina e questões de autorreflexividade.
Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Helena Arruda - A poesia vem até mim de várias formas, por um frase que leio, por fragmentos de frases, palavras, por uma observação que faço, pela natureza, pelo caos da cidade, pela questão política que me perpassa, pelo sofrimento coletivo, pelas injustiças sociais, pela dor diária, pelo meu encontro com o divino, ainda que, às vezes, duvide da existência desse deus que aprendi na infância; é um encontro que se processa por algum átimo de (in)felicidade. Se ela, a felicidade, chega até mim, por esse átimo, acho que é deus. Ambos bem distantes e, paradoxalmente, muito raramente, próximos. Duram uma respiração, um pensamento. Escrevi um poema sobre isso, porque acho que tive um insight. Então, posso dizer que a poesia chega até mim de várias formas. Como eu disse, numa outra entrevista, muitas vezes eu fujo dela, mas não tem jeito e acabo por ceder aos seus caprichos, por pegar a caneta, o papel, o guardanapo do bar, o celular, algo onde eu possa registrá-la, ou registrar uma ideia, aprisioná-la, para em seguida, libertá-la. É um processo sempre caótico. Não há regras. A poesia está dentro de mim, e, de certa forma, ela só espera o mecanismo de disparo, o tiro, o momento para sair à procura de salvação da própria pele. Contudo, vejo que escrever, e escrever poemas, é uma forma de me atirar nos e dos abismos existenciais em queda livre. É ver o que há lá no fundo, lá embaixo, no sopé da montanha, e escalar de volta, pisando daqui e dali, com cuidado, para não deslizar, para não desistir de me atirar de novo. É uma experiência muito psicanalítica, eu diria.
Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Helena Arruda - Difícil ter apenas um poema de preferência. Tenho muitos poemas que me rondam, de muitos poetas, de muitas estéticas literárias, entre os quais destaco, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa e seus heterônimos, especialmente, Alberto Caeiro, Mário Quintana, Hilda Hilst, Adélia Prado, Thiago de Melo, Ferreira Gullar, Maiakóvski etc. A lista é imensa, porque há os meus contemporâneos, que não posso citar, porque seria injusta com muita gente boa, que gosto muito. Tenho descoberto grandes poetas recentemente, publicados em revistas literárias, sendo entrevistados nas mídias digitais. Acho super importante um trabalho como o seu, porque realmente há muita gente boa escondida por aí. Cresci ouvindo grandes poetas: Castro Alves, Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, estão entre os que ouvia do meu avô e da minha mãe. Meu avô materno era poeta, sem nunca ter aprendido nada de literatura, um autodidata, que estudou pouco. Ele e minha mãe sempre declamavam em casa. Então, se eu tiver que escolher um poema, escolho “A última tempestade de maio”, inédito, do meu avô, Carlos Ferreira de Souza. Para o próximo ano, pretendo fazer uma curadoria com os poemas dele (estou devendo isso a mim mesma) e editar um livro póstumo.
Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Helena Arruda - Como eu disse, são muitos e muitas poetas, mas acho que Drummond é o poeta que mais me influenciou, percebi isso há bem pouco tempo. Então o escolho como “poeta de cabeceira”. Mas enfatizo que tenho descoberto gente muito boa por esse país afora, e sigo lendo muita gente ao mesmo tempo. Há poemas que nos arrebatam, outros que nos abrem os olhos. A literatura é sempre um alerta, uma forma de olhar o mundo, perpassada de atravessamentos. Sinto que vou tecendo minha rede com vários poemas que conversam comigo, que me atravessam diariamente.
Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Helena Arruda - Acho que o que me move a escrever é sempre um incômodo, um sentimento maior a ser posto no papel, uma sensação. Alguma imagem. Minha poesia atual também está mais imagética. Recorro então às imagens que estão fora, que me chegam de várias fontes, e as que estão dentro de mim. Tudo é muito flutuante e depende do momento. Não recorro a nada fixo, nenhuma fórmula, nada mesmo. Diria que é o instante, o átimo.
Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?
Helena Arruda - Não considero nada definitivo. Na minha concepção de vida, estamos em constante aprendizado, em constante trânsito. Prefiro dizer que somos seres mutáveis, em processo de construção. Aprendo todos os dias, com várias pessoas, de diferentes segmentos. Acho que ouvir é fundamental. Tenho aprendido com o passar dos anos a ser mais ouvinte.
Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Helena Arruda - Ando escrevendo o que chamam de prosa poética. Meu terceiro livro de poemas, A mulher habitada, acho que está indo mais nessa direção. Também já tenho iniciado um livro de contos, que estou retomando paulatinamente, após meu doutorado. Pode ser que haja algo de poético em algum conto, por que não?
Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?
Helena Arruda - Meu primeiro livro de poemas, Interditos (Editora Batel, 2014), foi escrito com uma pedreira inteira no meio do caminho, resultado de uma fase bem doída da minha vida: a superação de um câncer. Espelhando-me no filósofo e sociólogo Tzvetan Todorov, se me perguntam qual a importância da literatura na minha vida, e da poesia, especificamente, eu diria, como ele, que ela “me ajuda a viver”, não como tábua de salvação, mas, especialmente, me atirando dos abismos, das pedreiras, me encorajando aos saltos para retornar com outras perguntas.
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Helena Arruda - Acho que muita gente passará. Tenho esperança de que as pessoas que elegeram esse governo fascista consigam olhar e enxergar no que se transformou o Brasil desde o Golpe. A esperança é de que os nazifascistas passem, mas não sou ingênua. Essa lama fétida estará sempre à espreita, pronta para atacar. Entretanto, acho que os movimentos antifascistas e antirracistas estão ganhando muita força no Brasil inteiro, desde a morte de George Floyd, nos EUA. E o que se viu no meio da maior pandemia do mundo, depois do assassinato brutal de Floyd, foi uma força indescritível da população americana. Acho que isso deu fortes esperanças aos brasileiros. É preciso que parem de matar nossa gente, nossas crianças, nosso presente e nosso futuro. Já basta o que fizeram com o nosso passado. Em tempo, seguimos aguardando uma resposta definitiva para desvendar o maior feminicídio político da História do país: quem mandou matar Marielle Franco, e, por quê?
Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Helena Arruda - Não tenho uma tribo, mas muitas tribos que me moram: ser filha da ditadura militar, ter tido muitas privações por causa disso, ter vindo de uma família que me ensinou a ler o mundo desde então; ter sido professora, por mais de 25 anos, na Educação Básica; ter batalhado a vida inteira por direitos humanos; como toda/o brasileira/o, vir de várias etnias: índios, negros, italianos e árabes; ser filha da geração de Renato Russo e Cazuza; ter ouvido muito Chico Buarque, Tom Jobim e Vinícius de Moraes; ter lido muito literatura clássica e literatura brasileira (Machado de Assis, Guimarães Rosa, Lima Barreto, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, entre outras referências na ficção); ter lido Paulo Freire e Eduardo Galeano, Foucault, Marx, Todorov, Bauman, Beauvoir e tanta gente. Enfim, sou da tribo dos que não se conformam e não se calam.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Helena Arruda - Acho que é ter coragem de escrever e publicar sobre as injustiças sociais que assolam este país. É ser antifascista, o que significa ser antirracista, anti-homofóbico, anti-misógino. Gostaria de salientar que estou na antologia antifascista Ato Poético organizada por Luís Maffei e Márcia Tiburi, junto com outras/os poetas antifascistas. E, também, no Jornal O Partisano, na sessão Flauta Vertebrada, tendo William Dunne como editor. Então, acho que é isso: é ter coragem, como diria o grande Guimarães Rosa. No meu segundo livro de poemas, Corpos-sentidos (Patuá, prelo), há poemas que considero políticos. Também costumo publicar poemas inéditos nas mídias sociais, quando o incômodo se torna imenso. Tenho trabalhos publicados também nas revistas Gueto, Ruído Manifesto, Ser MulherArte e em algumas antologias. Deixo aqui um poema político, publicado n’O Partisano, no dia 04/06/2020, por entender que estamos morrendo sufocados não apenas pela pandemia.
Das mortes que me ressuscitam
[digo num fôlego]
não quero morrer demais esses dias
eu quero viver esses dias
eu não quero morrer demais esses dias
porque já morri outros dias sem parar
eu morri
então eu não quero mais morrer tanto
só um pouco
porque não tem jeito de não morrer
mas eu quero morrer sem dor
assim igual passarinho que fecha
os olhos e morre na floresta
na gaiola não
na gaiola eu não quero morrer
mas se precisar
e não tiver jeito eu morro também nela
eu morro
porque às vezes é necessário morrer
para nascer outra
então eu morro para algumas pessoas e
nasço pra mim
noutras horas eu acabo morrendo
pra mim também
porque na minha tristeza eu não consigo viver
então eu desisto da vida por algumas horas
ou minutos ou segundos e
me mergulho inteira no oceano-azul-das-palavras
para não ter que ver a cara da morte
que debocha das vidas brasileiras e
aí eu viro pra o lado esquerdo e
ouço o meu coração bater forte
ticum-ticum-ticum e
não consigo dormir e
eu não durmo porque se eu fechar os olhos e
os ouvidos eu nunca mais renasço e eu
eu não sou dessas que desistem fácil
porque eu nasço todos os dias
desde que nasci a primeira vez
numa madrugada fria
do dia 28 de junho
em pleno inverno no brasil
quando choviam balas de fuzis e
todos gritavam nas ruas
eu nasci assustada berrando perguntando
pra minha mãe o que significava aquilo e
ela me dizia
“é a barbárie da ditadura militar
[minha filha]
e você será uma mulher resistente
[minha filha]
uma grande mulher”
então o meu pai chegou no hospital
pra me conhecer
com as duas mãos queimadas e
desempregado porque os militares invadiram
a fábrica nacional de motores
onde ele trabalhava e eu
eu nunca mais parei de lutar e
de nascer e
de morrer e
de escrever e
hoje
hoje eu nasci de novo
pra continuar na luta
contra a morte
que assola o brasil.
Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Helena Arruda - Acho que fez todas as perguntas. Gostei muito de ter participado desta entrevista. Agradeço imensamente o convite, o espaço.
Fulinaíma MultiProjetos
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