sábado, 6 de junho de 2020

Alexandra Vieira de Almeida - EntreVistas


Conheci Alexandra Vieira de Almeida, no Sarau POLEM, em 2018, desde então acompanho sua trajetória, seja como poeta e todas outras atividades que vem desempenhando cotidianamente de ensaísta e resenhista. Voltamos a nos encontrar várias vezes no POLEM e em 2019 na Taberna da Laura em Copacanana, e no Sarau do Anand Rao, realizado em Botafogo. Estou aguardando a chegada do seu mais recente livro A Negra Cor das Palavras, lançado recentemente pela Editora Penalux. 

 Alexandra Vieira de Almeida é poeta, contista, cronista, resenhista e ensaísta. Tem Doutorado em Literatura Comparada (UERJ). Atualmente é professora da Secretaria de Estado de Educação (RJ) e tutora de ensino superior a distância (UFF). Tem seis livros de poesia, sendo o mais recente A negra cor das palavras (Penalux, 2019). Seus poemas foram publicados nos importantes meios de comunicação: “Revista Brasileira”, da Academia Brasileira de Letras, “Jornal Rascunho” e “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Publica constantemente em antologias, revistas, jornais e alternativos por todo Brasil e também no exterior. Tem poemas traduzidos para vários idiomas.

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Alexandra Vieira de Almeida -  Primeiro vem a inspiração, um arrebatamento, em que sou tomada pelo poder da palavra, a me conduzir a outros caminhos indizíveis da escrita. Depois vem o burilamento estético, a artesania linguística, em que lapido a matéria-bruta da inspiração nas melhores joias a serem desenhadas pelo intelecto mais preciso e  fecundo.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Alexandra Vieira de Almeida - Meu poema preferido de minha própria lavra é “Dormindo no verbo”. Nele, revelo, pela força da metalinguagem como a carne da poesia se adensa na matéria dos salões universais da linguagem. Este poema foi vencedor, entre cerca de 2.500 poemas, no segundo lugar no Prêmio Vivara. Com ele, ganhei uma medalha de prata que guardo até hoje, com grande honra e alegria.

Dormindo no verbo

Dormindo no verbo
logaritmo do vazio
espera o anoitecer em branco
Entre a verdade e a palavra
escolhe as letras equilibristas
que morrem no abismo
Mesmo o atalho para as pedras
o fez vacilar entre o gesto e a crença
Saliência de palavras
que mancha o papel taciturno
Na noite esquelética
os livros dão carne para os outros
ávidos por dançar no salão da matéria
O verbo se fez carne
a matéria se fez palavra
prestes a preencher a vida dos outros
inimigos da sombra
que se desfaz em sonho
Dorme na coagulação do sangue
corpo que se move no vazio
da atmosfera escassa do osso
Carnaliza os vazios da noite
para se fazer dia do verbo encarnado
Dorme, dormee espera
na entrega do verbo
para os outros com insônia
O verbo se preenche de carne
manchando as páginas em branco
que esquálidas, tiram a fome
de anos e anos de espera.

 Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Alexandra Vieira de Almeida  - Murilo Mendes. Ele teve grande influência na minha escrita, não só pela riqueza metafórica, como pela temática surrealista abordada. Principalmente meus primeiros poemas na fase adulta. Os livros “40 poemas” e “Painel” são reflexos deste poeta magistral. Há um transbordamento de imagens, com versos predominantemente longos e jogos de linguagem inusitados nestes dois livros. Murilo Mendes tem uma poesia que realça o trabalho com as figuras de linguagem.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Alexandra Vieira de Almeida  - Sim. Dois fatores que mais impulsionam a minha criação são a leitura de outros livros e a minha relação com a existência. Com a leitura de outros autores, novas ideias surgem, reconstruindo-as, ressignificando-as ou destruindo-as, com minha dicção particular. A existência também é um fator preponderante, pois retiro o tecido, a matéria-prima dos meus textos a partir da minha relação e interação com a realidade e com os outros. A outridade é também o espelho no qual me miro.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Alexandra Vieira de Almeida  - Meu livro que considero mais importante e que tem todo o aval da crítica é “A serenidade do zero”. Marcos Pasche, prefaciador da obra, crítico literário e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, disse-me que amadureci mais com esse livro de 2017, lançado pela grande Editora Penalux. Igor Fagundes, grande poeta, ensaísta e professor da UFRJ, disse-me que nesse livro eu equilibro o voo e o pouso, pois minha poesia anterior tinha muito o voo, com a imaginação muito aberta. Nesse livro, tenho mais um processo de conscientização da escrita.

Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Alexandra Vieira de Almeida  - Desde o meu primeiro livro, “40 poemas”, faço poemas em prosa ou prosa poética. Também escrevi alguns contos e crônicas com uma linguagem mais poética. Pretendo escrever futuramente, novelas e romances, expandindo meu trabalho literário.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Alexandra Vieira de Almeida   - O poema “A serenidade do zero”. A escrita desse texto se deu numa época de grande adversidade, em que tive que transpor obstáculos. O resultado após essa tempestade foi a calmaria, a tranquilidade, em que reflito sobre o zero após o caos interior.

A serenidade do zero


Deus não está somente na esquerda e nem na direita
Do zero proveio a multiplicidade dos outros números
Na confusão das formas
Das línguas das religiões
Precisamos voltar à fonte
A origem sem nome
Ao vazio primordial
Sem o dualismo do bem e do mal
Sem som sem sabor
Sem perfumes ou cor
O sol clarifica as formas
Nos faz ver a ilusão da dor
Como voltar à nulificação da cor
Sem transparência ou escuridão
Nem luz nem trevas
O caminho é o sem caminho
O vagar nem no ponto nem na linha
Nem no círculo, circunferência ou centro
Ser sem teto bordas e tintas
Nem céu nem inferno
Nem em cima nem embaixo
Nem cá nem lá
O zero em sua solidão não se identifica
O grau zero da serenidade
O divino em pleno despertar.

 Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Alexandra Vieira de Almeida  - Acredito que a solidariedade falará mais alto, deixando o processo de desumanização de lado. As pessoas se tornarão mais amorosas e aqueles que não estiverem afinados com a nova lei do amor passarão. Os pássaros da beleza e de nossa verdadeira humanidade se refletirão em textos e atitudes cada vez mais sublimes.


Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

 Alexandra Vieira de Almeida -   Sou da tribo de grandes escritores que fizeram história na literatura. De Rimbaud, passando por Murilo Mendes, Cecília Meireles e Clarice Lispector, minha tribo é vasta, após longos anos dedicados à leitura. Digo que minha tribo se construiu pela leitura, não só de autores já mortos e consagrados, mas também os vivos. Escritores como Tanussi Cardoso, Luiz Otávio Oliani, Antonio Carlos Secchin, Nuno Rau, Claudia Manzolillo, Astrid Cabral, Lina Tâmega Peixoto, entre outros, são referências para meu trabalho literário.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Alexandra Vieira de Almeida   - Ser militante hoje para mim é criar uma ponte entre os diferentes. Não procuro o panfletarismo, a guerra, a oposição ferrenha, mas a paz que construirá castelos, não de areia, mas de tijolos sólidos, que não se desmancham no ar. Procuro representar os valores sociais pela subjetividade estética, dando valorização literária a temas como a negritude, como podemos ver no meu mais recente livro de poemas, “A negra cor das palavras”.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Alexandra Vieira de Almeida -   Qual relação do poeta com seu tempo?

Resposta - Acredito que o escritor deva espelhar o seu tempo na poesia, ao revelar as escolhas que ele faz com relação à realidade. O autor deve registrar a história de uma época a partir de uma poesia reflexiva e que apresente um sonho de criar um universo onde reine a beleza e a delicadeza, apesar da crueldade e insensibilidade presentes no mundo.


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