Ademir
Assunção, acaba de lançar pelo selo Demônio Negro, mais livro de
poesia RISCA FACA, ampliando ainda mais a sua marca: poesia afiada, faca
apontada para o aviltamento dessa idade mídia, e a barbárie pandemônica em que
fomos enfiados.
Ademir, faz
parte de um time seleto de poetas que conheci bem antes da criação dessas “redes
sociais”, face, zap, instagram. Lá pelos idos do anos 90, do século
passado, por carta foi-me apresentado pelo nosso querido e saudoso mestre amigo
Uilcon Pereira. E exatamente em 1996, se
deu o nosso primeiro encontro, quando ele apresentava sua performance, performance
na programação do projeto Poesia 96,
no Centro Cultural São Paulo, e a partir daí, imediatamente, começou um
diálogo, o meu interesse por sua poesia,
que se dá a partir da leitura do seu livro: ZONA BRANCA.
Minhas leituras sobre sua poesia é constante, e sempre que
encontro algum de seus poemas que me desafiam para gritar em voz alta, não
perco tempo: xingo, no palco ou na tela do computador. Nossos encontros foram se dando espontaneamente, muitos
deles ao acaso, outros programados, em Saraus, Feiras, Projetos, e mesmo nos botequins para um bom bate papo,
como este que você vai ler a seguir:
Ademir Assunção (1961) é poeta e jornalista. Publicou 14
livros de poesia, contos, romance e jornalismo, entre eles A Voz do Ventríloquo (Prêmio Jabuti 2013), Pig
Brother (finalista do Prêmio
Jabuti 2016), Ninguém na Praia Brava, Adorável Criatura
Frankenstein, Zona Branca, LSD Nô e Faróis
no Caos. Tem poemas e contos
traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, publicados nos EUA, Espanha,
Argentina, México, Peru e Alemanha. Gravou os cds de poesia e música Viralatas
de Córdoba e Rebelião
na Zona Fantasma. Letrista de música
popular, tem parcerias gravadas por Itamar Assumpção, Edvaldo Santana, Titane,
Patrícia Amaral e Ney Matogrosso. Jornalista profissional há mais de três
décadas, trabalhou como repórter e editor em grandes jornais e revistas do
país, como Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde e Marie
Claire. Idealizador e curador da exposição Leminski: 20 Anos em
Outras Esferas, sobre a obra do poeta
curitibano, no Instituto Itaú Cultural. É um dos editores da revista
literária Coyote. Em 2021
com o poema CAVERNA, participou da Mostra Cine e Vídeo de Poesia Falada,
realizada pelo SESC Piracicaba, nos meses de Abril/Maio com curadoria de Artur
Gomes.
Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Ademir Assunção - Há muitos anos que vejo e filtro o mundo por meio da linguagem. Da
linguagem poética, com seus ritmos, silêncios, sonoridades, imagens alucinantes
e pensamentos eletrizantes. Tudo o que vejo, percebo e sinto, tento transformar
em matéria poética. Portanto, vivo em estado de poesia o tempo todo.
Artur Gomes - Seu poema preferido? Seu ou de um outro
poeta de sua preferência.
Ademir Assunção - Muitos são os poemas preferidos. E eles vão
e vêm, não em vão, como diria Oswald de Andrade. Ultimamente, eu diria que é
Dentro da noite veloz, de Ferreira Gullar. Estes versos ecoam na minha cabeça,
especialmente neste momento tão desprovido de caráter e superpovoado de vidas
tão estreitas:
“Serei dentista? / talvez quem sabe oftalmologista? /
Otorrinolaringologista? / Responde a bauxita (da Kaiser Aluminium): / serás
médico aborteiro / que dá mais dinheiro // Serei um merda / quero ser um merda
/ Quero de fato viver. / Mas onde está essa imunda / vida – mesmo imunda? / No
hospício? / num santo / ofício? / no orifício / da bunda? / Devo mudar o mundo,
/ a República? A vida / terei de plantá-la / como um estandarte / em praça
pública?”
Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Ademir Assunção - Alguns são definitivos: Maiakovski, Torquato Neto, Rimbaud, Wislawa
Szymborska, Augusto de Campos, Iessienin, Paulo Leminski, Oswald de Andrade.
Muitos, e estão sempre em rodízio. Ultimamente tem sido Celso de Alencar, com o
livro Testamentos.
Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma
pedra de toque, algo que o impulsiona para escrever?
Ademir Assunção - Existe todo um software que fui instalando
ao longo dos anos no meu processador criativo: sonoridades, ritmos, jogos de
imagens, cortes de frases, que se tornaram metas que persigo com minha
linguagem. Mas isso é apenas o processador. Cada poema é uma surpresa, um
desvio de rota, uma retomada de caminho, um novo desafio. Senão, não teria a
menor graça. Falaria uma língua de fantasma, como dizem os Yanomami. A poesia é
minha sonda de prospecção para investigar tudo o que está a minha volta.
Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua vida¿ Ou em sua Obra?
Ademir Assunção - A Divina Comédia, de Dante Alighieri, especialmente o Inferno.
Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou
exercita outra forma de linguagem com poesia?
Ademir Assunção - Sim. Já gravei cds de
poesia e música (Rebelião na Zona Fantasma e Viralatas de Córdoba), já fiz
poemas visuais, poesia em prosa e agora estou trabalhando com poemas cinéticos,
ou poemas animados, como prefiro. Aliás, um adendo: sei que vira-latas se grafa
com hífen (o abelhudo corretor do Windows, inclusive, acabou de me corrigir),
mas acho desnecessário. Gosto mais da beleza do desenho da palavra grafada sem
hífen: viralatas. Tenho minhas idiossincrasias e, às vezes, elas me pedem que
desrespeite a própria língua.
Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?
Ademir Assunção - Este, por exemplo, publicado em um dos meus livros mais recentes,
Risca Faca:
UM
IDIOTA NO MEIO DO CAMINHO
não
havia uma pedra no meio do caminho
havia
um idiota completo com seu olor de ódio
um
idiota completo que relinchava
— sem a elegância dos cavalos
um
idiota completo com seu fedor de coisa pútrida
babando
bílis, bebendo pus, peidando, defecando
sobre
bandeiras verdes sem matas
sobre
bandeiras azuis de céus sufocantes
sobre
bandeiras amarelas de raiva
sobre
bandeiras brancas manchadas de sangue
um
idiota completo regurgitando e resfolegando
violência,
tortura, ameaças, assassinatos
um
idiota completo e mentiroso com seu pau hasteado
numa
selva escura e sem saída, sem onça-pintada
sem
lobo-guará, sem tatu-peba, sem rola-bosta
um
idiota completo que berra nos ouvidos de madalena
eu
não te estupro porque você é feia!
meu
filho não te come porque você é preta!
um
führerzinho mal ajambrado em talho tosco
gritando
morte aos veados! morte aos vermelhos!
morte
aos que ouvem essa música barulhenta!
morte
aos montes! morte em marte! marche! marche!
e
a turba trevosa e tenebrosa entra em transe
e
afia as facas e estala as esporas e engatilha as armas
revelando
às crianças uma face dura e rude
sem
leveza, sem beleza, sem delicadeza alguma
um
idiota tão maligno e digno de pena
que
nem vale o esforço de um poema
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois
dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Ademir Assunção - Lamento profundamente os que se foram por
conta da pandemia, inclusive alguns amigos. Muitas mortes poderiam ter sido
evitadas se não tivéssemos um demente tão despreparado no comando do país,
cercado de delinquentes igualmente despreparados, exceto para pilhar, destruir
e odiar tudo o que está em volta. Acho que essas almas sebosas passarão, mas
certamente virão outras para substituí-las. Os que souberam ouvir e perceber o
que os tempos estão dizendo, cada vez com mais intensidade, esses passarinhos.
Artur Gomes – No prefácio do livro Pátria A(r)mada
o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua
tribo, de onde ele trás as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua
tribo?
Ademir Assunção - Minha tribo é a dos poetas aimorés punks
zen.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta,
militante de poesia?
Ademir Assunção - Não sei dizer. Mas gosto
de pensar que é importante estar com as antenas o mais altas possível e os pés
bem enraizadas no chão, no barro do chão, de onde nasce o baião.
Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Ademir Assunção - Por que tantos humanos parecem pálidos fantasmas? Porque não sabem
ouvir a música da Terra girando em torno de si mesma e em torno do sol.
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