quinta-feira, 18 de março de 2021

Fabiano Calixto - EntreVistas

foto: Natália Agra 

Conheci Fabiano Calixto, lá pelos idos de 1993 no Alpharrabio em Santo André, tempos de Mostra Visual de Poesia Brasileira. Acompanhei os seus primeiros passos  com poesia e quando li seu livro Fábrica (Alpharrabio Edições – 2000), ali já podia prever  a brilhante carreira desse  imenso poeta que é, além de editor crítico e tradutor de poetas foda. Porque como ele mesmo afirma: poesia é foda.

Ficamos um bom tempo sem contatos depois dos nossos encontros no Alpha,  algum tempo depois nos reencontramos no face, por onde acompanho a produção da sua Corsário Satã. Depois de ler a revista Meteöro, os seus livros, Nominata Morfina e Fliperama e os Despachos, esse bate papo se tornara indispensável para saber um pouco mais dos seus rolés com poesia. 

Fabiano Calixto nasceu em Garanhuns (pe), em 1973. É poeta, editor e professor. Vive na cidade de São Paulo. Doutor em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo (usp). Publicou os seguintes livros de poesia: Algum (edição do autor, 1998), Fábrica (Alpharrabio Edições, 2000), Música possível (CosacNaify/ 7Letras, 2006), Sanguínea (Editora 34, 2007), A canção do vendedor de pipocas (7Letras, 2013), Equatorial (Tinta-da-China, 2014), Nominata morfina (Corsário-Satã, 2014) e Fliperama (Corsário-Satã, 2020). Dirige, com Natália Agra, a editora Corsário-Satã.

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

 Fabiano Calixto - Meu estado de poesia é a observação e a reflexão constante. Gosto de olhar, ouvir a pulsação inesgotável das coisas do mundo.

 Artur Gomes - Seu poema preferido?

 Fabiano Calixto - São quatro: “A máquina do mundo”, de Carlos Drummond de Andrade; “O cão sem plumas”, de João Cabral de Melo Neto; “Negro drama”, dos Racionais MCs; e “Noite de São João”, de Natália Agra.

 Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

 Fabiano Calixto - Também são quatro: Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Mano Brown e Natália Agra.

 Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

 Fabiano Calixto - Tudo pode ser motivo do poema. Nestes tempos sombrios, só a fúria tem impulsionado. Incorporo a fúria e a transformo em energia criativa. Por outro lado, nada impede que seja a ternura o combustível do poema.

 Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

 Fabiano Calixto - O meu próximo livro, um poema longo que lanço no segundo semestre de 2022.

 Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita a poesia com outra forma?

 Fabiano Calixto - Sim. Na respiração, por exemplo. Ou no Nominata morfina, livro que lancei em 2014, trabalho com o poema em prosa. Também gosto da escrita de teatro (no Nominata morfina há uma peça de teatro experimental), pratico o poema visual, a colagem etc. Há muitas maneiras de fazer poesia, eu prefiro todas.

 Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

 Fabiano Calixto - Um poema-marreta.

 Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

 Fabiano Calixto - Se as sociedades não se organizarem na luta sem trégua contra a peste neoliberal, não haverá nem passarão nem passarinho. Não sobrará nada. O papo é quente. O sistema capitalista é o sistema da morte. E a luta contra esse sistema (nossa ética) é nossa única saída, e, portanto, a luta deve ser persistente, incansável, diária. Como diria o grande Fred Hampton: é uma luta de classes, porra!

 Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele trás as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

 Fabiano Calixto - Sou da turma da Natália Agra e nós somos da turma dos sem turma. Fazemos nosso trampo da melhor maneira que podemos. Agimos no miolo do sistema e contra ele. Fazemos poesia, fazemos livros. Dividimos, caminhamos. Seguimos, olho vivo e faro fino, atentos, firmes e fortes, fazendo nosso rolé. Sem mídia, sem média, sem medo.

 Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

 Fabiano Calixto - Não ser ingênuo, nem otário. Não obedecer. Recusar informação redundante. Desconfiar sempre. Fazer poesia inteligente e furiosa. Divulgar e promover a luta de classes. Lutar contra a mentalidade neoliberal que toma conta da vida e das artes. Criar. Transformar. Fazer o impossível.

 Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

 Fabiano Calixto - Aproveitarei o espaço para falar um pouco dos meus projetos e trampos nestes tempos.

 Comecei faz pouco tempo um novo trabalho, um poema longo, para vozes. Não esperava isso, porque geralmente fico longos períodos sem escrever quando lanço um livro novo – e o Fliperama saiu em 2020. De qualquer modo, a energia criativa tá fluindo e tou aproveitando a deixa e fazendo, criando, rimando. O processo todo neste novo trabalho me encanta. Não sinto essa euforia há muito tempo. E isso, nestes tempos de trevas, é essencial, é saúde.

 A Corsário-Satã, editora underground que dirijo com a poeta e editora Natália Agra, vem ampliando seu catálogo. Além de publicar poesia (com muitos novos títulos neste ano), começaremos a publicar também os primeiros volumes de nossas coleções de ensaio, de clássicos e de música – o que expande também o projeto político-cultural que a editora defende.

 A revista de poesia que editávamos, a Meteöro, não terá sequência, ficando assim como uma revista de número único. Valeu o rolé, tá feito, já era. Por sua vez, o zine digital Despacho, que tem circulado muito e também tem construído inúmeras pontes de diálogo, nos dá muita alegria de fazer e a moçada tem curtido muito. Então, é com Despacho que seguiremos dividindo os pães. Quem não conhece o zine e quiser sacar, é só colar na página da Corsário-Satã e baixar gratuitamente os exemplares – https://corsario-sata.minestore.com.br –.

 Ando traduzindo bastante ultimamente. Em breve sai, pela Editora 34, Poesia como arte insurgente, um livro foda do poeta norte-americano Lawrence Ferlinghetti. E, mais adiante, um trabalho maior, uma antologia do mesmo Ferlinghetti que estou traduzindo com a Natália Agra também para a 34. Além de coisas que vou traduzindo aqui e acolá e reunirei em meu livro de traduções que deve sair em alguns anos, o Metal pesado.

 É o que vamos fazendo por aqui: resistindo, inventando, criando rolés, alimentando o fazer, vivendo uma vida anticapitalista, somando com quem soma, sempre ao lado dos trutas que sempre estiveram ao nosso lado. Movimentando. É a saúde necessária para caminhar pelas orlas desta infinita praia de peste – e a poesia é saúde contra o mundo adoecido. A poesia é foda!

Fulinaíma MultiProjetos 

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EntreVistas

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Um comentário:

  1. Excelente diálogo. Em qualquer tempo, mas especialmente em tempos sombrios, a luz da poesia na cabeça!

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