SagaraNAgens Fulinaímicas
guima meu mestre guima
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste
da hygia ferreira bem casta
aqui nas bandas do leste
a fome de carne é madrasta
ave palavra profana
cabala que vos fazia
veredas em mais sagaranas
a morte em vidas severinas
tal qual antropofagia
teu grande serTão vou cumer
nem joão cabral severino
nem virgulino de matraca
nem meu padrinho de pia
me ensinou usar faca
ou da palavra o fazer
a ferramenta que afino
roubei do meste drummundo
que o diabo giramundo
é o narciso do meu Ser
ainda que seja assim
ainda que seja assado
não tenho papas na língua
não tenho língua nas papas
quando me descobri ainda menino saltando muros para roubar mangas no quintal do vizinho ou quando o tasquei fogo no paiol de milho percebi a vida nos trilhos
tudo gira tudo rola
pomba gira no terreiro
trepada em pé de carambola
e lá vai terminando mais um ciclo ao redor do sol meu pai cavaleiro de Ogum
na terra girou 67 por onde anda não sei deve estar pelas galáxias nas festas de São João Xangô Menino
ela vinha
com um copo de vinho
na boca uma língua
de fome
no corpo a carne
sedenta
seis anos para ceder
aos instintos
e dar-me em camas
ela veio vestida de nada
enquanto pra ela escrevia
um bolero blue
no poema nada cabe
nem o que sei
nem o que não se sabe
que seja por um risco
que seja por um triz
a mulher que sempre amei
não era atriz
era aprendiz de arquiteta
sempre andou em linha torta
apesar de sempre ereta
teu corpo
é carne de manga
em meu pênis viril
enquanto sangra
quando beijo tua boca
enfurecido
rasgando por trás
o teu vestido
se tiver que me matar
que seja
se eu tiver que te matar
que morra
em cada beijo que te der
amando
só vale o gozo
quando for eterno
infernizando os céus
e santificando
a boca do inferno
*
com espada em riste
galopamos velozmente
por dois segundos e meio
tua fúria era tanta
que agarrei-me
em tuas crinas
para não cair na lama
mas o amor era tanto
e tanto era o prazer
que quando fomos pra cama
não tinha mais o que fazer
ainda que seja assim
ainda que seja assado
a carne seca com farinha
anda muito cara no mercado
nasceu uma erva santa em meu quintal nem sei quem jogou a semente se foi algum vizinho ou se foi trazida por passarinho
algumas coisas dançam na memória
outras passeiam ou passam e vão desfilar em outras vitrines no tempo do esquecimento
enquanto a bahia
se afoga
o genocida nada
quando escrevo
com enxada
o poema é mais real
uma mistura de cerveja campari vodka com limão picanha assada assim foi meu natal de 2021 para fechar esse ciclo em torno do sol vamos dançar para Olorum no dia 31
Ogum não permitiu
que Yansã doasse o coração
para Xangô
e deu-se num trovão
pela manhã o seu amor
Oxossi em cada um
moram dentro o mar
dois olhos florescentes
por trás desta paisagem
não são olhos de peixe
são dois feixes de luz
dois faróis brilhantes
que olham infinito
desde um tempo outro
mar de outras eras
nem era primavera
aquela vez primeira
nem era quarta feira
na sala de ensaio
diante dos espelho
dois olhos como raios
dentro os olhos meus
que acenderam o fogo
como queima agora
neste mar de Zeus
a lavra da palavra quero
quando for pluma
mesmo sendo espora
felicidade uma palavra
onde a lavra explora
se é saudade dói
mas não demora
e sendo fauna linda como a Flora
lua Luanda vem não vá embora
se for poema fogo do desejo
quando for beijo que seja como agora
a poesia é meta física
meta quântica
Itaipu é uma paraíso
dentro do que sobrou
da Mata Atlântica
o que existe
por trás da poesia
língua de sal
lambendo a pele
do amor à flor da pele
toda pele maresia
Diador-in
avessa em mim
branquinha como a neve
me leve
para dentro da tua casa
a poesia é o infinito da pessoa
te empresto minhas asas
pare de caminhar - e voa
Afiando a CarNAvalha
cocada agora
só se for de coco
paçoca de amendoim
cigarro só se for de palha
cacique só se for da mata
linguagem só tupiniquim
bala só se for de prata
água só se aguardente
tônica só se for com gim
estado só se for de surto
eleição só se for sem furto
brilho só no camarim
golaço só se for de letra
Ronaldo só se for Werneck
malandro só se mandarim
política só se for decente
partido só sem presidente
governo eu que mando em mim
batismo só se for de pia
Congresso só de Poesia
Reinaldo pode ser Valinho
ainda melhor se for Jardim
ela me chega assim bailarina
como um tarde de música
envolta em física quântica
etérea qual labirinto
para dizer o que sinto
e desvendar teu endereço
procuro em teu livro secreto
palavras que não conheço
Artur Gomes
na trilha do fogo
www.porradalirica.blogspot.com
o que dizer das
namoradinhas do crivella
as falsas donzelas
da abstinência sexual
o que dizer as ovelhinhas
do edir mais cedo
não tem segredo
:
não curto culto meu amor
não curto
sou um pastor afrotupy
prefiro o ritual dos barracões
para aplacar os meus vulcões
em fases de erupções
encarnações como nunca vi
bordel brazílico
no bordel brazílico
meio dia pós almoço
as putas dormem
nos seus recintos de respeito
as bichas dormem
pós desfiles carnavalescos
os deputados dormem
os senadores dormem
os prefeitos dormem
os vereadores dormem
os juízes dormem
todos na suprema corte dormem
só no gabinete do presidente
ele é o único acor(dado)
no tanto fez como tanto faz
e decreta mais um projeto
para desmatamento da amazônia
e leilão na Petrobras.
a besta fera
perdeu a cabeça
na esquina da W3
com asa norte
a encruzilhada do delírio
sua língua morta
foi decapitada
por Adélio Bispo do Rosário
foi encontrada na rota 666
ladeira do inferno
na praia da macumba
e agora exposta
no museu universal
das grandes novidades
salmo 2019 versículo 6.6
segundo o evangelho
do Pastor de Andrade
a ovelha do oitavo andar
se desgarrou na madrugada
foi dar o leite para o padre
e me deixou na bronha
sujei a fronha
do meu travesseiro
sujei as mãos
sujei os dedos
e a sem vergonha
me ligou pra dar a deus
juro que não sou santo
juro que não sou zeus
se encontro essa ovelha
desgarrada
vai ter bordel
vai ter facada
e não venham me dizer
que é crueldade
sacanagem
é o que ela fez comigo
me deixou de quatro
e ainda cuspiu no meu umbigo
santíssima trindade
o pastor universal
o narco tráfico
e a milícia
uma santíssima trindade
no país do laranjal
mini conto - a faca
poesia não é manchete de jornal para espremer escorrer sangue o poema pode ser facada sim que entra na carne mas não sangra como aquela em juiz de fora que até agora ninguém me explicou o melodrama estava li e não vi adélio no curral do tal comício palanque armado para fazer do brasil uma quaderna - pra fazer do brasil um precipício
última ceia
banquete antropofágico
do peixe vamos comer
somente espinha
na rapadura com farinha
curitiba-pr - seembro 2022
TERRA DE SANTA CRUZ
ao batizarem-te deram-te o nome
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro prata
rios peixes
minas mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme.
salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás.
meu coração é tão hipócrita que não janta
e mais imbecil que ainda canta
ouviram no ipiranga às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta.
telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite
uma estrela ainda brigava
contra a escuridão
na rua sob patas
tombavam homens indefesos
esperei-te vinte anos
e até hoje não vieste
à minha porta.
o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal quarta-feira
na geléia geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é mãe brazil.
minha verde e amarela esperança
portugal já vendeu para a frança
e o coração latino balança
entre o mar de dólares do norte
e o chão dos cruzeiros do sul.
o poeta esfrangalha a bandeira
raia o sol marginal sexta-feira
nesta zorra estrangeira e azul
que há muito índio dizia:
meu coração marçal tupã
sangra tupy e rock’n’roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi bumbá
a veia de curumim
é coca cola e guaraná.
o sonho rola no parque
o sangue ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de ianque.
ó baby a coisa por aqui
não mudou nada
embora sejam outras
siglas no emblema
espada continua a ser espada
poema continua a ser poema.
www.arturgumesfulinaima.blogspot.com
Do cd Fulinaíma – Sax, Blues e Poesia
Edição do autor, 2002
*****
veja bem meu bem o beijo que não me deste era gelado e derreteu teu evangelho um sacrilégio de um mitológico prometeu não gosto da palavra doce prefiro salamargo pra desintoxicar o fígado o sabor da minha língua é azeite sal pimenta se não agüenta sarta de banda eu sou umbanda vou pro terreiro de oxossi sacramentar o meu amor bater macumba na quimbanda e saravá para xangô
Federika Lispector
eu não sou santa
www.braziliricapereira.blogspot.com
lascívia
do porto de Santos
ecoa o grito no Ipiranga
:
irreverência ou morte!
o vampiro está de tanga
no mar negro palácio jaburu
com a baba escorrendo na boca
e o guindaste enfiado no cu
sossegado no meu canto
conheci essas meninas
no carnaval de iriri
que fica logo ali
do outro lado do espírito santo
juro que foi assalto
uma quadrilha invadiu
o palácio do planalto
Pastor de Andrade
Fulinaíma Afro Tupiniquim
www.arturfulinaima.blogspot.com
poética 2
o que tem essa mulher que me delira
o que tem essa mulher que me deleita
o que tem essa mulher que me provoca
o que tem essa mulher que me estreita
o que tem essa mulher que me espreita
leoa na selva que me caça
ou uma grande mulher quando se toca
eros
tua blusa de seda
entre meus dentes
o nó se desfez depois do vinho
sob as folhas dos parreirais
vale - os vinhedos
quantas vezes eros
eletrizou os nossos dedos?
FedericoBaudelaire
www.fulinaimicamente.blogspot.com
sarcasmo
o olho clínico não responde
fechou o livro na vigésima
sétima página
eu fico sem saber o que pensar
da minha crença no naturalismo
das coisas que ainda
não tem nome
se a fome é física
ou sobrenatural
tesão é química ou apenas
a parte mais intensa
de uma transa casual
como cavalo
cavalgo tua relva branca
como vassalo do teu corpo
florbela que me espanca
em nome do pai
do filho e do espírito santo
confesso entretanto
que o meu jejum de hoje
tem almôndegas de soja
com vinho tinto de Bento
Salton Cave de Pedra
eu sei que Fedra Margarida
gosta mais de carne mesmo
cachacinha com torresmo
mas tenho fé que ela
passe a língua no meu linho
se embriague com meu vinho
coma da minha carne
e se engravide do meu pão
sossegado no meu canto
conheci essas meninas
no carnaval de iriri
que fica logo ali
do outro lado do espírito santo
EuGênio Mallarmè
www.porradalirica.blogspot.com
Um Cidadão Comum
Sempre subindo a ladeira do nada,
Topar em pedras que nada revelam.
Levar às costas o fardo do ser
E ter certeza que não vai ser pago.
Sentir prazeres, dores, sentir medo,
Nada entender, querer saber tudo.
Cantar com voz bonita prá cachorro,
Não ver “PERIGO” e afundar no caos.
Fumar, beber, amar, dormir sem sono,
Observar as horas impiedosas
Que passam carregando um bom pedaço
da vida, sem dar satisfações.
Amar o amargo e sonhar com doçuras
Saber que retornar não é possível
Sentir que um dia vai sentir saudades
Da ladeira, do fardo, das pedradas.
Por fim, de um só salto,
Transpor de vez o paredão.
Torquato Neto
"Terra de Santa Cruz " é foda, um épico, como poucos, muito poucos, da desgraça dessa nossa terra tão violentada. Para quem conhece a versão gravada, na voz de Artur Gomes, cruzada com o blues Noite Escura, de Reubes Pess, a publicação do poema no silêncio da escrita é uma redução drástica, mesmo que mantenha sua contundência cristalina e triste. Porra, ouça isso. As imagens são simples, a impressão é de que foi o que deu pra fazer. O que importa é a força do poema lançada como lava de vulcão bem dentro dos nossos ouvidos. Eis o link: https://www.facebook.com/studiofulinaima/videos/1366124026815847/?hc_ref=PAGES_TIMELINE
obs.: terra de santa cruz foi escrito na década de 1980 do século 20. Sua primeira publicação se deu no livro Couro Cru & Carne Viva – 1987 – republicado 2019 na antologia pessoal Pátria A(r )mada – Editora Desconcertos, com prefácio de Ademir Assunção
Personas ArturiAnas
Cobra Norato, 1931
Raul Bopp
Publicado em 1931, Cobra Norato é escrito pelo poeta gaúcho
Raul Bopp (1898-1984). No que toca a concepção e técnica, é um dos textos mais
representativos da primeira geração modernista.
Fragmento
I
Um dia
ainda eu hei de morar nas terras do Sem-Fim.
Vou andando, caminhando, caminhando;
me misturo rio ventre do mato, mordendo raízes.
Depois
faço puçanga de flor de tajá de lagoa
e mando chamar a Cobra Norato.
— Quero contar-te uma história:
Vamos passear naquelas ilhas decotadas?
Faz de conta que há luar.
A noite chega mansinho.
Estrelas conversam em voz baixa.
O mato já se vestiu.
Brinco então de amarrar uma fita no pescoço
e estrangulo a cobra.
Agora, sim,
me enfio nessa pele de seda elástica
e saio a correr mundo:
Vou visitar a rainha Luzia.
Quero me casar com sua filha.
— Então você tem que apagar os olhos primeiro.
O sono desceu devagar pelas pálpebras pesadas.
Um chão de lama rouba a força dos meus passos.
II
Começa agora a floresta cifrada.
A sombra escondeu as árvores.
Sapos beiçudos espiam no escuro.
Aqui um pedaço de mato está de castigo.
Árvorezinhas acocoram-se no charco.
Um fio de água atrasada lambe a lama.
— Eu quero é ver a filha da rainha Luzia!
Agora são os rios afogados,
bebendo o caminho.
A água vai chorando afundando afundando.
Lá adiante
a areia guardou os rastos da filha da rainha Luzia.
— Agora sim, vou ver a filha da rainha Luzia!
Mas antes tem que passar por sete portas
Ver sete mulheres brancas de ventres despovoados
guardadas por um jacaré.
— Eu só quero a filha da rainha Luzia.
Tem que entregar a sombra para o bicho do fundo
Tem que fazer mironga na lua nova.
Tem que beber três gotas de sangue.
— Ah, só se for da filha da rainha Luzia!
A selva imensa está com insônia.
Bocejam árvores sonolentas.
Ai, que a noite secou. A água do rio se quebrou.
Tenho que ir-me embora.
E me sumo sem rumo no fundo do mato
onde as velhas árvores grávidas cochilam.
De todos os lados me chamam:
— Onde vai, Cobra Norato?
Tenho aqui três árvorezinhas jovens, à tua espera.
— Não posso.
Eu hoje vou dormir com a filha da rainha Luzia.
IV
Esta é a floresta de hálito podre,
parindo cobras.
Rios magros obrigados a trabalhar.
A correnteza arrepiada junto às margens
descasca barrancos gosmentos.
Raízes desdentadas mastigam lodo.
A água chega cansada.
Resvala devagarinho na vasa mole
com medo de cair.
A lama se amontoa.
Num estirão alagado
o charco engole a água do igarapé.
Fede...
Vento mudou de lugar.
Juntam-se léguas de mato atrás dos pântanos de aninga.
Um assobio assusta as árvores.
Silêncio se machucou.
Cai lá adiante um pedaço de pau seco:
Pum
Um berro atravessa a floresta.
Correm cipós fazendo intrigas no alto dos galhos.
Amarram as árvorezinhas contrariadas.
Chegam vozes.
Dentro do mato
pia a jurucutu.
— Não posso.
Eu hoje vou dormir com a filha da rainha Luzia.
XXXII
— E agora, compadre,
eu vou de volta pro Sem-Fim.
Vou lá para as terras altas,
onde a serra se amontoa,
onde correm os rios de águas claras
em matos de molungu.
Quero levar minha noiva.
Quero estarzinho com ela
numa casa de morar,
com porta azul piquininha
pintada a lápis de cor.
Quero sentir a quentura
do seu corpo de vaivém.
Querzinho de ficar junto
quando a gente quer bem, bem;
Ficar à sombra do mato
ouvir a jurucutu,
águas que passam cantando
pra gente se espreguiçar,
E quando estivermos à espera
que a noite volte outra vez
eu hei de contar histórias
(histórias de não-dizer-nada)
escrever nomes na areia
pro vento brincar de apagar.
Raul Bopp foi um poeta modernista e
diplomata brasileiro, tendo participado da Semana de Arte Moderna ao
lado dos amigos Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Seu livro Cobra
Norato é considerado o mais importante do Movimento Antropófago.
Nasceu a 04 Agosto 1898 (Vila Pinhal RS) - Morreu em 02 Junho 1984 (Rio de Janeiro)
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