segunda-feira, 11 de novembro de 2019

as 3 poesias vencedoras do XXI FestCampos de Poesia Falada




NEW GOTHAN CITY


“Há um morcego na porta principal”
JardsMacalé e Capinan

Na noite morna de Gothan City
nuvens de chorume ameaçam desabar
sobre cabeças indesejadas.
Falsas novidades apontam para bizarros perigos:
bíbliaspornôs, criancinhas engolidas
perigosíssimos complôs intergalácticos
uma exposição profana
artistas satânicos, pensadores perniciosos
        ameaçam a paz em Gothan City...

Em um palanque da Praça principal
um velho messias ressuscita novos lázaros
e realiza o milagre da multiplicação
                de novos cegos
                de novos imbecis
                de novos coxos.

Uma indesejada tomba
e uma desejada tumba se abre fria
comendo, comendo sonhos
Enquanto faxineiros sociais recebem comendas, comendas
urubus galardoados sobre uma Gothan City limpíssima.

Mas cuidado!!!... Existem portas que não a principal
em Gothan City...
Tubulações que excretam escrotos lambidos
nos umbrais da urbe
escrotos de vetustos escrotos do Novo Mundo
        saquinhos de exumadas múmias genocidas

Tubulações perpassam esquecidos calabouços
abrem profundas fendas no poema que insiste
        em manter-se lírico.
Um poema sujo na branquíssima Gothan City.

Cuidado!!!! Há um grande circo na Praça Nacional
Há uma louca na ala psiquiátrica principal
Há uma balbúrdia no picadeiro central
Uma charada em verso branco
Uma ode ao ódio
Um idílio à castração
Lobotomias consentidas
                em Gothan City.

Cuidado!!!! Há um palhaço na cadeira principal!!!
Um poema-laço
Um poeta lasso
Um abraço
Um balaço, dois, três, quatro, nove balaços!!!

Um poema no lixo
Um fogo-fátuo na noite
um dedo que atira
no meio da rua escura
no meio daquele março 
onde duas almas ascendem
Eternos fogos-fátuos nos labirintos kafkianos
        de Gothan City.

Nove baques secos na avenida:
- Pá! Pá! Pá! Pá!
Tiros na cara
Tiros de tiras...

Um silêncio
E os olhos cúmplices da rua
semicerrados...

(Um rádio ligado
e uma opulenta diva negra- e também indesejada -
gritando do sofá:
– Que tiro foi esse?...
Que tiro foi esse, viado?)


Alberto Sobrinho
Niterói-RJ
Maio - 2019
Primeiro Lugar no XXI FestCampos de Poesia Falada 
categoria: Poesia 



A meus deuses profanos.


Sou ateu, mas sou poeta.
Portanto: Malandro e santo.
E me resguardam uns outros tantos agora exus e anjos
(Alguns são vivos).

Tenho a proteção dos desvalidos, dos malditos, dos mal interpretados, dos mal tidos.
Baudelaire, Macalé, Zeca Baleiro...
a melodia do melodia, um panteão inteiro.
Neste céu infernal, Bukowski podre de bêbado está na porta.
É o chaveiro.
Bocetas multicoloridas voam como borboletas entre flores de cannabis no desfiladeiro.

O fruto proibido se esgotou.
Só sobraram ressacas e vertigens.
No céu dos poetas que o diabo projetou,
só ficou proibido o acesso às virgens
(que deixam na entrada com Bukowski os preciosos hímens).

Vinícius pinta no arco-íris, uma aquarela de vícios
chorando litros de Whisky ao rememorar Toquinho.
O Tom dá o tom do seu lamento.
Em afinada arpa o acompanha Cartola
que também toma umas biras lá no firmamento, quebra o precioso instrumento...
pede ao Zé Pilintra a viola.

Mas vejo no canto sozinho...
Camões caolho e desditoso...
Mario Quintana lhe oferece um cigarrinho...Diz-lhe: “- Todos os poemas são de amor”.
Nesse ponto, discutem de novo.

Fernando é que é pessoa intratável...
Ninguém até hoje fez amizade com o cara...
Contempla a natureza nova, novamente insondável.
Quer se matar de novo e murmura: “- Eu não sou nada... não sou nada.”

Garcia Lorca lidera a passeata LGBT.
Cazuza o ama, mas quem ama Cazuza é Caio Fernando Abreu.
Rimbaud apaixonou-se por Rilke
que envia cartas a um jovem poeta feito um pateta (porque nunca o leu).
Renato puxa papo com Tchaikovski, tenta a cantada ruim por impulso,
oferece um o pó mágico a ele, e diz:“- Oi gato, eu também souRusso.”

Drummond assiste tudo de cima.
Cisma em reescrever “A Quadrilha”.
O mineirinho até que foi convidado como simpatizante,
mas segue comedido e reservado como era antes.
Prefere as musas, a solidão, a materialidade das coisas...
Conclui coisas secas.
Rejeita por vezes a rima.
Plantou escrivaninha no alto pra contemplar vasto mundo.
Não sai por nada lá do cume. 

Florbela espanca Anais Niin por ciúme.
Cora Coralina tece serenos bordados de renda, de versos.
Ao cair da noite tudo se resume...
Em calmarias e desassossegos dispersos.

No céu dos poetas e das poetizas,
há sempre um serafim que abranda,
um querubim que satiriza.

E eu cá embaixo sou mais um devoto dos desmiolados santos.
E sou regido por eles.
Por mais que eu cante outros pontos.

Num dia difícil, material, literal, áspero, concreto...
intuo que não estou sozinho, tomo uma taça de vinho...
Vejo meus deuses de perto.

 Marcelo Atahualpa

Segundo lugar no XXI FestCampos de Poesia Falada

categoria - Poesia

  


Cinza

Eu sei o que é morrer.
Matei-me muitas vezes,
em lascas fétidas
cerrei ossos inteiriços
de minha pele esgarçada
por demandas externas.
Triturei minha pele e colei sobre
o vento o pó que fiz de mim.
Arranhei as costas do nada
e fiz cócegas na barriga do mundo
até ele explodir em água.
sursursursursur
SUGUEI o sangue da terra
como se eu mesma fosse o chão
que pudesse se deitar uma cobra.
Segui o rastro do lagarto que renasci em mim
e abandonava o rabo, o cabo e o fim.
Essa história de morrer
é rio que escorre pelo canal central
o uterino, o feminino
o hino de ser mulher que esqueleta
esquenta, ereta
e reta voa pelas linhas de si.
Mas que mulher aberta!
Aberta!
Entre uvas e vulvas
se pompa
se goma
e goza
o deleite de SER
em SI
Nu
e rOSA.
Arranhada pelos cabelos
recentemente cortados
risca sobre a pele os adinkras
e pinta sobre a boca
a cor da noite.
Envenena-se com a própria
saliva que deveria cuspir
e
e
e
cai no ai
e
e
e
chora mais,
mais do que o necessário
pois o adversário
mora dentro
e ri de quem deságua
mas a lágrima é pesada
e
e
e
cai na cabeça do riso
e
e
e
ele morre.
Matei meu próprio riso
com a lágrima que plantei
Quem planta água dentro do peito
sempre tem um rio pra se afogar
quem seca o tempo dentro
sempre racha o bico do peito
que iria amamentar.
Eu sou cura
a nervura
a fervura
a ervura
a sutura
a criatura
a atadura
a molécula
que muda
transfigura
Eu sou a morte
que atravessa
o âmago da vida
que mergulha
no sangue
que revés.
Eu sou o processo
que encharca de si
que morre
morre profundamente
nos braços do fim.

Lívia Prado
Terceiro Lugar no XXI FestCampos de Poesia Falada
categoria Poesia - Primeiro Lugar - categoria Intérprete

portalfulinaima@gmail.com



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